Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

Religião e política: é hora de superar equívocos e desinformação

Entre erros circulantes em diferentes mídias, está a confusão entre as noções de Frente Parlamentar e Bancada

Foto: Carolina Antunes/PR Bolsonaro cerimônia de Celebração de 40 anos da Igreja Internacional da Graça de Deus (Foto: Carolina Antunes/PR)
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“Nunca na história deste País” se falou e escreveu tanto sobre a relação entre religião e política. Afinal, “Deus” está no slogan do Poder Executivo desde 2019: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, frase exaustivamente repetida pelo presidente Jair Bolsonaro em seus discursos e propagada por seus apoiadores.

Soma-se à emersão de procuradores e juízes do Poder Judiciário identificados com a fé cristã, que fazem uso até mesmo de versículos da Bíblia em sentenças ou palestrando em igrejas sobre investigações em curso.

Sem contar a trajetória de mais de trinta anos da existência de uma “bancada evangélica” no Congresso Nacional, cuja ação foi potencializada durante a presidência de Eduardo Cunha (MDB/RJ) na Câmara dos Deputados, por conta da ênfase em pautas da moralidade sexual e defesa da “família tradicional”.

Com todo o protagonismo cristão evangélico na política do Brasil, não é possível desconsiderar o lugar do Catolicismo e sua influência nas pautas públicas por séculos. Muito menos se pode descartar a presença das religiões de matriz africana no espaço público e sua demanda por liberdade religiosa, de superação da intolerância e por direitos da população afrodescendente.

Nos tantos textos falados e escritos sobre o tema, verifica-se que ainda há muita incompreensão, provocada pelo desconhecimento da história e das dinâmicas que envolvem religiões no país, e, também, por imaginários e preconceitos. Tudo isto acaba por promover desinformação.

Entre equívocos e desinformação circulantes em diferentes mídias, estão a confusão entre as noções de Frente Parlamentar e Bancada, os desencontros sobre a composição de uma Bancada Religiosa também chamada “Bancada da Bíblia”, as listas duvidosas de integrantes da chamada Bancada Evangélica, a imagem incorreta de que neopentecostais ocuparam o governo federal e a restrição das análises em torno de religião e política ao segmento cristão evangélico com desconsideração às movimentações de lideranças católicas nos três poderes e das articulações das comunidades tradicionais de matriz africana.

É possível ainda verificar a circulação de certo senso comum sobre o tema, com a recorrente identificação de evangélicos como sinônimo de neopentecostais ou de cristãos como sinônimo de evangélicos.

No contexto atual em que o tema do estado laico volta à tona, com interpretações de que ele está colocado em xeque por conta da ênfase religiosa de viés cristão fundamentalista que ganhou espaço os três poderes da República, é necessária atenção contínua para se compreender as complexas dinâmicas da religião na política, sua complexidade e organicidade.

O Instituto de Estudos da Religião (ISER), que há cinco décadas reúne pesquisas sobre religião, lançou, neste 23 de outubro, uma plataforma online para acesso público, “Religião e Poder”, onde apresenta dados, análises e reportagens estruturadas sobre o tema.

Entre os destaques desta primeira etapa de apresentação da plataforma está um retrato das três frentes parlamentares com identidade religiosa, construído em parceria com a Gênero e Número – organização que atua na interseção entre jornalismo de dados e pesquisa.

A partir dos dados levantados, a plataforma mostra, por exemplo, que 203 parlamentares registrados na Frente Parlamentar Evangélica (FPE, 195 deputados/as federais e 08 senadores/as), 93 se declaram evangélicos, o que representa 46% dos signatários desta frente, que tem raízes no Congresso Constituinte, em 1987. O que leva, então, os outros 54% a se identificarem com esta articulação? Quem acessa “Religião e Poder” vai compreender por que nem todos os parlamentares que apoiam a formação de uma frente com identidade religiosa no Congresso são vinculados àquela religião enfatizada.

É o que se pode verificar em relação à Frente Parlamentar Católica, estabelecida em 2015, na trilha da FPE, e conta com 216 parlamentares (207 deputados e 09 senadores) signatários. Desses, 140 (67%) mantêm vínculos com o catolicismo. Já a Frente Parlamentar de Defesa dos Povos de Matriz Africana (FPMA), estabelecida em 2011, ainda antes da frente católica, se apresenta na atual legislatura como a maior das frentes com identidade religiosa, com 218 signatários. Entretanto, não é a mais influente ou articulada nos debates no Congresso. Chama a atenção o fato de os signatários desta frente não declararem pertencimento a religiões de matriz africana.

As Frentes são destaques nesta pesquisa, mas a religião como força política deve ser considerada a partir da constatação de que apenas 24% do Parlamento não é signatário de alguma frente religiosa. Por isso, as equipes de pesquisa e de apuração de “Religião e Poder” trabalham a partir de dois prismas. No primeiro, observam a atuação das Frentes Parlamentares com identidade religiosa, buscando verificar a relevância e o peso dessa que é uma entre tantas formas de articulação de deputados e senadores que atuam no Congresso. Paralelamente, também consideram as movimentações das “bancadas informais”, articulações relacionadas a essas frentes, o que possibilitou identificar “agentes de influência” entre parlamentares, cujo perfil está exposto na plataforma.

A pesquisa, que tem como ponto de partida este retrato do Congresso, vai se estender aos outros poderes. Há, ainda, investigação em andamento sobre as eleições municipais de 2020, que busca entender como as articulações religiosas impulsionam as candidaturas ao Poder Legislativo municipal, inclusive entre a vertente cristã de cunho mais progressista, com o Movimento pela Bancada Evangélica Popular.

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