Exu nas escolas, Exu na ciência, Exu na política

Ao aprofundar o aprendizado sobre Exu, expandimos a compreensão do universo e as forças da natureza para transformar nossas vidas

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É preciso expor e dividir saberes ancestrais. Os caminhos, os mistérios, as histórias, as experiências, os ritos. Desmistificar, decodificar, compreender. Ler além do que está escrito, enxergar além do que se vê, escutar o que não se ouve, sentir o intangível. É preciso ter Exu como grande condutor e transmissor de aprendizado. O orixá da comunicação, que detém o poder de realizar, vem pra romper com um modo de pensar e de fazer que só contempla a lógica do colonizador.

Um trecho da música “Exu nas Escolas”, composta por Kiko Dinucci e Edgar e cantada num tom político e revolucionário pela inigualável Elza Soares, ilustra bem as propostas de uma epistemologia negra, de resistência, que resgate a filosofia, a visão de mundo e a dignidade dos povos escravizados.

Estou vivendo como um mero mortal profissional
Percebendo que às vezes não dá pra ser didático
Tendo que quebrar o tabu e os costumes frágeis das crenças limitantes
Mesmo pisando firme em chão de giz
De dentro pra fora da escola é fácil aderir a uma ética e uma ótica
Presa em uma enciclopédia de ilusões bem selecionadas
E contadas só por quem vence

O mundo precisa conhecer o poder de Exu. Exu é movimento, é vida. Exu nos proporciona uma vida plena, com muitos desafios, mas cheia de motivos para festejar e ser feliz. Ao receber pedidos e agradecimentos, Exu vai transformando e abrindo caminhos e mentes. Quando se aprende sobre a dádiva e se pratica o ato de retribuir, amplia-se a proximidade com Exu. A comunicação plena com Exu é um ato de amor e conquista.

Ao aprofundar o aprendizado sobre Exu, conseguimos expandir a compreensão do universo e movimentar as forças da natureza para transformar nossas vidas. Exu é o poder de realizar em toda sua plenitude. Exu é solução, é caminho. Exu é a felicidade, a prosperidade, que para o povo negro são obrigações ancestrais. Exu é a síntese de um modo de pensar que se afasta completamente de visões eurocêntricas e limitantes. Exu é expansão, é transformação, é movimento.


Estabelecer uma relação perfeita com Exu depende de um intenso aprendizado, de uma compreensão profunda de suas dimensões e de um entendimento das múltiplas significações que encerra. O estudo sobre Exu é algo que começa e jamais termina, mas uma vez inseridos em seu universo de conhecimento, nossa visão do mundo e da vida nunca mais serão as mesmas.

Quando Mauss formatou o conceito de dádiva, nomeando a prática desse exercício diário de relação com o sagrado, lançou aos céticos o desafio de entender as dimensões simbólicas que tornam a fé real e eficaz. Lévi-Strauss avançou em interpretações que davam conta das estruturas mais humanas, que simplesmente faziam a magia acontecer. Na complexidade das brechas que os enigmas dissipam, Morin encontrou nos mitos e ritos o sentido de tudo que ao homem parecia intangível. Exu sentou-se com todos eles, porque Exu fala todas as línguas. Exu sentenciou: Axé para expandir, Axé para movimentar, Axé para transformar. Exu é Axé. Axé é Exu. O poder que realiza, a força, a vida.

Quando propomos uma imersão na epistemologia da resistência, estamos falando da forma como Exu conduz não só o aprendizado, mas a própria ciência e também a política. Trata-se de expandir, movimentar e transformar com base num saber ancestral que indica o caminho da felicidade e utiliza o poder de realizar, isto é, o axé, em sua potência máxima. História, ritual e significados de Exu conduzem às múltiplas interpretações do orixá que desconhece o impossível. Pensar, sentir, agir para alcançar objetivos e mudar completamente o sentido da vida e a construção dos saberes.

Conhecer Eleguá, Alajê e Olojá, saber como expandir e transformar, entender o verdadeiro sentido da prosperidade, exercitar as trocas, a reciprocidade, promover a circulação dos bens materiais e simbólicos. Aperfeiçoar a comunicação com o universo é a grande prerrogativa de Exu. E todos podem aprender. Aliás, todos deveriam aprender nas escolas, desde a mais tenra idade. Exu deveria ser assumido como base da cultura brasileira na mesma proporção das políticas de inclusão do povo negro.

Epistemologia significa ciência e conhecimento, certo? É o estudo científico que trata dos problemas relacionados com a crença e o conhecimento, sua natureza e limitações. É o grande mister de Exu. Ao estudar a origem, a estrutura e os métodos do saber, a teoria do conhecimento vai se relacionando com a metafísica, a lógica e a hermenêutica.

 

Pode o ser humano alcançar o conhecimento total e genuíno? Sem Exu me parece impossível. Se a epistemologia trata da natureza, da origem e da validade do conhecimento, e estuda também o grau de certeza do conhecimento científico nas suas diferentes áreas, com o objetivo principal de estimar a sua importância para o espírito humano, ao desconsiderar os saberes construídos pelas civilizações africanas perde-se em essência e conteúdo, porque Exu é um saber ampliado, que vai além da racionalidade que limita e não compreende a dimensão do que somos.

Quando trabalhamos com ações humanas dotadas de significado e com os produtos dessas ações, ou seja, com métodos e interpretações, precisamos de instrumentos para tratar essas questões de forma eficiente. A hermenêutica ajuda a tornar os saberes compreensíveis. Mas de onde vem essa expressão?

O termo deriva do nome Hermes, um deus da mitologia grega, ou, mais especificamente, o mensageiro dos deuses, a quem os gregos atribuíam a origem da linguagem e da escrita, considerado o patrono da comunicação e do entendimento humano. As semelhanças entre Hermes e Exu já foram estudadas, trata-se do mesmo arquétipo, o que tem nos permitido brincar com as palavras e falar numa “Exunêutica”. A rigor, como estamos falando de compreensão e exposição de uma determinação divina, é necessário que haja interpretação para que entendamos corretamente. Exu traduz a vontade de Olodumare e de todos os orixás.

Se Hermes é o patrono da hermenêutica por ser considerado o senhor da comunicação e do entendimento humano, Exu, com sua “exunêutica”, pode nos levar a um tempo de ruptura por meio da expansão, da movimentação e da transformação do conhecimento. Exu nas escolas me faz pensar na possibilidade de reconstruir uma civilização. É redimensionar o aprendizado para construir um tempo de respeito pela diversidade, inclusão e justiça. Viva Exu! Laroiê!

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