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Grupo de espíritas progressistas prepara encontro e abre oportunidade para discussões sobre as relações entre espiritismo e política

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Com colaboração de Sergio Mauricio

“Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente; quem dera foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca.” Apocalipse 3:15,16

Na última semana, uma matéria publicada pela revista Veja (que inclusive nos procurou gentilmente para darmos uma entrevista e declinamos do convite) intitulada “Médium de direita, Divaldo Franco ganha o segundo filme”, trouxe à tona, novamente, uma discussão que se acirrou a partir do golpe político-jurídico-midiático que destituiu a presidenta da República Dilma Rousseff: pode o espírita debater sobre questões político-partidárias?

Não só pode, como deve, por que não estamos alheios às questões sociais do País. Mas não podemos confundir, em hipótese alguma, “a reação do oprimido com a violência do opressor”, como afirmou o defensor dos direitos dos afro-americanos, Malcolm X.

O problema, para nós, é quando espíritas de alta plumagem, travestidos de uma pseudoimparcialidade que sabemos não existir, utilizam-se de seu prestígio vaidoso para apoiar ideias que não têm absolutamente nada a ver com os princípios defendidos por Kardec e muito menos com os ensinamentos do Cristo.

Como repetia Allan Kardec em “Obras póstumas”: “Liberdade, igualdade, fraternidade. Estas três palavras constituem o programa de toda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da humanidade, se os princípios que elas exprimem pudessem receber integral aplicação”.

Em tempos de polarização, é preciso tomar partido, descer do muro, sair do armário e se posicionar contra todo tipo de intolerância e violência. Seja contra quem for.

Para nós, a saída é coletiva, com Cristo, Kardec e pela esquerda!

Em meados de 2016, o ano que ficou marcado pelo golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, os grupos espíritas fervilhavam, como o restante do País, com as posições políticas opostas de seus participantes. A convivência fraterna, tão característica desses grupos físicos e virtuais, foi, pouco a pouco, sendo corroída pelos diferentes olhares políticos. E tudo isso se iniciou naquele já histórico junho de 2013, passando pela polarização extremada da campanha das eleições de 2014, pelo difícil ano político e econômico de 2015 e, finalmente, desaguando na mobilização golpista de 2016.

Não foi fácil para as relações familiares e sociais resistirem a tantas intempéries de caráter político, e os grupos espíritas também sucumbiram a esse vendaval.

Foi assim, nesse contexto de encontros e desencontros, que em março de 2016 um grupo de amigos espíritas de posições políticas progressistas, incomodados com a falta de liberdade e democracia presente nas suas casas espíritas, resolveu criar um espaço virtual para diálogos e debates sobre política e suas relações com as propostas espíritas. À época, foram criados um grupo de debates no aplicativo WhatsApp e uma página no Facebook, ambos chamados “Espíritas à esquerda”, para expor à comunidade espírita suas reflexões sobre política e espiritismo.

O grupo foi crescendo e agregando novos membros. Espíritas de todo o País vinham à página expressar seu contentamento com esse tipo de posição progressista e passaram também a divulgar cada vez mais as análises espíritas e os posicionamentos políticos da página. Ao mesmo tempo que muitos declaravam sua decepção com a posição dos dirigentes espíritas espalhados pelo território nacional, dirigentes que defendiam abertamente posições políticas e sociais que afrontavam as propostas espíritas de amor e fraternidade. Grupos e páginas progressistas como essa se espalharam pelo País e pelo mundo.

A campanha eleitoral de 2018 foi um ponto de inflexão definitivo. Ela dividiu o País e, em particular, os espíritas, tornando a relação entre os desiguais quase inviável. De um lado ficaram os espíritas tradicionais, ladeados inclusive por nomes famosos nacionalmente, defendendo a LGBTfobia, o racismo, a pena de morte, a misoginia, a tortura e a necropolítica. Do outro lado ficaram os espíritas progressistas, que propagavam, baseados nos textos kardecistas e nos ensinos de Jesus, a mensagem da justiça social, da aceitação das diferenças e da igualdade de oportunidades.

Durante esses mais de três anos, os espíritas progressistas que foram unindo-se aos grupos virtuais (Espiritismo e Direitos Humanos, ABPE, Abrepaz, entre outros) demandaram continuamente um momento de reflexão conjunta e de encontro físico para estreitar as relações que se formavam. Foi assim que, durante esse ano de 2019, o grupo decidiu construir um momento de encontro fraterno entre esses espíritas progressistas, aproveitando a oportunidade para a necessária discussão acerca das relações entre espiritismo e política.

Planejamos e executamos nosso projeto que passou a se chamar “I Encontro Nacional Espíritas à Esquerda”. A primeira e difícil decisão foi escolher a cidade que acolheria tal evento, e decidimos que uma capital nordestina, pela óbvia empatia política com o pensamento progressista, seria o local mais adequado. A primeira capital do Brasil foi então escolhida como a primeira a nos receber, e nela contamos com o importante apoio do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente no Estado da Bahia (Sindae-BA), que nos cedeu o seu auditório para esse momento. A partir daí, apresentamos nossa proposta a diversos nomes que hoje bem representam o espiritismo progressista no Brasil. E, com a boa receptividade encontrada nessas pessoas, elaboramos uma programação de ótima qualidade para discutir a situação política atual do País à luz do espiritismo.

O evento, que ocorrerá no próximo dia 26 de outubro, iniciará com uma análise da conjuntura política nacional, feita pela reitora da Universidade Federal do Sul da Bahia, a geóloga Joana Angélica da Luz, e pelo ex-presidente da Petrobras nos governos Lula e Dilma, o economista José Sérgio Gabrielli. Após esse primeiro momento, acontecerão três mesas de debates, chamadas de mesas girantes (em alusão os primeiros estudos de Kardec), que terão como tema capítulos da terceira parte de “O livro dos espíritos” de Allan Kardec, a saber: trabalho, sociedade e igualdade.

A mesa sobre trabalho contará com a presença do ex-ministro da saúde do governo Dilma, o médico Arthur Chioro dos Reis, do ex-ministro da Previdência dos governos Lula e Dilma, o contador Carlos Gabas, e do ex-ministro do Trabalho do governo Dilma, o sociólogo Miguel Rossetto. A segunda mesa, que trata sobre a sociedade, trará as falas da socióloga Ana Cláudia Laurindo, do jornalista e professor Luiz Signates e do engenheiro e filósofo Sergio Mauricio. A última mesa, sobre igualdade, terá o psicólogo Franklin Félix, militante dos direitos humanos, e com a médica veterinária e terapeuta Isabel Guimarães, militante feminista.

A partir da experiência adquirida nesse primeiro evento de caráter nacional, em que contamos com a presença de palestrantes de várias cidades e estados, temos a ambição de espalhar essa ideia para outras localidades, organizando novos encontros para aproximação e organização dos espíritas progressistas do Brasil. Esperamos que esse seja o primeiro de muitos outros que se seguirão.

Como disse o pastor Martin Luther King no livro “Os grandes líderes”: “Não há nada mais trágico neste mundo do que saber o que é certo e não o fazer. Não posso ficar no meio de todas essas maldades sem tomar uma atitude”.

Para saber mais sobre o evento, acesse a página encontro no Facebook.

Sergio Mauricio é engenheiro, filósofo e um dos idealizadores do encontro de espíritas à esquerda

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