Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

Evangélicos, nossos direitos e nossa salvação se fazem em comunidade

A religião que dá o sentido existencial é, igualmente, aquela que nos tira do isolamento

Fé
Foto: Pixabay Foto: Pixabay
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Nos estudos da religião, costuma-se dizer que, por mais que existam linguagens e experiências religiosas diversas, a religião tem uma vocação dupla e solidária. A primeira, segundo o antropólogo francês Jean-Pierre Vernant, é a busca por alcançar um sentido maior, algo que dê plenitude – mesmo que nem sempre alcançando, podemos dizer, assim, o transcendental. Já a segunda está ligada à ideia de pertencimento: tirar o humano de seu isolamento, integrando-o a uma comunidade que terá a função de confortar, mas que também o ultrapassa.

Esses são elementos-chave para entendermos um pouco mais a religiosidade popular e as mudanças na paisagem religiosa do Brasil. O avanço do neoliberalismo, inaugurado com o governo Collor no início dos anos 90, foi um marco para a explosão de fiéis evangélicos pentecostais no Brasil. Fragilizada pela desindustrialização e reestruturação do mundo do trabalho, sem espaços de sociabilização e de organização pelos seus direitos, parte da classe trabalhadora buscou outras formas de reorganizar a vida, tanto no campo subjetivo quanto no concreto – e encontrou nas igrejas evangélicas o sentido maior e a comunidade de apoio.

Esse encontro, entretanto, é cheio de ruídos e atravessamentos. Uma de suas características, que tem a raiz no protestantismo, transformou a religião e a própria salvação em processos mais individualizados. A “salvação individual” é a máxima no mundo evangélico, uma salvação, que no contexto protestante calvinista (não apenas neopentecostal)tem reflexos na vida financeira e material do fiel como sinal da graça divina. Se ela não acontece, a culpabilização do fiel ocorre muito semelhante ao modelo neoliberal que prega a meritocracia. 

A ideia da salvação individual aliada a meritocracia neoliberal escorre por todos os  cantos da vida,  para além da espiritualidade. Então, o desemprego, a  falta de saneamento básico, a escola precária, o ônibus que não atende seu bairro, são pontos que a busca da solução, por vezes, é tida como individual, seja orando ou tentando lidar com as adversidades no âmbito privado, mesmo que partilhado, talvez com pastores/as, irmãs e irmãos. As pautas coletivas são transformadas em pautas individuais e, então, há uma desmobilização para lidar com tais problemas.

Esse mês pude acompanhar, pelo Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, algumas reuniões que o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), no Distrito Federal, promovem na base. Em uma manhã de sexta-feira, ainda em abril, no quintal da casa da dona Marina (nome aqui trocado para salvaguardá-la), em uma das maiores favelas do Brasil, a Sol Nascente, em Ceilândia. Cerca de 20 moradores do território, sua grande maioria mulheres negras, mães de família, estavam reunidas. Essas mulheres se juntavam ali para pensar em saídas, para a precarização dos direitos provocadas pelo desmonte dos  programas sociais realizados pelo (des)governo Bolsonaro. 

Entre as reclamações, destaco a dificuldade de atualizar os dados no aplicativo do CADúnico, a ausência de smartphones ou conexão estável de internet  e também problemas de recadastramento da mudança do Bolsa Família para o Auxílio Brasil, cuja fila de espera para obter o benefício pode demorar mais de um ano. As conclusões foram coletivas, sugeridas pelas próprias moradoras do Sol Nascente: seja ir juntas para um pedido coletivo no CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) do bairro, seja uma reunião para os companheiros e companheiras do movimento auxiliarem com as dificuldades do aplicativo.

Trouxe essa experiência porque lá, com aquelas mulheres e com o MTD, dentre elas algumas evangélicas, tive a certeza de que a salvação não é individual, e nunca foi. Nossos direitos e nossa salvação se conquistam e se fazem em comunidade! A religião que dá o sentido existencial é, igualmente, aquela que nos tira do isolamento: sozinhos/sozinhas não conseguimos avançar. Resgatar a história coletiva de nossa classe é tarefa fundamental! Gosto da breve canção que diz: “companheira, me ajude que eu não posso andar só, eu sozinha ando bem mas com você ando melhor”. Então, vamos andar juntos e juntas! 

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