Diálogos da Fé

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Nem de Exército nem de fé vai a Costa Rica. E o Brasil?

O país da América Central rejeita a candidatura do evangélico Fabrício Alvarado e sua agenda retrógrada. Enquanto isso, flertamos com o autoritarismo

Carlos, o outro Alvarado, venceu as eleições, contra a agenda obscurantista e neoliberal
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A Costa Rica abriga características interessantes que servem de inspiração e alerta a todo continente latino-americano e, especialmente, ao nosso imenso País.

O país é considerado, em certo sentido, uma das nações mais progressistas da região, com seu histórico antimilitarista, amplo acesso à educação e uma economia estável. Por outro lado, ainda vive sob um Estado oficialmente confessional, o que tem impedido o avanço de direitos no campo da sexualidade e reprodução. 

No domingo de Páscoa, contundo, os costarriquenhos foram às urnas e, contra todos os prognósticos, disseram não à possibilidade de retrocessos. Pesquisas  de intenção de voto apontavam uma acirrada disputa no segundo turno, com pequena vantagem para o candidato do Partido da Restauração Nacional, que representava setores fundamentalistas do campo evangélico, mas também contava com apoio de católicos igualmente conservadores.

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A Costa Rica deu ainda um passo importante contra o racismo e o machismo, muito fortes no país, ao eleger a primeira vice-presidente mulher e primeira negra a ocupar o cargo em toda a região. Epsy Campbell Barr é formada em economia e administração com mestrado em Ciência política e tem sua trajetória ligada à defesa dos direitos das mulheres afro-americanas e afro-caribenhas.

Com Campbell, Carlos Alvarado, jornalista e escritor, do Partido Ação Cidadã, venceu com ampla maioria de votos seu oponente Fabrício Alvarado (as semelhanças se encerram no sobrenome), sustentando uma plataforma favorável ao aborto terapêutico e à união homoafetiva.

Este posicionamento causou a ira de setores religiosos conservadores, principalmente a Igreja Católica, que é a religião oficial do Estado, desfrutando de forte poder de influência, além de investimento financeiro estatal.

Fabrício Alvarado, deputado e pregador evangélico, teve sua candidatura catapultada justamente por se posicionar contra a exigência da Corte Interamericana de Direitos Humanos de reconhecimento do matrimônio de casais homoafetivos sem qualquer discriminação.

Em debate organizado pela Igreja Católica em 10 de janeiro, afirmou que, se fosse preciso, retiraria a Costa Rica da corte, sediada na própria capital do país, San Jose, caso fosse eleito.

“A Costa Rica é um país pró-vida, pró-família, onde imperam valores judaico cristãos e estou seguro de que não temos nada a celebrar. Não há nada o que acatar. Não é vinculante e se fosse vinculante, um governo de restauração estaria disposto a sair da Corte porque não estamos dispostos a uma agenda LGBTI, pró aborto e uma ideologia de gênero”, afirmou

Aliado à cúpula católica, sua campanha eleitoral opunha-se ao Estado laico. O candidato derrotado representava o aprofundamento da relação perniciosa entre religião e Estado, comum em toda a América Latina. Por isso, sua derrota é sem dúvida uma grande vitória e inspiração para o continente. É a rejeição de um projeto político que utiliza a religião como mecanismo de controle, sujeição e desigualdade.

Mas não é uma vitória por completo. Além do alerta da presença de um forte setor social que compartilha dessas ideias, o PRN conta com a segunda maior bancada do parlamento e certamente atuará de maneira a travar os avanços dos direitos sexuais e reprodutivos, assim como avançar uma agenda econômica neoliberal.

No caso do Brasil, fica mais gritante o alerta sobre o desenvolvimento e recrudescimento do conservadorismo que alia o fundamentalismo religioso a uma política neoliberal. E, mais perigoso, o componente militarista destes setores.

Enquanto a Costa Rica aboliu as forças armadas desde 1948, revertendo os recursos para investimento social, o Brasil vive à sombra de uma nova intervenção militar, por vezes requerida como uma “saída” para a crise econômica e política atual justamente por grupos de viés religioso. Tais grupos são supraestimulados, visibilizados e favorecidos por meios de comunicação (melhor, empresas de comunicação), outro ingrediente venenoso de nossa formação política.

 Os resquícios nefastos da ditadura permanecem entranhados em nossa sociedade. Essa parte da nossa história foi deliberadamente ocultada, e por isso mesmo, mal compreendida. Incompreensão esta promovida pelos mesmos grupos de poder econômico, midiático, político e religioso.

 Por isso tão grave como preocupante foi a declaração do comandante das Forças Armadas, Eduardo Villas Bôas, em suas redes sociais digitais.

Em tom de ameaça, o comandante afirmou que o “Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade(…) bem como se mantém atento às suas missões institucionais.”

Não à toa, sua mensagem foi lida em rede nacional pelo jornal de maior audiência no Brasil e foi amplamente apoiada mais uma vez pelos setores religiosos conservadores.

Villas Bôas contou com o apoio de companheiros das Forças Armadas, inclusive de um dos candidatos à presidência, um militar aposentado que defende intervenção, armamento, redução da maioridade penal, proibição do aborto em qualquer circunstância, proibição do matrimônio igualitário, dentre outras abominações.

Dizendo sua “utopia”, Milton Nascimento e Fernando Brant pediam à “São José da Costa Rica, coração civil” a inspiração para o sonho de amor, Brasil. Oxalá de fato nos inspire e que rechacemos as falsas alternativas religiosas e militares que só reforçam a injustiça e a opressão social e que busquemos alternativas reais na luta coletiva.

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