Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

O que Flordelis, Padre Robson e João de Deus têm em comum?

O problema não está em ser religioso/a, mas mau-caráter e usar a fé para extorquir, violentar, matar, oprimir e roubar

A pastora Flordelis, o Padre Robson e o médium João de Deus.
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Não, caro/a leitor/a, nem todos/as os/as religiosos/as são iguais e, inclusive, nós já compartilhamos nesta coluna inúmeras iniciativas de religiosas e religiosos que lutam por uma sociedade mais amorosa, harmoniosa e feliz.

Vivemos dias tristes. E o Brasil vem atravessando um longo período de retrocessos, avanços dos fundamentalismos e violações de direitos. Brasileiros/as estão com ânimos exaltados, tanto nas redes sociais, como fora delas, e por conta – também – disso, esses espaços estão repletos de generalizações carregadas de desprezo e ódio.

Generalizar é sempre um mecanismo injusto e reducionista porque nos nivela por baixo, com o que há de pior e mais repugnante nas comunidades de fé. Generalizações doem.

Quantas pessoas religiosas que vocês conhecem e que são justas, corretas e de boa índole? Aposto que são muito mais do que esses falsos profetas, mercadores da fé, que tomam os noticiários.

Com relação a isso, o próprio Cristo – exemplo para nós cristãos – nos advertiu sobre a necessidade de separar o joio do trigo.

Deixem que cresçam juntos até à colheita. Então direi aos encarregados da colheita: juntem primeiro o joio e amarrem-no em feixes para ser queimado; depois juntem o trigo e guardem-no no meu celeiro’  [Mateus 13:30]

Também acho bem controverso quando lideranças religiosas se envolvem em algum escândalo e seus apoiadores, que sempre estiveram ao seu lado, correm para dizer que aquela pessoa não representa a sua religião. Representa sim! E temos que olhar para esses maus religiosos com seriedade e responsabilidade.

Está sendo assim com o padre Robson e com a pastora Flordelis e assim também foi com o médium João Teixeira de Faria, popularmente conhecido como João de “deus”. Quando vieram à tona seus crimes, parte do movimento espírita disse que ele não era espírita. É sim! Divulgou o espiritismo internacionalmente, publicou livros por instituições espíritas, era adorado por parte dos espíritas.

João Teixeira de Faria escancara o que muitos de nós vínhamos a denunciar: a idolatria, a gurutização e a fé irracional que alguns adeptos do espiritismo têm praticado.

As revelações – muitas feitas pelos/as próprios/as filhos/as adotivos/as – sobre a pastora e deputada federal Flordelis no assassinato de seu marido trouxeram à tona outros crimes, e logo surgiram memes, “análises” e piadas comparando com outra história – noticiada na mesma semana -, a do Padre Robson.

O padre Robson de Oliveira, investigado por suspeita de desvio de 120 milhões de reais de doações dos fiéis, é o idealizador da construção da Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade, GO, que foi orçada em 1,4 bilhão. Só o sino, importado da Polônia, custou 6 milhões de reais. A obra começou em 2012, mas ainda não saiu dos alicerces. Tal obra é administrada pela AFIPE (Associação dos Filhos do Divino Pai Eterno) cujo presidente é o padre. Outras três AFIPEs foram criadas, e a suspeita do Ministério Público é de que existe um esquema bilionário de lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito uma vez que as associações compraram inúmeros imóveis, dentre os quais uma fazenda de 100 milhões de reais, avião, casa em condomínio fechado, casa na praia, etc. Quatro crimes estão sendo investigados: apropriação indébita, lavagem de dinheiro, falsificação de documentos e organização criminosa.

Todas as pessoas – religiosas ou não – com o mínimo de ética, se chocam com esse uso da fé e da religião para enganar e cometer ilícitos.

Mas o que a pastora, o médium e o padre têm em comum?

Em comum: os crimes envolvendo religião, poder, dinheiro, sexo, corrupção e crueldade, muita crueldade.

O problema não está em ser religioso/a, mas em ser mau-caráter e usar a fé para extorquir, violentar, matar, oprimir e roubar.

Esses indivíduos, segundo as próprias vítimas, são portadores de um egocentrismo exacerbado, que leva a uma desconsideração em relação aos sentimentos e opiniões dos outros.

Geralmente não têm apego aos valores morais (embora vivam deles) e são capazes de simular sentimentos para conseguir manipular os outros. Além disso, sua incapacidade de controlar as emoções negativas e seus impulsos tornam muito difícil estabelecer um relacionamento estável.

Vocês imaginaram o que estaria acontecendo se Flordelis, Robson ou João fossem de religiões de matriz africana em um país racista e intolerante como o nosso?

Todas as ações criminosas, todas as violações de direitos humanos e todo mau uso da religião devem ser combatidos com veemência. Em especial as cometidas nos espaços sagrados, usando da fé, da fragilidade espiritual, da confiança e da posição social para oprimir, silenciar, violentar, humilhar, excluir, estigmatizar e matar.

“É hora de parar”, segundo a amiga e pastora Lusmarina Campos, que ainda acrescenta: “As igrejas cristãs precisam fazer uma auto-crítica profunda se quiserem sarar; precisam se repensar a partir de um diálogo franco e aberto com as mulheres, com a comunidade lgbtqi, com pessoas especiais, com negras e negros, com indígenas. O que precisamos é de um cristianismo libertário, que tome como modelo a figura do Jesus profético, e que não se deixe moldar pelo capitalismo financista, mas sim pela solidariedade e pelo compromisso com a construção de uma sociedade e uma humanidade mais justa, igualitária, acolhedora das diferenças e pacífica.”

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