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Empatia, esperança e fé: o que podemos aprender com a crise do coronavírus

Natureza está nos mostrando que, do jeito em que vivemos (desmatando, poluindo e destruindo), não podemos continuar

Cartaz em manifestação pede mais atenção à ecologia e menos ego - (Foto: Markus Spiske/Pexels) Cartaz em manifestação pede mais atenção à ecologia e menos ego - (Foto: Markus Spiske/Pexels)
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Há alguns dias, toda a civilização vive angustiada com um vírus que, de tão contagioso, obriga os seres humanos a se isolarem para não se infectarem ou propagarem os riscos, que são maiores em idosos(as) e pessoas com a imunidade comprometida por uma doença ou tratamento. Isso sem falar nos riscos enfrentados pelos mais pobres e por pessoas que moram nas ruas, habitualmente mais vulneráveis.

Que ironia! Justo nós, que, desde os primórdios, escolhemos viver em sociedade.

Essa situação me fez lembrar uma história que ouvi de uma professora querida um tempo atrás e que um tuíte de hoje me fez recordar. A história é atribuída a antropóloga lésbica norte-americana Margaret Mead (1901-1978), que integrou a corrente teórica da Escola Americana relacionada aos comportamentos e aos padrões culturais.

Indagada por um aluno sobre o que ela considerava ser o primeiro sinal de civilização do ser humano, Margaret respondeu de forma diferente da esperada. Não disse que anzóis, panelas de barro, pedras de amolar ou outros utensílios foram os primeiros sinais de civilização, mas sim um fêmur (osso da coxa) quebrado e cicatrizado.

Mead explicou que, no reino animal, se você quebra a perna, você morre. Você não pode correr do perigo, ir até o rio beber água ou caçar comida. Você é carne fresca para os predadores. Nenhum animal sobrevive a uma perna quebrada por tempo suficiente para o osso sarar.

Um fêmur quebrado que cicatrizou, acrescenta, é evidência de que alguém dispensou tempo para ficar com aquele que caiu, tratou da ferida, levou a pessoa à segurança e cuidou dela até que se recuperasse. Ajudar alguém durante a dificuldade é onde a civilização começa, finaliza a antropóloga. Esse é, também, o princípio do cristianismo: fazermos para as outras pessoas, o que gostaríamos que nos fizessem, assim como advertiu Jesus:

“Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não existe qualquer outro mandamento maior do que estes” – Marcos 12:31

E não estou falando do “cristianismo” propagado por falsos profetas (incluindo pastores e oradores espíritas), mercadores da fé, irresponsáveis, que, ao invés de suspender cultos, palestras, missas, zelando pela saúde de seus irmãos e irmãs, preferem atribuir a forças malignas toda essa calamidade.

Se uma força maligna tem contribuído para toda essa situação, ela se chama capitalismo. Ela mesma que, quando associada à fé, produz estragos em todo mundo. As pessoas aproveitam de situações como essa que estamos vivendo para propagarem teorias conspiratórias e profecias catastróficas. Como bem lembrado pelo professor Leandro Karnal, toda profecia é picareta.

Nós não somos uma ilha e engana-se quem acredita que não precisa nos resguardar, mesmo que não façamos parte de grupos de risco. No elevador do meu prédio, um casal pendurou um informe dizendo que estão a disposição para saírem para comprar itens que idosos/as que não devem sair às ruas precisarem.

Nos grupos de WhatsApp de organizações das quais faço parte, jovens se mobilizam para criar meios virtuais de contato com aqueles(as) que precisam ficar isolados(as). O isolamento social também pode gerar angústia, depressão e suicídio. Receitas de álcool gel caseiro, chás para aumentar imunidade, são exemplos de como as pessoas podem ser solidárias.

Siga todas as orientações do Ministério da Saúde e dos órgãos competentes. Lave bem as mãos, afinal oração e higiene não há contraindicação. Na Itália e Espanha, dois países afetados pela pandemia, pessoas em quarentena fazem coral de suas janelas, jogam bingo e se exercitam, tudo coletivamente, mas sem sair dos seus apartamentos.

A Natureza – ou o nome que você quiser dar – está nos mostrando que, do jeito em que vivemos (desmatando, poluindo e destruindo), não poderemos continuar. Conceitos como o de “bem viver”, que imagina outros mundos possíveis, ganham cada vez mais força. É o que nos apresenta o escritor Alberto Acosta em seu livro “Bem Viver” (Ed. Autonomia Literária e Elefante).

Bem viver não é mais uma ideia de desenvolvimento alternativo. O conceito fundamental é: crescimento permanente é impossível. O lema é “melhor com menos”. Preferível crescer pouco, mas crescer bem, do que crescer muito, porém mal. Tem que haver consenso e participação popular. A tarefa, complexa, é aprender desaprendendo, aprender e reaprender ao mesmo tempo.

Exige outra economia, sustentada nos princípios de solidariedade e reciprocidade, responsabilidade, integralidade. Pessoas e comunidades podem viver a construção do “bem viver” em um processo autodependente e participativo. O “bem viver” se converte em um bem público, com um grande poder integrador, tanto intelectual como político.

No “bem viver” os seres humanos são vistos como uma promessa, não uma ameaça. Não há que se esperar que o mundo se transforme para se avançar no campo da migração. Há que agir para provocar essa mudança no mundo. Todas as pessoas devem se desenvolver. Para tanto, qualquer pessoa tem que ter as mesmas possibilidades de escolha, ainda que não tenha os mesmos meios.

Uma coisa é certa: a humanidade não será mais a mesma após a passagem do coronavírus!

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