Diálogos da Fé

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Não existe país islâmico – e eu posso provar isso

A minha luta, desde muito antes do início da minha carreira acadêmica, é afirmar incessantemente que não existem países islâmicos – mas sim, países de maioria islâmica

Mulheres rezando. Foto: AP Photo/Sue Ogrocki
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A ida de Neymar ao clube saudita Al-Hilal gerou polêmicas e levantou mais uma vez as bandeiras de preconceito contra os muçulmanos na mídia. Infelizmente quando se trata de um país de maioria islâmica, os preconceitos levantados e as polêmicas centralizadas apenas nos problemas do respectivo país com a democracia e direitos humanos se tornaram muito corriqueiros.

No caso da transferência de Neymar para o clube saudita aconteceu a mesma coisa de sempre. A mídia, que costuma apenas “transplantar” as matérias dos jornais internacionais já dedicados colocar os muçulmanos na mira em qualquer ocasião que surge, não fez nada mais do que levantar a voz indicando que não pode se construir igrejas lá etc. ao invés de pontuar que o jogador em questão terá diárias milionárias e ainda nem sabemos se irá fazer a declaração de imposto de renda direitinho. Veremos…

Nos casos como esse em que se trata de regimes autoritários e problemáticos com os direitos humanos e democracia, a crítica feita sempre se direciona não ao governo em questão, mas a todo um conjunto de valores, costumes, cultura e religião do povo em geral. Não muito diferente, quando se trata do Afeganistão, Irã, Arábia Saudita e outros países de maioria islâmica com regimes semelhantes a esses, antes de mais nada há uma rotulação de “país islâmico”. A minha luta, desde muito antes do início da minha carreira acadêmica, é afirmar incessantemente que não existem países islâmicos. Sim, não há nenhum país islâmico no mundo, muito menos na geografia majoritariamente islâmica em questão demográfica.

Para que se diga “um país islâmico”, primeiramente precisa existir uma lei que seja islâmica. Como já apontei aqui, nesse espaço, em 2021, não existe lei islâmica. A sharia, ao contrário do que se pensa, não é uma lei no sentido jurídico, mas um conjunto de valores baseados na revelação divina – o Alcorão – a serem aplicados na vida individual de cada um(a). Portanto, no sentido jurídico, não existe país islâmico. Desde esse princípio, posso dizer inclusive, que a Arábia Saudita não é um país islâmico, mas um país de maioria islâmica que tem cidadãos de outras religiões também.

Uma outra explicação desta minha afirmação é o índice de islamicidade realizado anualmente pelo Instituto de Islamicidade localizado nos EUA. O índice em questão analisa todos os países que fazem parte da ONU a partir dos princípios islâmicos para os direitos humanos, governança, relações internacionais e economia. A partir desta análise, todo ano se faz um levantamento de quais são os países que mais se enquadram nos princípios islâmicos. Os resultados, todo ano, são surpreendentes, pois sempre os primeiros 40 colocados, dentre 140 países, são aqueles que se encontram no ocidente como Noruega, Finlândia, Dinamarca e na Oceania como Nova Zelândia. O primeiro país de maioria islâmica que aparece na lista de classificação é a Malásia no 43º lugar – conforme o índice do ano de 2022.

Sim, na Arábia Saudita não se permite a construção de igrejas. Existem dois motivos para isso: primeiro, nos arredores de Meca e Medina não se constrói por motivos religiosos. Da mesma forma que não se permitiria a presença de uma mesquita, sinagoga ou terreiro no Vaticano, não se permite construir igreja nas duas cidades que têm as mesquitas sagradas da religião islâmica. O segundo motivo é política de governo. Nos lugares distantes das mesquitas sagradas (i.e Meca e Medina) o governo saudita não permite, pois é a política interna do país.

Caso os “experts” da mídia grande queiram entender a relação do Islam com as outras religiões, isso não é possível a partir da prática dos governos de países de maioria islâmica, mas do Alcorão e da prática do profeta Muhammad. Modéstia a parte, para a segunda parte indico o livro A Constituição de Medina: reflexões para o diálogo inter-religioso a partir do Islam, escrito por mim e publicado pela Editora Pluralidades, bem como os diversos artigos acadêmicos que venho publicando.

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