Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

É Islam ou islamismo?

Atilla Kuş: O islamismo teve diferentes grupos e interpretações conforme o país em que era estabelecido

Meca, Arábia Saudita. Foto: STR / AFP
Apoie Siga-nos no

Este é um assunto delicado e um pouco confuso de se falar. Inclusive é bastante complexo e cheio de controvérsias, mas neste artigo tentarei explicar o que quero dizer com a pergunta.

Na segunda metade do século XIX algumas ideologias políticas foram surgindo conforme os ideais de nacionalismo e de estados-nação foram se consolidando no Ocidente e começaram a influenciar o mundo oriental.

Diante desta onda que levou impérios à dissolução, no Império Otomano, que assegurava o califado islâmico e a liderança do mundo islâmico, houve a emergência de ideais/ideologias para conter os prejuízos que a onda de nacionalismos causava.

Uma das ideologias foi o otomanismo que propunha uma identidade otomana sem distinguir raça, etnia e religião entre os cidadãos.

O poeta turco Namik Kemal foi um dos idealizadores dessa ideologia, que não foi muito válida. Depois que vários povos balcânicos tiveram suas independências, as tentativas de conter essa dissolução gradativa do Império Otomano levou-o a adotar a ideia de unir os povos muçulmanos na identidade islâmica para que a união otomana que tinha o califado em mãos tivesse continuidade.

Esta ideologia se formalizou por vários poetas e estudiosos islâmicos no início do século XX. E, assim, a história testemunhou o surgimento do islamismo, que foi uma ideologia política baseada nas raízes religiosas de seus componentes.

Como otomanismo, o islamismo também foi perdendo espaço ao ponto de quase sumir totalmente quando as ideias de estados-nação se implementaram nas sociedades majoritariamente islâmicas.

Porém, ele reapareceu quando as reações contra o colonialismo ocidental nos países de maioria islâmica como Egito e Paquistão e em outros países onde a laicidade foi aplicada de forma hostil à religião, como na Turquia por exemplo. Porém, não muito tarde, esta ideologia reapareceu em países como Turquia, Egito, Paquistão etc. em diferentes formas.

O islamismo teve, portanto, diferentes grupos e interpretações conforme o país em que era estabelecido. Na Turquia, por exemplo, os primeiros grupos e partidos políticos islamistas foram formados na década de 1970 e desde então vários partidos foram fundados e fechados, na maioria das vezes como resultado de processos jurídicos.

Se formos seguir o exemplo da Turquia, a laicidade foi aplicada de uma forma violenta a ponto de executar os religiosos e estudiosos que se opunham a essa prática. Na maioria das vezes, o laicismo servia para as elites destes países. Neste sentido, tanto o surgimento de grupos políticos islamistas quanto a oposição de estudiosos que se rebelaram contra o laicismo foram perturbadores e por isso estes partidos foram fechados por “processos judiciais”.

Ao dizer que “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor”, Paulo Freire tinha muita razão, pois depois de longo tempo, quando alguns grupos islamistas assumiram o poder em seus países, a hostilidade que estava nas mãos das elites passou a ser empregada pelos antigos oprimidos e marginalizados e hoje tem, no mundo islâmico, governos islamistas que são hostis com o “outro” que outrora também foi hostil. Portanto, esses grupos perderam os seus focos de estabelecer uma sociedade justa a todos e passaram a se vingar dos antigos opressores e atacar aqueles que não os apoiam, mesmo que sejam também grupos islâmicos ou islamistas.

Conclusão: é comum que aqui no Brasil se use tanto a nomenclatura islã quanto islamismo para referência à religião islâmica. Porém, como pode ser reparado nos parágrafos anteriores, o islam (assim prefiro escrever) é uma religião que tem um histórico de 1.400 anos, enquanto o islamismo é uma ideologia política que surgiu e se estabeleceu nos últimos dois séculos. Embora a base do islamismo sejam os valores do islam, hoje, na minha humilde ideia, o islamismo não representa o islam de forma necessária.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar