Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

Nós vencemos e agora é hora de cuidar da nossa saúde mental

Passada toda euforia de uma merecida vitória da democracia e do bem viver, agora precisamos dedicar um tempo para nós!

Foto: Ricardo Stuckert
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“Ai daqueles que pararem com sua capacidade de sonhar, de invejar sua coragem de anunciar e denunciar. Ai daqueles que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um passado de exploração e de rotina.” – Paulo Freire

Queridas amigas e queridos amigos, inicio o artigo desta semana agradecendo toda repercussão do texto anterior. Foram várias mensagens odiosas, ameaçadoras e de violência, mas, em contrapartida, e em maior proporção, muitas mensagens de incentivo, amorosidade, desabafos sentidos, afetos, vivência plena do evangelho. Ainda não consegui responder a todas, mas farei.

Por conta da repercussão, resolvi revisitar um texto que havia escrito durante os períodos mais desafiadores da pandemia. É um texto de cuidado, de autocuidado, afinal, não podemos fazer pelos outros o que não fazemos por nós mesmos.

Quando eu era criança, queria exercer uma profissão que pudesse ajudar as pessoas a serem mais felizes e por isso escolhi a psicologia. Nesses mais de quinze anos de formação, venho tentando equilibrar minha militância religiosa com os saberes psicológicos. Eu sou um psicólogo religioso e um religioso psicólogo. Atrelar profissão e militância, às vezes, também pode ser bem desafiador.

Como psicólogo e religioso, acredito e defendo uma psicologia laica, plural, dialógica e científica:

“Não existe oposição entre Psicologia e religiosidade, pelo contrário, a Psicologia é uma ciência que reconhece que a religiosidade e a fé estão presentes na cultura e participam na constituição da dimensão subjetiva de cada um de nós. A relação dos indivíduos com o “sagrado” pode ser analisada pela(o) psicóloga(o), nunca imposto por ela(e) às pessoas com as quais trabalha.” Nota pública do Conselho Federal de Psicologia de esclarecimento à sociedade e às(os) psicólogas(os) sobre Psicologia e Psicologia e religiosidade no exercício profissional.

Passada toda euforia de uma merecida vitória da democracia e do bem viver, agora precisamos dedicar um tempo para nós!

Mas, antes de prosseguir, preciso dizer sobre dois pontos que me motivaram escrever sobre esse tema.

O primeiro diz respeito a preocupação que tenho tido com a saúde mental de vários/as dos meus/minhas amigos/as militantes ou não. Esse texto é para vocês!

O segundo ponto tem a ver com minhas observações, em especial, nas redes sociais, já que boa parte das militâncias e disputas tem se dado nesse contexto virtual.

A internet e as mídias digitais, cada vez mais presentes em nossas vidas, têm instituído uma nova forma de elaborarmos discursos e militarmos, contudo, ao mesmo tempo em que as redes sociais se tornaram grandes aliadas, a instantaneidade com que comentários positivos e negativos chegam até a plataforma tem sido um desafio constante.

Tenho notado, com uma certa frequência e preocupação, a atitude de pessoas boas, cometendo práticas ruins, reprováveis, comprometedoras e explico: é fato que temos de superar os binarismos certo-errado, legal-ilegal, por que somos uma “mistura complexa de bem e de mal”, para além de sermos inconstantes e dos nossos comportamentos dependerem, em muito, do contexto em que estamos inseridos, como destaca o professor Christian Miller, mas não podemos agir da mesma maneira que agem nossos/as opositores/as, aqueles/as a quem combatemos e abominamos, sob o risco de nos tornamos um deles. Eu não posso me alegrar com a doença de nenhum ser humano, não posso me satisfazer com a dor alheia e tampouco posso desejar a morte de quem quer que seja.

Você tem parado para pensar se sua militância é excludente ou inclusiva, é vaidosa ou dialógica?

Militância vaidosa Militância dialógica
Autocentrada, ensimesmada Cuidado consigo e com o outro
Verdades absolutas Aprende sempre em comunhão
Ódio, rancor e ofensa Amor, afeto e diálogo
Dificuldade em ouvir Escuta ativa
Necessidade de afirmação Atua sempre no coletivo
Agressividade e egoísmo Abertura, respeito e reciprocidade
Autossuficiente Reconhece suas limitações
Incoerência entre o falar e o fazer Coerência entre o que se fala e o que se faz

Outra questão: você já parou para pensar como está a sua saúde mental e que o modo com que você milita/atua pode lhe adoecer? Alguma vez refletiu se os seus pensamentos, ideias, sonhos, desejos e sentimentos estão em harmonia com quem você verdadeiramente é?

Embora tenhamos ganhado a eleição – e isso não é pouca coisa -, ainda estamos atravessando um período bem triste e conturbado da história recente do Brasil (e do mundo), marcado pelo avanço dos conservadorismos, dos fundamentalismos, da naturalização da mentira como ferramenta política e de manipulação, da criminalização dos saberes científicos e da perseguição aos movimentos sociais, aos militantes de esquerda (e aqui incluo religiosos/as de esquerda), defensores e defensoras de direitos humanos (feministas, antirracista, LGBTQIA+, PCDs) e aos ativistas do meio ambiente e ecologia.

Atualmente, o que vemos é um governo (derrotado) que ainda reproduz um discurso violento e normatizador e não cria ou se preocupa com políticas públicas visando o bem-estar e a segurança de ativistas e militantes.

Tudo isso, somados aos traumas e lutos do coronavírus (tem gente afirmando que esses traumas se equiparam a traumas de guerra), tem feito com que militantes adoeçam, comprometendo a saúde mental individual e coletiva, gerando angústia, depressão, ansiedade ou até mesmo suicídio. O desequilíbrio emocional facilita o surgimento de doenças mentais.

Defendo, como psicólogo e militante dos direitos humanos, que o tema da saúde mental – com todos os seus vieses e velhos paradigmas – esteja, cada dia mais, presente em nossos ativismos. É urgente jogarmos luzes nesse debate!

Militante, cuide-se!

Para realizar suas outras atividades é importante cuidar-se primeiro.

Você pode começar com atividades que demandem um tempo curto, como 15 ou 30 minutos, iniciando pelas necessidades básicas, como comer e dormir de uma forma satisfatória e se organizar em torno disso. É importante ter paciência e focar-se no processo do que pensar no resultado. Contar com uma rede de apoio pode ser fundamental. Além disso, falar de suas questões e construir um saber sobre si, por meio da psicoterapia, pode ser interessante. Autoestima e autocuidado são termos inseparáveis.

Tratar-se com carinho, destinando atenção para si, é mostrar que você é digno/a de seu tempo, e merece o bem-estar. Ignorar necessidades e desejos, viver em função de opiniões dos outros, colocar-se em segundo plano, prejudica na construção de quem somos.

A autoanálise é importante para que haja consciência sobre os limites, qualidades e defeitos inerentes à nossa subjetividade. Por isso é importante falar do cuidado de si, que é diferente de autoajuda (cuja teoria já vem pronta, enlatada e impondo ao sujeito um certo saber). Já com o cuidado de si, não há receita, o sujeito constrói sua própria maneira de se cuidar, com suas próprias prioridades, por meio de hábitos que contribuem para seu bem-estar.

Para Foucault, a noção do cuidado de si evidencia a filosofia como modo de vida, composta de uma dimensão teórica e outra prática que são inseparáveis. Este aspecto prático, denominado por ele de “espiritualidade”, durante toda a Antiguidade nunca esteve separado do aspecto teórico. Porém, a partir principalmente da modernidade o que se percebe é um afastamento quase definitivo entre teoria e prática filosófica, ou seja, entre a filosofia e vida.

Nós precisamos continuar crendo no poder transformador do diálogo e em um amanhã melhor do que hoje, no entanto, é preciso ter a coragem de olhar para dentro de si e melhorar aquilo que é preciso.

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