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Religião é um termo que, muitas vezes, não corresponde exatamente àquilo que as tradições espirituais querem transmitir

Devotos muçulmanos fazem orações ao Jamma Masjid. Foto: Sajjad HUSSAIN / AFP
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Em um hadice relatado no Bukhari e no Muslim, o profeta Muhammad dá uma lição de responsabilidade como um valor do islam em diferentes patamares da sociedade. O hadice afirma o seguinte: “Todos vocês são pastores e todos são responsáveis pelo o que pastam. O marido é o pastor de sua família e cuida dela. A mulher é pastora de sua casa e toma conta dela. Um servidor é responsável pelo serviço que lhe é confiado. Um governador é o pastor do povo que rege e é responsável por este.” 

 

Muitos fazem a definição da palavra religião referindo-se ao verbo religare em grego que por sua vez significa religação. Porém, esta é apenas uma das definições deste termo que no ocidente significou sistema de crença ou simplesmente crença. A mais antiga definição que temos hoje é a que o jurista romano Tulius Cícero fez em seu livro De Natura Deorum. Ele define a origem etimológica do termo religio referindo-se ao verbo relegere em latim, que tem por significado “releitura” em português. O mesmo autor define religio como um sistema de culto aos deuses abrindo espaço mais para o sentido funcional do termo. Outra definição é feita por Sto. Agostinho como religere fazendo referência a uma reeleição, principalmente do povo judeu. Em outros sentidos, a religião possui definições funcionais como “compensação, integração, legitimação” etc. O termo, religião é um termo que, muitas vezes, não corresponde exatamente àquilo que as tradições espirituais querem transmitir. Para isso, como um amigo monge budista havia falado certa vez, prefere-se dizer que tais tradições são estilos de vida. 

O islam também diverge deste termo ocidental que foi usado pelo colonialismo para que o colonizador pudesse tratar o estilo de vida do colonizado através de um termo. Como vimos acima, o termo religião tem por significado apenas aquilo que interessa ao universo sagrado ou espiritual. Porém, o islam abrange todas as dimensões da vida humana e não se limita apenas ao universo espiritual ou religioso. Portanto, existem valores sociais, normas de vida que servem de facilitação para a vida do crente em um ambiente social grandioso. Por isso existe, por exemplo, a equivocadamente chamada “lei islâmica de sharia”, embora a sharia não seja apenas um conjunto de códigos canônicos. 

Dentre as dimensões da vida humana que o islam abrange, existe também a questão da governança partindo do princípio de como o pai de uma família deve ser e se comportar até um governador. O hadice do profeta Muhammad que foi supracitado é uma das bases na definição de valores governamentais de uma sociedade islâmica. Segundo estes valores, um governador não é nada além de um pastor ou um pai de uma família maior que tem responsabilidade para com aqueles que eles governam. Seguindo esta linha, o califa Umar ibnu al-Khattab (regeu o Califado Islâmico entre 634 e 644, e foi o segundo califa do Islam) entristeceu e se queixou quando foi informado que as fronteiras do estado que ele governava se expandiram ao Iraque e afirmou que seria ele o responsável por uma ovelha que for capturada por um lado em algum canto do país. 

Hoje em dia toda a humanidade está frente a uma pandemia que já levou mais de 300 mil vidas. Cabe aos governadores, independentemente de religião ou não-religiosidade que sigam, estarem elaborando táticas de superar esta crise de saúde para facilitar a vida daqueles que confiaram os cargos mais altos de seus países a eles. A vida humana deve sobressair a qualquer preocupação econômica. 

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