Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

Medo como estratégia eleitoral: até quando?

Cabe a quem deseja fortalecer a democracia focar no antídoto e não dar visibilidade às falas nefastas dos que estão depredando o processo eleitoral

Medo como estratégia eleitoral: até quando?
Medo como estratégia eleitoral: até quando?
Guilherme Boulos, Ricardo Nunes e Pablo Marçal. Fotos: Renato Pizzutto/Band
Apoie Siga-nos no

Quem tem acompanhado os debates entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo já pôde perceber que a mesma estratégia utilizada pelo governo da gestão presidencial anterior segue em evidência, firme e forte. Discurso populista em tom agressivo, mentiras e acusações infundadas e argumentação que se pretende antipolítica onde o candidato se coloca como vítima de um sistema que o persegue.

É notório que aprisionar as pessoas pelo medo é a receita infalível consagrada no último pleito e que, ao que tudo indica, será também fator determinante nas eleições deste ano e na próxima presidencial. Nossa democracia segue produzindo personagens caricatos e eleitores despreparados numa mistura perigosa que só fomenta o caos. Em tempos de campanha política, quando a população deveria estar sendo informada acerca das pautas governamentais mais pertinentes e de projetos que forneçam reais condições para mudanças positivas nos territórios, o que nos chega a cada embate midiático é justamente o contrário: desinformação, violência retórica e ausência de compromisso com a sociedade civil.

É preocupante o cenário que temos no horizonte. Apesar de ter a história recente a nos ensinar que precisamos ser criteriosos com o julgamento que fazemos das candidaturas e ter olhos abertos para as estratégias da extrema direita internacional e seus tentáculos na América Latina, é perceptível que o sistema de engodo é tão eficiente que uma vez enredados não se consegue facilmente escrever outra história. Esse emaranhado que conjuga cortina de fumaça, argumentações inconsistentes e projetos de poder que direcionam a máquina pública para o benefício da parcela dos já privilegiados em nada colabora com a construção de uma democracia sólida. Sim, parece óbvio mas infelizmente uma grande parte do povo brasileiro tem caído nessa esparrela.

No circo de horrores que tem se tornado essa corrida aos cargos públicos, é sabido que existe intencionalidade quando um debate é desarticulado por falas grosseiras ou até mesmo quando um candidato manipula o horário disponível nas emissoras de TV se portando de maneira risível. O que temos diante de nós nesses casos é uma escolha deliberada feita para se comunicar com as camadas da população que não têm um entendimento mais aprofundado das propostas políticas e que as mesmo tempo se identifica com tom de voz jocoso, ou palavreado que denota autoridade ou até mesmo com piadas chulas, linguagem de baixo calão e atitudes inconvenientes e provocativas. Vimos isso tudo acontecer recentemente e estamos entrando em outro ciclo eleitoral muito semelhante em termos de estratégia.
O medo que é disseminado através do costumeiro uso de mentiras faz com que essa cegueira política seja quase palpável, tamanha é a força que esse discurso recebe de apoio nos ambientes fundamentalistas. Os que estão saqueando a democracia encontraram inúmeras formas de ganhar terreno quando mencionam em suas falas o que é constituinte do ethos do fiel cristão conservador.

As pessoas que mais têm sido influenciadas pelo engano que as coloca à mercê dessas falsas promessas políticas são curiosamente aqueles que mais são prejudicados em governos antipopulares: homens e mulheres trabalhadores, que transitam à margem da sociedade e que, ao frequentar seus espaços de fé, recebem dos demais o reforço necessário para esse tipo de pensamento seja enraizado cada vez mais forte. O senso de pertencimento, nesse caso, define o número que será digitado na urna tal a força do grupo na formação da identidade do sujeito.

Diante disso, a nossa falta de traquejo com o mundo digital favorece ainda mais o crescimento do número de votantes em figuras patéticas e nitidamente incapazes de governar. O simples fato de fatos absurdos terem repercussão nas redes sociais dos que não apoiam determinada ideologia fortalece o que a Psicologia Social chama de Efeito de Mera Exposição, que é o fenômeno que faz com que as pessoas comecem a avaliar como positivas as informações vistas ou ouvidas com frequência, mesmo que sejam uma barbaridade inaceitável anteriormente.

Em outras palavras, é a repetição que garante a concordância e faz com que a capacidade de discernir fique amordaçada fazendo com que a plausibilidade do que está sendo dito não importe. Quanto mais exposto se está a um determinado estímulo (nesse quesito vale tudo: desde o som da voz, a foto do rosto, uma determinada música até as frases de efeito ditas por um determinado candidato ou aliado) mais suas propostas e sua pessoa se tornam palatáveis ao gosto popular.

Cabe a quem deseja fortalecer a democracia focar no antídoto e não dar visibilidade às falas nefastas dos que estão depredando o processo eleitoral. Nessa luta da democracia contra o medo que só serve ao ideário neoliberal que coloca cada um por si e todos contra todos, os seguidores de Jesus precisam dedicar tempo a dialogar com seus irmãos e irmãs na fé, procurando entender onde o discurso mentiroso tem seduzido os mais empobrecidos e os que apresentam menos consciência crítica.

Além disso, urge divulgar sempre a verdade, por mais trabalhoso que isso seja. Há que se falar exaustivamente das intenções por trás dessa política enganosa e procurar usar as redes sociais para de alguma forma fomentar uma cultura de pensamento crítico em linguagem acessível e amorosa. Porque não adianta tentar vencer o medo com a violência ou com um discurso que rotula o outro como incapaz ou desinformado. Ele considera que tem recebido informação idônea nas suas redes sociais e nos grupos de whatsapp dos irmãos da igreja.

Agir sem misericórdia com essas pessoas é uma fórmula que só amplia o fosso e o estrago, rasgando ainda mais o nosso já frágil tecido social. Essas eleições são importantíssimas sim mas temos um desafio mais crítico ainda se aproximando rápido que são as eleições presidenciais. Por isso não perca tempo! Evite dar palco e usar os holofotes das suas redes sociais para gente que não merece ser representante do nosso povo. Siga investindo nos diálogos possíveis com as pessoas do seu entorno, especialmente com a camada subalternizada da população que mais tem sido enganada na nossa atual conjuntura. São esses e essas que definirão os pleitos, quer a “esquerda acadêmica” e a liderança religiosa que se diz apolítica compreendam isso quer não.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo