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Pastor presbiteriano assume Ministério da Justiça: o que isso significa?

Ao nomear um pastor evangélico para a vaga, o ex-capitão busca recuperar a credibilidade arranhada com o segmento

André Mendonça, o novo Ministro da Justiça. Foto: Câmara dos Deputados
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A nomeação do ministro da Advocacia Geral da União (AGU), André Mendonça, como novo ministro da Justiça e Segurança Pública foi uma conciliação para amenizar a crise em torno da insistência do presidente Jair Bolsonaro em nomear Alexandre Ramagem, pessoa de sua intimidade, para a Polícia Federal, que investiga seus filhos e agora a ele próprio.

Mendonça é nome bem aceito no governo por se apresentar como profissional e técnico, o que o leva a também ser aceito no estratégico STF, com quem tem trânsito desde que assumiu a AGU, em janeiro de 2019. O agora novo ministro da Justiça, aliás, tem relação bem próxima com o presidente Dias Toffoli, sobre quem escreveu um livro-homenagem em coautoria com outro ministro do STF, Alexandre de Moraes. 

Além de ser parte da fraternidade que sustenta o governo Bolsonaro, André Mendonça também será usado agora como tentativa de superação do prejuízo na credibilidade do presidente da República, muito especialmente entre evangélicos apoiadores do governo, afinal o ministro é um pastor da Igreja Presbiteriana.

Mesmo sendo segmento privilegiado nas relações do governo Bolsonaro, vários grupos e lideranças evangélicas se colocaram bastante críticos à demissão de Sérgio Moro. Ao nomear um pastor evangélico para a vaga, o ex-capitão busca recuperar a credibilidade arranhada com o setor, que permanece entre os poucos com representatividade no espaço público a manter apoio ao governo.

Ademais, André Mendonça não somente tem a credencial de pastor evangélico, mas é pastor auxiliar de uma igreja protestante histórica, a Igreja Presbiteriana Esperança, em Brasília. Nesse caso, o governo Bolsonaro não pode ser acusado de dar espaço a “neopentecostais exploradores da fé” ou a “fanáticos religiosos” (por sinal, todos os evangélicos que ocupam espaço nos cargos do primeiro e do segundo escalões são do ramo protestante não-pentecostal). 

A atuação de André Mendonça na AGU e a fidelidade às pautas do governo tornou-o uma pessoa de confiança de Jair Bolsonaro, a ponto dele estar sendo cotado, desde 2019, para a vaga de ministro do STF, superando inclusive o nome do então ministro da Justiça, Sergio Moro. O ex-capitão chegou a pronunciar que seu primeiro ministro do STF será “terrivelmente evangélico”.

Aliás, ser “terrivelmente evangélico” significa, na cartilha bolsonarista, defender a pauta ultraconservadora de costumes, diga-se o controle da sexualidade dos cidadãos e cidadãs, e a garantia de que a única ideologia a ser defendida no espaço público é a da direita política. 

A primeira intervenção de André Mendonça como advogado-geral da União no STF deu-se no processo em que o plenário da instituição deveria decidir se o Congresso Nacional tem sido omisso ao deixar de legislar sobre a criminalização da homofobia e da transfobia. 

Mendonça defendeu, na ocasião, que houvesse exclusividade ao Congresso Nacional para tomar decisão a respeito da criminalização ou não da homofobia (o que se arrasta há décadas, diga-se, diante dos muitos impedimentos promovidos pelas Bancadas Evangélica e Católica). O então ministro da AGU foi voto vencido, por 8 a 3, e o Supremo decidiu enquadrar a homofobia e a transfobia na lei dos crimes de racismo até que o Congresso aprove uma legislação sobre o tema.

Nas várias ações contra Bolsonaro e seus filhos no STF, André Mendonça assume o discurso que as acusações são pautas midiáticas. Durante a crise da pandemia do coronavírus, o governo Bolsonaro foi contestado no STF pelo Ministério Público (MP) com liminar contra a campanha pelo fim do isolamento social e pela divulgação de postagens e hashtags com os dizeres “O Brasil Não Pode Parar”.

André Mendonça afirmou que a campanha denunciada pelos procuradores não existiu, e que os materiais divulgados eram “elementos isolados”. No julgamento da liminar, o STF proibiu o governo de divulgar qualquer campanha que minimizasse a gravidade da pandemia ou que pregasse o retorno à rotina normal.

Já quando Mendonça usou um critério técnico para se posicionar pela inconstitucionalidade de lei municipal em Londrina que proibia a chamada “ideologia de gênero” de ser tratada nas escolas, em processo no STF, foi atacado por deputados e milícias digitais bolsonaristas. Defendeu-se no Twitter: “Deputado, nunca defendi a ideologia de gênero. A AGU defende a competência legislativa da União para tratar de educação e ensino, como determina a Constituição”.

O que tudo isso significa?! O fato de André Mendonça assumir o Ministério da Justiça, sabendo que comandará a Polícia Federal, cujo diretor pode vir a ser o amigo do Presidente da República, coloca seu nome em posição de desconfiança. Como um jurista, pastor presbiteriano, conduzirá a polícia que investiga a família Bolsonaro e investigará o próprio presidente? Só o tempo dirá. 

O que nós, cidadãos e cidadãs, sabemos é que quem preza pela justiça com paz e pela ética não tem boas expectativas ou muita esperança quando se trata de lideranças relacionadas ao governo Bolsonaro. As sucessivas crises, os escândalos e as muitas injustiças, corroboram isto, coisas que André Mendonça acompanha bem de perto.

Os cristãos que leem a Bíblia com as lentes da Justiça aprendem que Jesus fala sobre a justiça de Deus como diferente e superior à “justiça dos homens” (parcial e injusta). Foi nestas bases que Jesus contou a história de como uma viúva pobre confrontou um juiz iníquo (sim, juristas iníquos são coisa antiga!) e venceu sua causa, com base na resistência. Com isto, nos ensina a insistirmos no cumprimento da Justiça, confrontando quem tem poder sobre ela e a nega, para alcançarmos o que é direito.

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