Diálogos da Fé

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Diálogos da Fé

Eu só peço a Deus que a dor não me seja indiferente

‘Não se pode falar de um Jesus misericordioso, soberanamente bom e justo e que fica limitado aos templos de fé’, escreve Franklin Félix

Foto: iStock
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Há algumas canções, em especial aquelas de luta, que, vez ou outra, ouço como uma espécie de mantra, de oração. É o caso da música que escolhi para ser título do texto desta semana, “Eu só peço a Deus” (Solo Le Pido a Dios), imortalizada pela voz da cantora argentina Mercedes Sosa, uma das mais famosas na América Latina e que ficou conhecida como a voz dos “sem voz”, por suas músicas de luta e de protesto. No Brasil, ela foi gravada por Beth Carvalho e, assim como Mercedes, também tinha lado e não era o dos poderosos.

A autoria pertence ao compositor argentino León. Após a redemocratização, Mercedes e Leon gravaram juntos nos famosos Concertos do Cine Opera, coincidindo com a alegria do fim da guerra das Malvinas e da ditadura argentina. Espalhou-se pelo mundo e hoje tem versões em mais de 50 idiomas.

A canção inteira é um tributo aos Direitos Humanos e em cada estrofe o compositor reitera que não quer ficar indiferente à dor, à mentira, ao exílio, à impunidade e à guerra.

Exatamente tudo o que continuamos vivendo hoje e que está tão dolorido e nebuloso que até escrever – já havia dito isso outras vezes – está difícil. Não falta inspiração, mas sobra angustia e, assim como Leon, Mercedes, Beth e tantos outros militantes, eu só “peço a Deus que a dor não me seja indiferente”.

Impossível não perder o sono pensando nas vítimas – e nos seus familiares – da chacina da comunidade de Jacarezinho, na execução de crianças e educadoras em uma creche em Saudade, Santa Catarina, e na morte evitável – já que existe vacina para a Covid – do ator Paulo Gustavo, totalizando mais de 421 mil mortes no país.

Não é admissível vidas estejam sendo tiradas – por vírus, bala, fome e violência – e que as igrejas, os centros espiritas, os templos religiosos não se mobilizarem para fazerem seus cultos na rua (com todos os cuidados com distanciamento social e com protocolos de segurança e saúde). Não é razoável acreditar que religiosos e religiosas não foram às televisões, redes sociais, rechaçar essa onda violenta e cruel.

Várias Marias de Nazaré ou Marias de Jacarezinho, Saudade, Niterói, estão chorando as mortes de seus filhos e de suas filhas.

Não se pode falar de um Jesus misericordioso, soberanamente bom e justo e que fica limitado aos templos de fé.

Precisamos viver o que pregamos!

Jesus, para mim, é sinônimo de alegria, de festa, de amor e também de coragem. Ele enfrentou os poderosos de seu tempo, virou a mesa dos capitalistas da época, batizou “pecadores”, foi amigo de excluídos/as e marginalizados/as. Dançou com adúlteras, prostitutas, comeu e bebeu com gente de má fama. Sim, Ele chorou com os que choraram, mas também se alegrou com os que se alegraram.

Para nós, espíritas, Jesus representa o maior modelo de perfeição e é por meio da prática diária de seus ensinamentos que procuramos estar sempre em harmonia com a criação e tudo que nela há. Foi Ele quem resumiu todos os mandamentos em apenas dois: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos.

Como espírita, nossa luta pelos princípios de amor, perdão, benevolência, tolerância, generosidade, fraternidade, respeito, empatia, etc., assim como estão expostos, por exemplo, no Evangelho Segundo o Espiritismo, uma das cinco obras básicas do espiritismo, de autoria de Allan Kardec. Sua primeira publicação foi em Paris, em 15 de abril de 1864. Dentre todas essas obras, é a que dá maior enfoque a questões religiosas, éticas e comportamentais do ser humano. No começo do capítulo XI, item 4, encontramos as seguintes orientações de Allan Kardec a respeito do tema:

Amar o próximo como a si mesmo: fazer pelos outros o que quereríamos que os outros fizessem por nós, é a expressão mais completa da caridade, porque resume todos os deveres do ser humano para com o próximo. (…) A prática dessas máximas tende à destruição do egoísmo. Quando as adotarem para regra de conduta e para base de suas instituições, os seres humanos compreenderão a verdadeira fraternidade e farão que entre eles reinem a paz e a justiça. Não mais haverá ódios, nem dissensões, mas, tão-somente, união, concórdia e benevolência mútua.

A ideia de amar o próximo é, como se vê, essencialmente prática, traz diretamente o bem a nós próprios e não tem nenhuma relação com religião. Aliás, tenho amigos/as ateus que são muito mais generosos, amorosos e benevolentes do que alguns cristãos que convivo, incluindo os espiritas.

As redes sociais têm sido uma importante ferramenta para dar vez e voz aos excluídos/as e marginalizados/as históricos, mas também têm protagonizado execrações públicas, onde os interlocutores perdem a capacidade de diálogo, de abertura, de respeito e de reciprocidade.

Não podemos pautar nossa luta – seja qual for nosso ideal – a partir do ódio. Que possamos, ao desencarnarmos, prestar conta das nossas boas atitudes e, tal qual o apóstolo Paulo, poder dizer que combatemos o bom combate e terminamos a carreira guardando a fé em Deus e no nosso semelhante.

Há cristãos – mal-intencionados – que utilizam argumentos religiosos para defender a barbárie e a violência. A sensação que tenho é que todos os violentos, hipócritas, cruéis, incluindo aí alguns religiosos, resolveram sair, de uma só vez, dos seus armários e tumbas, deixando cair suas máscaras. Estão se sentindo empoderados.

Nas palavras do pastor batista e ativista pelos direitos humanos da população negra Martin Luther King: “Eu decidi ficar com amor. O ódio é um fardo muito grande para carregar”.

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