Diálogos da Fé
Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões
Diálogos da Fé
Eleições 2024: a vida da população evangélica e o chão do território
Ganhar os votos de evangélicos apenas na linguagem religiosa é um erro: não politiza, não disputa realmente o sentido do que é a democracia


A campanha eleitoral começa e começa a corrida pelos votos de conservadores, evangélicos e indecisos. Com certeza, esse ano será um grande desafio para candidatos de esquerda, ainda mais em um momento em que os progressistas são vidraça no Governo Federal. E gostaria de falar um pouco sobre a dificuldade que temos de nos vincular com estes segmentos, sobretudo o segmento evangélico.
As pessoas que estão dentro das igrejas periféricas vivem o território e precisam das políticas públicas municipais. Afinal, pessoas vivem no município, e é nele que a vida acontece. A passagem de ônibus, a qualidade do transporte público, as vagas de creche, a rua em boas condições, a disponibilidade de insumos nas Unidades Básicas de Saúde são fundamentais em qualquer campanha, inclusive para pessoas evangélicas. A fé é central na vida das pessoas religiosas, é um dispositivo de humanização para suportar uma vida tão dura, como a que se vive no capitalismo.
Contudo, não ter insulina nas farmácias atinge a quantos evangélicos? Quantas mulheres negras evangélicas perderam seus parentes por falta de medicação, vaga em hospital ou pela violência de Estado? O respeito a esse segmento, à sua fé e estilo de vida é necessário, assim como para qualquer outro segmento religioso no país: como as religiões de matrizes africanas, por exemplo.
Contudo, acreditar que disputar a família está apenas no campo da moralidade é um erro na leitura das pessoas progressistas. A minha opinião é que precisamos enquadrar o tema da família no centro das políticas públicas de seguridade social. Defender a família é ter creche para as crianças, ter trabalho para os jovens, ter incentivo ao esporte para a juventude, cultura educação, casa para que as pessoas possam acolher suas famílias.
As mulheres negras que estão nas bases das igrejas evangélicas sabem que precisam da estrutura do Estado para terem dignidade. O pulo do gato será quando nós conseguirmos disputar a defesa da família, não pela moralidade, mas pelas políticas públicas. Mostrar, com respeito, que o que deixa a família segura é o Estado provendo dignidade e garantindo direitos.
O papel do vereador é fiscalizar e denunciar como está difícil a vida no chão do território, assim como redigir leis que proponham soluções para os problemas cotidianos nas cidades: falta de saneamento básico, falta de equipamentos públicos de lazer, economia solidária, dentre outros tão importantes. Respeitar a fé é muito importante, mas não podemos esquecer que o Estado brasileiro é laico e devemos ganhar as mentes e os corações das pessoas pela defesa dos direitos delas. Conversando diretamente com suas necessidades.
A pessoa evangélica está pagando uma fortuna no transporte público, a pessoa evangélica está sendo prejudicada pelo preço da feira. A pessoa evangélica está sendo prejudicada pela ausência de políticas públicas de saúde mental e de acolhimento às pessoas que estão em situação de rua. A pessoa evangélica precisa de respeito, e nisto erramos em 2018 – e temos errado muito nos últimos anos.
Generalizar os evangélicos é uma atitude que nos custou uma intensificação da polarização política que nos custou muito nas últimas eleições. Mas não podemos perder isso de vista. Mas precisamos educar a população para a laicidade, precisamos defender políticas públicas para todas as pessoas, de todas as religiões.
Temo que a gente acredite que para ganhar evangélicos, tenhamos que mudar nosso discurso, amenizar o que acreditamos, retroceder no que acreditamos ser necessário avançar. Temo que a gente se perca no objetivo de ganhar evangélicos e esqueça que todas as pessoas que vivem no território precisam de uma cidade acolhedora, com um trânsito menos violento. Com alternativas de mobilidade urbana, com qualidade de vida.
Ganhar os votos de evangélicos apenas na linguagem religiosa é um erro: não politiza, não disputa realmente o sentido do que é a democracia. Precisamos viver o território, precisamos conversar com as lideranças comunitárias. Precisamos dialogar com todas as pessoas, mas não podemos nos perder no caminho.
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