Diálogos da Fé
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Diálogos da Fé
Bolsonaro vs. Haddad
O Brasil vai escolher entre um candidato que defende uma ditadura e faz apologia à tortura e outro que luta por valores democráticos


Muita coisa deve acontecer até domingo. Nenhuma das candidaturas ousaria se declarar vitoriosa em meio a tantos acontecimentos que, a qualquer instante, podem mudar o rumo da História. Não, senhores e senhoras, não é uma disputa comum na qual os concorrentes são equivalentes e representam duas tendências simplesmente opostas.
Uma eleição marcada pelo excesso de Fake News e abuso do poder econômico, que pôs em xeque instituições como o STF e o TSE, que causou agressões e mortes, que dividiu ainda mais o País. Não são apenas dois projetos de governo que se digladiam, é a população sem rumo, manipulada por um discurso de ódio que há muito extrapolou os limites do aceitável e que não respeitou em nenhum momento as regras do jogo democrático.
As declarações polêmicas de Jair Bolsonaro, muitas de cunho racista, misógino, machista, homofóbico, xenófobo, soam como verdades para boa parte de seu eleitorado, que, escamoteando esses sentimentos num discurso antipetista, aproveitam a situação de polarização para destilar todos os seus preconceitos e vociferar contra direitos e a favor de privilégios.
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Não, amigos, não é uma eleição qualquer. Quando imaginaríamos que um dia iríamos escolher entre um candidato que defende uma ditadura e faz apologia à tortura e outro que luta por valores democráticos e é apadrinhado por um preso político?
Pior, quando presumiríamos que um projeto que defende ideias fascistas chegaria a disputar a Presidência de República com chances de vencer?
Fernando Haddad, ex-ministro, ex-prefeito, um professor, enfrentou desde o início uma guerra desigual. O apoio do ex-presidente Lula foi, ao mesmo tempo, uma grande vantagem (tanto que garantiu sua ascensão até o segundo turno) e um prejuízo, uma vez que alimentou uma série de argumentos falaciosos que contestavam a capacidade e a autonomia de Haddad para governar.
Radicalizar uma eleição porque do outro lado tem o PT, que cometeu erros, mas elevou o Brasil à condição de potência mundial, é um imbróglio, uma esparrela que desvirtua completamente o sentido da disputa e do jogo democrático. Não há extremos quando do outro lado existe uma ameaça fascista.
Se por um lado as mentiras se espalham na velocidade da luz, por outro se forma um levante que promete virar cada voto de indecisos, revoltados e também dos que haviam escolhido o outro candidato no primeiro turno.
Com isso, Haddad ganhou fôlego e vê na curva ascendente das pesquisas uma possibilidade real resplandecer. Como cantou Roberto Ribeiro: “Ainda resta um pouco de esperança, apesar das desavenças.”
No candomblé dizemos assim: “enu ejá pá ejá”, ou seja, “o peixe morre pela boca”. É preciso ter cuidado com o que se fala, mas Bolsonaro fez de sua língua uma faca afiada que agora corta sua própria carne. Falou o que quis e fornece argumentos suficientes aos que pretendem convencer os indecisos.
Ele avisou que quem discordar ou vai para o exílio ou será preso, disse que as minorias terão de se curvar à vontade da maioria, que mulher tem que ganhar menos, que quem contrai Aids não pode cobrar tratamento caro do Estado.
Deixou claro que vai acabar com a demarcação de terras indígenas e quilombolas, que não tem essa de Estado laico e despreza as religiões afro-brasileiras, além de aliar-se a Edir Macedo. Pretende vender todas as estatais, retirar ainda mais direitos trabalhistas e acabar com programas sociais.
Universidades, ONGs, projetos sociais, escolas de samba, terreiros de candomblé e umbanda, blocos afro e afoxés, associações LGBTs, feministas e indígenas, remanescentes de quilombos, movimento hip hop, torcidas organizadas tomaram posição e se manifestaram a favor da democracia.
Vejam a que ponto chegamos, senhores e senhoras: alguém passa diante de um negro ou afro-religioso e grita o nome do Bolsonaro. Um professor da academia chega para o aluno gay e diz, com sarcasmo, “sua mamata vai acabar quando ele ganhar”. Um grupo de mulheres caminha, ciclistas passam e gritam o nome dele. Uma torcida canta que ele vai “matar viado”. Uma parte da população se sente ameaçada e outra se sente no direito de ameaçar.
Ao se considerar o que Bolsonaro falou sobre as religiões de matriz africana e sobre as reivindicações da população negra, a revogação da Lei 10.639 é certa.
“Não tem essa de Estado laico, o Estado é cristão e quem não concordar que se mude”, afirmou. O candomblé nunca esteve tão ameaçado. Um retrocesso que nos levará praticamente de volta à escravidão.
Quando recebeu o apoio do ex-líder da Ku Klux Klan, suas atitudes racistas ficaram patentes. Ele disse que quilombola não serve nem pra procriar e comparou negros a gado. Falou que seus filhos foram bem educados e por isso não se envolveriam com negras. É contra as políticas de cotas e todas as demandas de indígenas, nordestinos, mulheres e gays, que classificou como “coitadismo”.
Sou filho de uma empregada doméstica e foram mais de 120 anos de luta e humilhações até que a categoria conquistasse, somente no século XXI, o mínimo de dignidade.
Resquício gritante da escravidão, o trabalho doméstico reproduziu cotidianamente as relações entre casa-grande e senzala. Ao conquistar esses direitos, as empregadas viveram uma nova abolição.
Minha mãe serviu a mesma família por mais de 30 anos. Viu crescer filhos e netos. Teve sorte: sempre foi respeitada. Uma exceção nessa regra de subserviência e vilania. Demorou, mas essa lei tornou-se um marco nas políticas de inclusão social. Vocês sabem, amigos, qual foi o único deputado que votou contra?
Como sugeriu Vinícius, talvez tenhamos que pôr um pouco de amor numa cadência. Zeca Pagodinho e Jorge Aragão disseram em música e poesia que “cada um de nós deve saber se impor e até lutar em prol do bem estar geral”.
Pensar nos rumos do País é responsabilidade de todos e todas que acreditam na democracia como um valor indispensável para a construção de uma sociedade justa e igualitária.
“Afastar da mente todo mal pensar, saber se respeitar, se unir pra se encontrar” e assim renovar a esperança e suplantar diferenças.
Ninguém aguenta mais tanto ódio, “por isso, vim propor um mutirão de amor.” “Pra que as barreiras se desfaçam na poeira e seja o fim”, precisamos ter coragem. Sim, meus irmãos, só “o fim do mal pela raiz, nascendo o bem que eu sempre quis, é o que convém pra gente ser feliz”.
“Cantar sempre que for possível, não ligar pros malvados, perdoar os pecados. Saber que nem tudo é perdido, se manter respeitado, pra poder ser amado.” Num domingo de paz e harmonia, o amor vencerá.
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