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Isso também passa, já dizia Chico Xavier

Que possamos sair mais humanizados e solidários de toda essa crise: sanitária, humanista, política, social e espiritual

Foto: Laurent Emmanuel/AFP
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“Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos/as, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade.” – Lamentações 3:21-24

Nesses tempos de reflexões profundas, tenho lembrado muito da minha criação espírita e de uma frase do amado (e controverso) Chico Xavier, um dos responsáveis pela popularização do espiritismo no Brasil, morto em 2002.

Contam que Chico costumava ter em cima de sua cama uma placa com os dizeres:

“Isso também passa!”

Indagado sobre o motivo, ele dizia que era para que quando estivesse passando por momentos ruins, lembrar-se de que eles iriam embora, que iriam passar, e que ele estava vivendo aquilo por algum motivo. Mas a placa também era para lembrá-lo de que quando estivesse muito feliz, ele não deveria deixar tudo para trás e se deixar levar, porque esses momentos de euforia também iriam passar, e momentos difíceis viriam novamente.

Durante toda essa quarentena e que culminou, alguns dias, com a quaresma – período muito conhecido pela cultura popular e de extrema importância para alguns cristãos – tenho tido tempo para pensar, mais e melhor, sobre essas palavras do Chico e os exemplos de Jesus.

Ouso dizer também que foi a primeira Páscoa que nós cristãos vivenciamos e recordamos todo sofrimento do Cristo a caminho da sua crucificação. Acho que o coelhinho ficou para trás dessa vez!

Nós espíritas não jejuamos, mas lembro que, quando eu era pequeno, minha mãe, ainda católica, jejuava e eu, solidariamente, a seguia.

Tenho profundo respeito pela maioria dos ritos religiosos. Da Santa Eucaristia (corpo de Cristo) ao Olubajé (festa em homenagem ao Orixá Omolú) e quando convidado, participo e me emociono em todos.

Também é impossível não lembrar da gente criança, na igreja, cantando e balançando os ramos: “Hosana he, Hosana ha, Hosana he, Hosana he, Hosana ha!”

A religião, para mim, sempre foi um elemento sagrado, acolhedor, socializador e, também, uma importante ferramenta de luta por justiça e paz. Afinal, “a fé sem obra é morta”.

Instrumentalizar a fé como o, ainda presidente, está fazendo, me fere profundamente. São – ele e seus asseclas – modernos fariseus. Hipócritas!

Os fariseus jejuavam duas vezes por semana. Nesses dias, para evidenciarem que isto representava sacrifício para eles, se apresentavam publicamente com as vestes mal arrumadas, barba e cabelos em desalinho, expressão dolorida. Hipócritas!

“Quando jejuarem, não mostrem uma aparência triste como os hipócritas, pois eles mudam a aparência do rosto a fim de que os outros vejam que eles estão jejuando. Eu digo verdadeiramente que eles já receberam sua plena recompensa. Ao jejuar, arrume o cabelo e lave o rosto, para que não pareça aos outros que você está jejuando, mas apenas a seu Pai, que vê em secreto. E seu Pai, que vê em secreto, o recompensará.” – Mateus 6:16-18

Há cristãos – mal-intencionados – que utilizam argumentos religiosos para defender a barbárie e a violência. A sensação que tenho é que todos os violentos, hipócritas, cruéis, incluindo aí alguns religiosos, resolveram sair, de uma só vez, dos seus armários e tumbas. Estão se sentindo empoderados.

Para nós espíritas, o jejum a que se refere Jesus é, também, de ordem moral. Se quisermos nos renovar, é necessário combater nossas mazelas, cultivando o bem e as nossas virtudes.

Ver espíritas em marcha com o atraso, com o preconceito, com a ruptura democrática, com a retirada de direitos e com o ódio e fundamentalismo, me faz acreditar que essas pessoas estão bem distantes dos postulados de Kardec e dos ensinamentos de Jesus, afinal, “se alguém afirmar: ‘Eu amo a Deus’, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”. 1 João 4:20

Kardec foi ainda mais enfático na questão 350 de O Livro dos Médiuns: “De que serve acreditar na existência dos Espíritos, se essa crença não torna o ser humano melhor, mais benevolente e mais indulgente para com seus semelhantes, mais humilde, mais paciente na adversidade?”

Ele entendia que desde que uma pessoa se intitulasse espírita, ela já teria motivos suficientes para iniciar essa transformação e reforma íntima (que é um compromisso consigo mesma), passando a se esforçar para se tornar melhor e contribuir, assim, para o adiantamento da humanidade.

O esforço de combate às más tendências deve se estender por todos os dias, semanas e meses do ano, não só na semana santa.

“Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más.” – Allan Kardec, Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. XVII, item 4.

O espírita, autointitulado “cidadão de bem”, limpinho e cheiroso (como disse aquela jornalista), que dita normas como um general nas entidades que deveriam se conectar fraternalmente, mas ao contrário prega o ódio e a intolerância, sabe que está condenado, e se desespera por isso, porque sabe que afronta as leis divinas e naturais. Porque sabe que a consciência libertadora o inquieta e o aprisiona.

Mas também é verdade que na mesma proporção que os odiosos deixaram suas máscaras caírem, espíritas de todos os cantos do País e de fora dele tem se reunido, presencialmente ou virtualmente, incomodados/as com essa captura do movimento espírita brasileiro pelos setores mais reacionários e fundamentalistas, para expressar seu repudio às leituras equivocadas e enviesadas que estão fazendo do legado de Kardec.

E que possamos sair mais humanizados e solidários de toda essa crise: sanitária, humanista, política, social e espiritual.

“Isso também passa!”

Deus é bom o tempo todo!

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