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Há alguma coisa boa no fanatismo?

O grande perigo do fanatismo consiste na certeza absoluta e incontestável que o devoto tem a respeito de suas verdades

O escritor Amós OZ criticava os "pecados do fanatismo" (Foto: Flickr)
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Qualquer experiência que envolva fãs e devotos com intensa paixão e emoção, está a um passo do fanatismo. O termo fanatismo, do latim fanaticus“o que pertence a um templo (fanum)”, foi utilizado a partir do século XVIII para se referir a pessoas que seriam partidárias extremistas, exaltadas e acríticas de uma causa religiosa ou política. O grande perigo do fanatismo consiste na certeza absoluta e incontestável que o devoto tem a respeito de suas verdades. Detentor de uma certeza que lhe foi revelada por uma divindade ou por um líder (portanto, não uma verdade qualquer, mas A verdade), o fanático não age com a razão quando defrontado com posições diferentes ou questionamentos daquilo que defende. São características do fanatismo a irracionalidade, o autoritarismo e o agir passional, frequentemente agressivo.

Nesse sentido, fanatismo é a “exaltação que leva indivíduos ou grupos a praticarem atos violentos contra outras pessoas (prejudicando significativamente sua liberdade e atentando contra a vida), baseados na intolerância e na crença em verdades absolutas, para as quais não admitem contestação”, conforme os estudos de Jaime e Carla Pinsky. É assim que fanáticos podem ser definidos como aqueles que acreditam que o fim, qualquer que seja, justifica os meios, dizia o escritor Amós Oz. Por isso, aceitam, por exemplo, o uso de ilegalidades para linchamentos públicos de pessoas que consideram inimigas ou até mesmo a prática da tortura contra elas.

 

São quatro os principais tipos de justificativas ideológicas adotadas por fanáticos: as religiosas, as racistas, as políticas e as esportivas. Grande destaque é dado ao fanatismo religioso com histórias como a dos seguidores de Jim Jones (Templo do Povo), de Asahara (Verdade Suprema), de David Koresh (Ramo Davidiano), de Jo Dimambro (Templo Solar) e tantos outros místicos cuja liderança terminou causando tragédias coletivas.

No tempo presente o fanatismo está em grande evidência no Cristianismo por conta das recentes atitudes de segmentos evangélicos e católicos em relação a questões políticas no Brasil, nos demais países da América Latina e nos Estados Unidos. Lideranças e grupos cristãos entronizaram personagens da arena política na posição de mitos inquestionáveis e, mais recentemente, participaram até mesmo do golpe de Estado na Bolívia, fazendo uso do discurso e de símbolos religiosos.

Fernando Camacho segura bíblia durante discurso na Bolívia (Foto: Daniel Walker/AFP)

No entanto, as mídias noticiosas colocam em maior evidência o fanatismo de certos grupos islâmicos extremistas, por conta de ações terroristas contra os que denominam “infiéis do ocidente” seguida da “guerra ao terrorismo” do ocidente cristão. Fato é que, para o fanático religioso, não basta adorar um Deus como Senhor absoluto, é necessário ser soldado dele na terra, lutar pela causa superior, pregar, exorcizar, forçar os “infiéis” ou “opositores” à conversão absoluta, a qualquer preço.

No Brasil não são poucas as manifestações de fanatismo religioso. Muito do extermínio dos indígenas e dos escravos trazidos da África deve-se a interpretações religiosas fanáticas. Uma parcela do catolicismo que se sentiu ameaçada pela chegada dos missionários protestantes no século XIX também promoveu certas agressões verbais e físicas, muitas vezes instigado por sacerdotes. Movimentos revolucionários com tom religioso como Canudos e o Contestado, historicamente foram tratados como ações fanáticas, elemento questionado por historiadores sociais contemporâneos.

No entanto, são as religiões de matriz africana as maiores vítimas da intolerância de fanáticos cristãos, católicos, historicamente, e mais recentemente evangélicos, com ações que já causaram até mesmo mortes. Relatórios oficiais têm mostrado que estas religiões são as maiores vítimas de ações que podem ser classificadas como intolerância em razão de crença ou culto, e tem bases racistas.

Diante do exposto, não há dificuldade na resposta à questão do título deste artigo: não, não há um algo “bom” no fanatismo, em qualquer uma de suas justificativas religiosas, políticas, raciais, esportivas. Fanatismo é expressão de autoritarismo e intolerância, duas das mais cruéis características da violência humana. O fanatismo nega o diálogo, nega a diversidade, nega o direito do outro à diferença. Fanáticos carregam uma cegueira que não lhes permite ver o outro que pensa e se comporta diferentemente como um igual; pior, consideram inimigos todos os que não compartilham da sua devoção.

Para enfrentar isto, instituições educacionais e religiosas podem investir na educação, especialmente de crianças e jovens, para o diálogo, a diversidade, o respeito às diferenças. Para os mais velhos importa a conversão, metanoia (no grego), a mudança de vida da qual fala o Evangelho cristão.

Outro elemento para a superação do fanatismo, segundo o escritor israelense Amós Oz, é o bom humor, para ele, uma “cura para o fanatismo”. Oz dizia que nunca viu um fanático bem-humorado, nem alguém bem-humorado se tornar fanático.

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