Diálogos da Fé

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O 1º de maio e o Deus que toma partido

Escritos bíblicos antigos, assim como lideranças religiosas contemporâneas, sempre condenaram a exploração dos trabalhadores

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Neste 2018, o Dia do Trabalhador e da Trabalhadora foi precedido por terríveis notícias no Brasil: o índice de desemprego é de 13,1%, crescendo desde maio do ano passado. E mais: o número de trabalhadores com carteira assinada, sem contar os domésticos, teve uma queda de 1,2% em relação ao trimestre anterior.

O quadro pós-reforma trabalhista é um golpe desalentador para os trabalhadores, pois representa a confirmação das previsões de que é fonte de mais exploração e uma grande concessão ao capital e sua sede de lucro. Há muito desânimo e desalento.

A opressão de quem trabalha com a conivência de governantes é uma prática que atravessa épocas e culturas. É parte das relações humanas que passam por injustiças e iniquidades praticadas por quem detém poder econômico, político e simbólico baseado na exploração do outro.

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É dentro deste contexto histórico que a fé cristã se baseia em escritos antigos como a Bíblia que denunciam a exploração e a injustiça contra trabalhadores e colocam Deus ao lado dos explorados, exigindo a prática da justiça da parte dos patrões e dos governantes. Muitas vezes são os próprios religiosos cobrados por compactuarem com estes poderes abusivos. Eis alguns textos inspiradores até os nossos dias:

Das leis antigas

“Não explore, nem roube os outros. Não segure até o dia seguinte o pagamento do trabalhador diarista”. (Levítico 19.13).

“Não oprimas o assalariado pobre e necessitado, seja ele teu irmão ou estrangeiro que está na tua terra e na tua cidade. No seu dia, lhe darás o seu salário, antes do pôr-do-sol, porquanto é pobre, e disso depende a sua vida; para que não clame contra ti ao Senhor, e haja em ti pecado”. (Deuteronômio 24.14-15)

Dos profetas

“Ai daquele que edifica a sua casa com injustiça e os seus aposentos, sem direito! Que se vale do serviço dos outros, sem paga, e não lhe dá o salário”. (Jeremias 22.13)

“O Senhor Todo-Poderoso diz ao seu povo: ‘Eu virei julgá-los. E darei sem demora o meu testemunho contra todos os que não me respeitam, isto é, os feiticeiros, os traidores da fé, os que juram falso, os que exploram os trabalhadores e os que negam os direitos das viúvas, dos órfãos e dos estrangeiros que vivem com vocês’. O Senhor diz: “Eu sou o Senhor e não mudo”. (Malaquias 3.5-6)

Da Igreja Cristã Primitiva

“Digno é o trabalhador do seu salário…” (Lucas 10.7)

“Nestes últimos tempos vocês [os ricos] têm amontoado riquezas e não têm pago os salários das pessoas que trabalham nos seus campos. Escutem as suas reclamações! Os gritos dos que trabalham nas colheitas têm chegado até os ouvidos de Deus, o Senhor Todo-Poderoso. Vocês têm tido uma vida de luxo e prazeres aqui na terra e estão gordos como gado pronto para o matadouro.  Vocês têm condenado e matado os inocentes, e eles não podem fazer nada contra vocês”. (Tiago 5.3-6)

Inspirados nestes textos, muitos cristãos atuaram ao longo da história pela causa dos trabalhadores: salário digno e relações de trabalho justas. Entre os evangélicos há vários exemplos, como o do pastor anglicano John Wesley, fundador do movimento metodista na Inglaterra do século XVIII, que atuou em solidariedade com operários e com empregados nas minas de carvão daquele país.

Por meio do trabalho missionário, esses trabalhadores puderam utilizar a metodologia de reuniões de catequese para se mobilizarem em favor da luta pelos direitos trabalhistas. É nesse contexto que Wesley é identificado com o surgimento do movimento sindical, à educação de lideranças sólidas e à fé na democracia que inspirou muitos seguidores do Metodismo ao redor do mundo.

Fielden (Foto: Wikimedia)

Por isso, em 1886, havia o pastor metodista Samuel Fielden entre os oito trabalhadores que lutavam nos Estados Unidos, na cidade de Chicago, pelo direito a oito horas de trabalho por dia (frente às 12, 14, 16 que lhes eram impostas). Eles foram presos, julgados, alguns assassinados pela pena de morte, outros condenados à prisão perpétua, como o pastor Fielden.

Não é coincidência que Chicago tenha sido berço da teologia do Evangelho Social, construída pelo pastor batista Walter Rauschenbush e seu trabalho com os moradores do bairro denominado “Cozinha do Inferno”.

Ele orava com os trabalhadores: “Ajuda-nos a alegrar, com o nosso afeto, aqueles que estão sofrendo; a animar os que estão abatidos, com a nossa esperança, e a fortalecer em todos o sentido do valor e da alegria da vida. Salva-nos do veneno mortal da arrogância de classe. Permite que possamos olhar todas as pessoas face a face, com os olhos de um irmão” (Orações por um mundo melhor, 2008).

É verdade que ainda nos deparamos com práticas religiosas que continuam a trair os princípios de fé baseados na retidão e na equidade e a compactuar com poderes iníquos.

A memória dos textos bíblicos e daqueles que nele alicerçaram suas ações podem, no entanto, nos inspirar hoje na resistência e na busca da justiça e do direito.

É cada vez mais importante recordar palavras como as do profeta dos nossos tempos Paulo Freire: “É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo” (Pedagogia da Esperança, 2014). 

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