Diálogos da Fé

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Diálogos da Fé

Quaresma: Tempo de rever projetos de vida!

É um chamado à revisão da vida para pessoas religiosas, mas também uma inspiração para as que não são

Foto: istock
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Hoje, Quarta-Feira de Cinzas, tem início o tempo da Quaresma. Ela é parte do calendário litúrgico cristão, uma tradição que vem dos primeiros séculos da era cristã, que representa uma forma celebrativa e didática de viver a fé. A história de Jesus é contada durante o ano, por meio de dois ciclos festivos ou extraordinários, Natal e Páscoa e dois tempos comuns entre eles.

A Quaresma são os quarenta dias que antecedem o domingo da Páscoa, que abrem o Ciclo Pascal do Calendário, após o primeiro Ciclo Comum. Esses dias procuram recuperar o sentido do número 40 registrado nos textos sagrados. 

Como escrevi há poucos dias neste espaço, são muitas as referências ao número 40 nas narrativas da Bíblia cristã. Da conhecida história do dilúvio (os 40 dias em que a terra ficou sob águas), passando pelo tempo do êxodo do povo hebreu no deserto, do Egito à Terra Prometida (40 anos), ao número de dias que Jesus passou no deserto antes de iniciar sua intensa vida pública (40 dias), o número indica não um tempo cronológico exato, mas um momento vivido na sua completude, que, frequentemente, marca a realização de um tempo significativo de decisões e mudanças.

De acordo com a cultura e visão do mundo dos povos do Oriente Médio,o número se refere a um momento vivido na sua completude, que, frequentemente, marca a realização de um tempo significativo de decisões e mudanças.

É por isso que, no contexto cristão, um dos textos mais importantes para reflexão durante a Quaresma é a narrativa sobre Jesus no deserto, conhecida como “As três tentações de Cristo”. O texto conta que, antes de começar sua vida pública, tendo se retirado para o deserto, para um momento de preparação, de mudança, Jesus foi tentado três vezes pelo diabo. As três tentações representavam desafios e, se respondidos como sugerido pelo diabo (do grego diabolos, caluniador, opositor, criador de confusão e divisão), dariam novo rumo às ações do Nazareno. Tornaram-se, então, importante momento de decisão. Eram elas: (i) transformar pedras em pães, (ii) receber autoridade e poder sobre todos os reinos do mundo [no caso, sobre o Império Romano que os dominava], (iii) subir ao ponto mais alto do Templo de Jerusalém e se jogar para que anjos o amparassem. 

Nada relacionado aos prazeres do corpo (da carne), base da moralidade religiosa, que tanto apelo exerce em círculos cristãos, em especial para reprimir e oprimir as mulheres. As tentações de Jesus passam mesmo é pelas propostas da parte do adversário (o diabo) dos projetos de vida e de ação de Jesus – o Evangelho do amor, da misericórdia, da solidariedade, da tolerância, do despojamento.

Primeiramente, a proposta de ele transformar pedras em pães, em um mundo de famintos, a fim de atrair consumidores de religião sem conteúdo, interessados em uma imediata satisfação material, tornando oculta a necessidade de justiça social na busca pelo “pão”. 

Também, a oferta de autoridade e poder sobre os reinos do mundo [naquele momento o Império Romano], mantendo-se na lógica da dominação, da violência e da exploração, própria dos Impérios. 

E, por fim, se jogar do ponto mais alto do templo para ser amparado por anjos, oferecendo um grande show da fé, e atrair e distrair multidões, mais uma vez, com uma religião sem conteúdo e sem vínculo com a vida plena para todas as pessoas.  

Segundo os Evangelhos, Jesus disse “não” a tudo isto, em nome de seu compromisso radical com seu projeto de vida e de ação, o Evangelho. 

A Quaresma é um tempo em que cristãos são chamados a se recordarem dessas tentações, se inspirarem no compromisso radical de Jesus e sua fidelidade e coerência com ele. Com isso, são instados a se arrependerem de práticas e ações que os aproximam mais das propostas diabólicas e os distanciam do Evangelho e mudarem de rumo.

Estou no grupo dos poucos evangélicos que tiveram chance de aprender e valorizar esse período como uma oportunidade de revisão da vida. Digo isto por causa da teologia e do jeito de cultuar e de ser que as igrejas protestantes (evangélicas) construíram no Brasil. Essa cultura religiosa faz com que a grande maioria dos fiéis desse segmento desconsidere o calendário cristão e seus ensinamentos, compreendendo-o como propriedade do Catolicismo Romano. 

Não é preciso muito esforço para se avaliar que, de fato, a Quaresma é desvalorizada, porque ela não cabe no discurso e ações de lideranças religiosas que dizem “sim” às propostas-tentações de religião de sucesso, de assistencialismo que enfatiza apenas o material como elemento atraente de público, do espetáculo e de sede poder eclesiástico e político partidário. 

Por isso, mais do que nunca, a Quaresma, é um desafio e uma oportunidade de arrependimento e mudança. Em especial, no contexto de insegurança pública, econômica, ambiental e sanitária que vivemos no Brasil, agravada pela falta de paz e de justiça dos projetos poder econômico-políticos, expressas no armamentismo e no mundo em guerras.

É um chamado à revisão da vida para pessoas religiosas, mas também uma inspiração para as que não são: a partir da atitude coerente assumida por Jesus, tomar este período para ser vivido na sua completude. Um momento para reflexão, decisões e mudanças. Tempo de reafirmar projetos de vida ou de revê-los, mas com um sentido profundo: se opor às tentações, rejeitando aquilo que represente uma vida superficial e sem conteúdo, que comprometa a paz com justiça, nossa autenticidade e dignidade.

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