Diálogos da Fé

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Diálogos da Fé

“Democracia acima de tudo, Deus no meio de todos”. Que venha 2023!

As narrativas do nascimento de Jesus, o Deus Encarnado, a Palavra feita Carne, ao mundo, contam de uma chegada, de fato, “conosco”

Enfeite de Natal (Foto: Pixabay)
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Nos últimos quatro anos, a vida pública do País foi acompanhada pelo lema do governo que se despede: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Depois do que foi vivido sob este mandato, este lema será, de forma justa, substituído. Optei pela paráfrase contida no título deste artigo, como um registro propositalmente crítico, mas igualmente cheio de esperança, inspirado pelos ventos trazidos pelo período pós-eleições, pela tradição teológica cristã, e com ela, pelo Natal.   

O Natal é, sim, uma data cristã, mas que tem em si um sopro que envolve todas as pessoas de boa vontade (as verdadeiras pessoas “do” bem), para apregoarem, justamente, o que o Brasil precisa em sua reconstrução: paz na terra! 

O Natal, segundo a fé cristã, é a memória do nascimento de um neném: Jesus, filho de Maria, criado também por José, presença encarnada do Deus Criador entre os seres humanos. As narrativas da Bíblia nos afirmam que este neném tinha um nome simbólico, Emanuel (no hebraico: עמנואל) que significa “Deus conosco” (de acordo com os textos bíblicos de Isaías 7.14 e de Mateus 1.23).

Deus Conosco, ou Deus no Meio de Nós, é o termo mais preciso para dizer de Jesus e do Natal. As narrativas do nascimento de Jesus, o Deus Encarnado, a Palavra feita Carne, ao mundo, contam de uma chegada, de fato, “conosco”, “entre os seres humanos”, entre nós, nas condições bastante adversas, vividas por tanta gente no mundo. 

Jesus/Emanuel nasceu filho de um casal pobre, morador de Nazaré, periferia da Judeia, hoje, a Palestina (quem desejar comparar, basta pensar na periferia mais sofrida do nosso Brasil – era a Nazaré, da família de Jesus). O parto ocorreu em condições adversas, pois houve um deslocamento forçado para outra cidade, Belém. O motivo foi o censo imposto pelo Império Romano, que ocupava militarmente e dominava o país. 

A situação é muito parecida com a da própria Palestina hoje, ocupada militarmente por Israel. Também com a de muita gente forçada a se deslocar para buscar emprego, atendimento de saúde ou para fugir de consequências de crimes ambientais (inundações, secas, queimadas, desmatamentos). 

Para a família de Jesus/Emanuel não havia abrigo nem lhes restou o mínimo de conforto e higiene, nem para o parto – como sofrem hoje os moradores de ruas das nossas cidades. 

Jesus nasceu no local que sobrou à sua família: um curral, entre animais e odores nada agradáveis (“manjedoura”, como se usa muito, é um termo que ameniza a crueza do episódio). Nenhum glamour. 

O neném, com toda a sua fragilidade e em meio à simplicidade da família e das condições do seu nascimento, torna-se portador de uma notícia inusitada: era Deus se fazendo gente, habitando entre os seres humanos. Deus se colocou no meio deles. E isto se faz por intermédio daquele bebezinho, dependente, fraco e sem conforto. 

Esta é a “carteira de identidade” de Deus. Representação concreta do amor incondicional desse Ser Divino pela humanidade. Uma identidade que inspira: humildade e despojamento; boa vontade com o possível e com o que se sonha; paz e reconciliação; misericórdia e compaixão; inconformismo e indignação frente a desigualdades, exclusões e injustiças.

Quando o neném Jesus/Emanuel nasceu, o país dele estava sob ocupação, a população pagava impostos altíssimos e a exploração de quem tirava vantagem de tudo isto (corrupção) era uma prática corrente. Neste contexto, o poder político-religioso apresentava um deus acima de todos, inacessível e controlador, que colocava fardos pesados sobre as pessoas. Com a religião, se discriminava quem era considerado impuro e pecador e se deveria cumprir rígidos protocolos comportamentais e rituais para se ver livre dos estigmas. 

O Deus que vem para o meio dos seres humanos, por meio de um neném frágil e dependente, num lugar simples, sujo e malcheiroso, entre pessoas pobres e despojadas, mostra um outro sentido da vida e da fé. “Paz na terra às pessoas de boa vontade”, “Deus, o salvador, dispersa os soberbos e exalta os humildes”, “o mal não é o que entra mas sim o que sai da boca das pessoas”, “os últimos serão os primeiros”, “felizes os promotores da paz” – estes e outros tantos posicionamentos em torno de Jesus/Emanuel são caminhos de oposição, uma nova perspectiva na relação com o Deus Criador. 

As primeiras testemunhas do nascimento são trabalhadores rurais, os que declararam as boas notícias de que com aquele neném renascia o sonho da paz com justiça no mundo. Outras testemunhas são bem diferentes, sábios ricos de outros povos, outras fés, cuja presença inspira a noção de que Deus está no meio de todos, sem exclusivismos, distinção de culturas ou religiões.

O Natal é o tempo de convite às pessoas que se identificam com esta história a assumirem a fé e a simpatia pelo Deus Emanuel, o Deus Conosco, entre nós, ao nosso lado – não um deus acima, distante, refém dos donos do poder político. 

Por isso, o Natal é um convite para se fazer o caminho contrário do oportunismo da instrumentalização política de Deus, do glamour ofuscante das luzes que mercantilizam esta história e de toda a arrogância religiosa que transforma o neném Jesus/Emanuel num ícone a ser consumido para justificar o conformismo frente às graves formas de injustiça.

O Natal é um tempo urgente, uma oportunidade, para quem tem fé no neném Jesus que nasceu em Belém e também para quem não tem, e são pessoas de boa vontade, que cultivam os valores que nasceram com ele naquele curral. Oportunidade de teimosamente dizer que o Brasil usado e abusado tem jeito e pode ser novo em 2023!

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