Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

Precisamos falar sobre fundamentalismo

É necessário diferenciar a defesa de doutrinas e princípios do fanatismo, religioso ou político

O fundamentalismo às vezes se confunde com fanatismo
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Quem acompanha o noticiário, o ambiente das mídias digitais e/ou tem acesso a estudos sobre o lugar das religiões na esfera pública, certamente esbarrou nas palavras “fundamentalismo” e “fundamentalista”. Desde 11 de setembro de 2001, os meios de comunicação consolidaram estes termos como classificações do islamismo e suas expressões políticas, o que foi reforçado com as ações do Estado Islâmico.

No Brasil dos anos 2010, “fundamentalista” tornou-se também o rótulo de grupos e líderes evangélicos que passaram a se destacar na política nacional com a defesa de pautas conservadoras (contra direitos sexuais e reprodutivos, pela “família tradicional”). Alguns passaram até mesmo a usar o termo como sinônimo da fé evangélica, um equívoco originado e provocador de intolerância na forma de preconceito e gerador de mais conflitos. 

Por isso é importante que haja espaços midiáticos alternativos como este de CartaCapital para a busca da superação do que acaba um resultado de desconhecimento ou má-fé. Uma das raízes da intolerância, em qualquer de suas formas, é a ignorância, propagada pela mera repetição de conteúdos sem embasamento e sem reflexão.

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Fundamentalismo não é sinônimo de terrorismo, muito menos de fé dos muçulmanos ou dos evangélicos. O termo surgiu na passagem do século XIX para o XX, nos Estados Unidos, como expressão de um movimento teológico protestante conservador de reação à modernidade, ao liberalismo na teologia e à ciência. Teólogos e líderes protestantes do movimento produziram, ao longo da segunda década do século XX, uma coletânea de 12 volumes intitulada “Os Fundamentos: um testemunho para a Verdade”, resultante de debates e conferências.

A palavra “fundamentalista” foi usada pela primeira vez neste contexto em 1920 por um editor ligado à Igreja Batista, Curtis Lee Laws, para expressar essa coalizão de protestantes conservadores ativistas.

Ser “fundamentalista” significava lutar pelos fundamentos da fé cristã negados pelos religiosos e teólogos liberais que dialogavam com a ciência e eram abertos às mudanças sociais pautadas pela justiça e pela paz. Eles eram, em síntese: a absoluta inerrância da Bíblia em seu texto literal (contra a contextualização introduzida pela teologia liberal em diálogo com a história e a arqueologia), o caráter divino de Jesus nascido de uma virgem e a crença literal de seus milagres (contra a dimensão do Jesus humano e histórico desenvolvida pela teologia moderna), a crença no Juízo Final pela segunda vinda imediata de Cristo.

E aqui entramos em outro aspecto a ser considerado nesta conversa. O apego e a defesa muita rígida de fundamentos, interpretados como verdades absolutas que desconsideram a existência de diferentes perspectivas e contextos, estão a um passo do sectarismo, do extremismo e do fanatismo.

E isto ocorreu entre fundamentalistas estadunidenses no século XX. A oposição radical do movimento fundamentalista ao movimento ecumênico, promotor do diálogo e das ações conjuntas entre cristãos e com outras expressões religiosas, é um forte exemplo, tema para outro artigo neste espaço.

Ou seja, o fundamentalismo pode levar a extremismos e ao fanatismo.

Fanatismo é a devoção a uma causa ao extremo, com base na certeza absoluta e incontestável que o devoto tem a respeito de suas verdades. O fanático é detentor de uma verdade que lhe foi revelada por uma divindade ou por um líder (portanto, não uma verdade qualquer, mas “A” verdade).

O perigo é que ele não age com a razão quando defrontado com posições diferentes ou questionamentos daquilo que defende. Fanatismo é marcado por autoritarismo e ação passional, frequentemente agressiva. Isto leva indivíduos ou grupos a praticarem atos violentos contra outros (negando sua liberdade, atentando contra direitos e até contra a vida).

Cabe então dizer que defender os fundamentos daquilo em que se acredita é próprio de muitos grupos, sejam eles religiosos ou não. Os fundamentalistas estadunidenses do início do século XX, assim se autodenominaram para expressarem o movimento de defesa de sua compreensão da fé cristã.

Outros grupos dentro e fora das religiões fazem o mesmo, mas não se denominam desta forma. Por isso podemos dizer que há fundamentalismos diversos: evangélico/protestante, católico, islâmico, judaico, budista, marxista, neoliberal, da direita, da esquerda, outros tantos. Em um campo de disputas e em um debate de ideias, o apego a fundamentos se justifica. O que carece ser questionado é a radicalização destas posturas que leva a extremismos, ao fanatismo e isto não é exclusividade de religiosos.

Neste tempo difícil em que vivemos, é preciso saber diferenciar a defesa de doutrinas e de princípios religiosos ou políticos, conservadores ou não, que permeiam diferentes campos de debate, de ações extremistas, fanáticas, física e/ou verbalmente violentas. Com isto podemos praticar justiça também quando somos levados a rotular indivíduos e suas ações.

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