Diálogos da Fé

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Diálogos da Fé

Com a benção de Nossa Senhora Aparecida, a democracia resiste

Ao festejar a padroeira, o Brasil precisa reencontrar o caminho do respeito, da tolerância e do amor, indispensáveis para a manutenção da democracia

Com a benção de Nossa Senhora Aparecida, a democracia resiste
Com a benção de Nossa Senhora Aparecida, a democracia resiste
A padroeira do Brasil
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A fé dos brasileiros encontra em Nossa Senhora Aparecida uma síntese de união, generosidade e compaixão. Até os não católicos, como eu, reconhecem em sua imagem os atributos de uma grande mãe, que extrapola os limites da cristandade e simboliza a própria diversidade do nosso País.

O risco de tempos sombrios me faz lembrar que nas águas de um rio caudaloso, na busca do sustento e da esperança, a beleza da fé se revelou. Trouxe a fartura, encheu a rede e refletiu toda luz da devoção e da bondade. Três pescadores, três homens humildes, testemunharam o milagre. Primeiro a corpo, depois a cabeça e em seguida a abundância.

Talvez agora tenhamos que rogar à padroeira pela paz, para que a hora de nossa morte não se precipite, para que vidas não sejam ameaçadas pela naturalização da violência e do ódio.

Nossa Senhora da Conceição Aparecida, santa mãe padroeira, rogai por nós, brasileiros, desvalidos, desprotegidos, desprovidos de toda sorte.

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Olhe por essa gente que sofre com o descaso e a maldade daqueles que desumanamente matam e ferem porque não admitem a diferença, porque não respeitam direitos, porque não sabem conviver. Cubra com seu manto de paz nosso povo sofrido e cada vez mais triste.

Clamar pelo futuro desse País nunca foi tão necessário. Que santos e orixás se unam pelo bem maior, que essa luz divina possa nos guiar nesses tempos obscuros, que venha o caminho da conciliação, da concórdia. Somos teus filhos, mãe, e esperamos em ti a salvação, a solução para nos livrar das trevas. Olhai por nós.

Virgem Santa, padroeira do Brasil, em teu manto azul reluz o ouro das Minas Gerais e em tua cabeça brilham as estrelas do Cruzeiro. Escurecida pelas águas, tua imagem é a identidade do nosso povo. Compadecida com o sofrimento dos escravos, vieste negra. Apareceste tão parecida com nossa gente, que quando a coroa dourada reluziu em tua fronte, vimos em ti nossa Oxum mais bonita, mãe do povo negro, Nossa Senhora.

Tua divina proteção deu-nos a força para suportar o açoite, o peso da chibata. Mas o sangue negro segue a ser derramado. Nossa gente ainda sangra nos pelourinhos. Nessas periferias e confins, a tiros e facadas, os nossos continuam morrendo. Numa guerra de ideologias, na lógica dos velhos privilégios, nossas vidas valem menos.

Na força de tua imagem aparecida, tantos milagres, tantas súplicas atendidas. Não abandone teu povo. No nosso imaginário, no nosso inconsciente coletivo, tua figura marcante alimenta o sentimento de pertencimento que nos faz emergir como uma nação que ainda quer acreditar no futuro.

Estás em todos os lares, em todos os bares, sem distinção. Sei que acreditas na justiça e na igualdade. Não nos deixe sucumbir nessa onda de intolerância. Ilumina, mãe, as mentes e corações de todos os brasileiros. Permita que o amor seja vitorioso.

O rugido de uma onça raivosa ecoa. Livra-nos mais uma vez. Sou eu mesmo testemunha de teus milagres e sei que te ergues com a força dos raios de Iansã quando a vida de teus filhos corre perigo. É o Brasil que clama, Rainha. Metade do teu povo está perdida, cega e desavisada. Ilumina essa gente.

Assim como o cavalo ficou preso no adro de tua capela, não permita que a mula da tirania macule a soberania, viole liberdades ou retire direitos. Que a força do teu amor, como as velas que se acendem milagrosamente em teu humilde altar, seja capaz de comover e conduzir o povo à plenitude de uma pátria solidária, mãe, gentil.

Como libertaste dos grilhões da escravidão o negro Zacarias, liberta teu povo das falácias de um falso messias, pois quem não sabe unir no amor de Cristo, esse amor que respeita as diferenças e abre todas as portas do reino dos céus, fecha caminhos para o entendimento e o diálogo, sujeitando as minorias, fazendo curvar-se o mais fraco.

Sei que acreditas na liberdade de consciência e de crença. Sei que me respeita e me ama ainda que não professe a fé na tua igreja.

És padroeira, és rainha. Tens uma legião, um exército de filhos de Ogum a teus pés. Prontos pra lutar, prontos pra resistir, mas não é o que queremos. Almejamos a paz, a harmonia, o entendimento.

O Brasil só quer ser feliz de novo, mais nada. Não deixe a fome nem a miséria assolar nossa gente humilde. Esse povo trabalhador herdou do índio e do negro a beleza e a fé, o apreço pela natureza, a alegria de viver e a inteligência para sobreviver. Não somos indolentes nem malandros, só tivemos na dor uma trajetória recorrente de superação e glória.

Cantamos nossa fé nos orixás ou no teu altar com a mesma devoção. Caipiras, retirantes, migrantes, refugiados, todos cremos em ti. E te pedimos, “em romaria e prece, paz nos desaventos”.

Senhora de Aparecida, teus fieis peregrinos pedimos que cuides de nossas vidas, de nossos destinos, de nossos caminhos. Cuida de nós, cuida do Brasil.

Padroeira, mãe, símbolo da unidade democrática do povo brasileiro, és orgulho, és tradição. Das congadas, ao lado de São Benedito e Santa Ifigênia, juntaste em irmandades a negritude, permitindo a reconstrução de nossa identidade. Abrigaste, sob teu manto azul bordado em ouro, os mais pobres, os mais negros, os mais sofridos.

Esse povo não mede distância pra te louvar. Percorrem milhas e milhas, carregam suas cruzes, demonstram em sacrifícios todo amor que tu inspiras. Saem dos rincões, dos litorais ou sertões para pedir e agradecer tuas graças.

Mãe-preta do Brasil, de todos os cantos da nação teus devotos testemunham teus milagres e bênçãos. Se hoje tenho duas pernas perfeitas, intactas, dou graças a ti, que atendeste por inteiro o pedido de minha mãe, que carrega teu honroso nome, mesmo ela tendo cumprido pela metade a promessa que te fez. Mãe amada, mãe de misericórdia.

Virgem Aparecida, que atende a todos os filhos do Brasil, inclusive este devoto dos orixás. Mãe que não faz distinção de teus filhos e os ama incondicionalmente. Permita que neste momento de medo e incerteza tenhamos a graça de alcançar a verdadeira fé, conceda-nos sonhar com o fim das mazelas, das discriminações, do racismo, da homofobia, do machismo.

Dai-nos o caminho para acreditar e construir a nova aliança. Torne impossível essa ameaça que paira sobre nós. Preserve nossa liberdade de continuar acreditando no que bem quisermos.

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