Diálogos da Fé

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Bíblia, emergência climática e eleições

Como evangélica que sou, o Salmo 1 me ajuda a enraizar minha espiritualidade e conectá-la à pauta climática, transformando essa luta em um ato urgente

Bíblia, emergência climática e eleições
Bíblia, emergência climática e eleições
(Foto: Comunicação MTST)
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A leitura do Salmo 1 pode nos provocar uma interessante reflexão sobre a questão climática. No verso 3, o escritor afirma que a pessoa sábia: “será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, que dá o seu fruto no seu tempo; as suas folhas não cairão, e tudo quanto fizer prosperará”. Essa comparação oferece uma intencional subversão de perspectiva, que de forma fascinante desloca o foco da sabedoria encarnada no ser humano e presente em filósofos, acadêmicos e até líderes espirituais, para um ente não humano: uma árvore que nos apresenta a sabedoria a partir da perspectiva da terra, como na Ecosofia de Guattari.

Só pode desenvolver a sabedoria a partir da terra e de seus ensinamentos quem aprendeu a investigar as interações entre sujeitos e meio ambiente, buscar compreender mais profundamente a teia de significados que nos fazem pertencentes ao mesmo ecossistema comunicativo, e quem resgatou a habilidade ancestral de contemplar, aquiescer e transformar tudo isso em saber. Conhecer e aplicar as três ecologias — a da subjetividade humana, a do meio ambiente e a das relações sociais — faz parte das ferramentas necessárias para buscar ações concretas que considerem as conexões entre a humanidade e o bioma em que se vive. Esse movimento, não só filosófico, mas também existencial, está totalmente ligado às pautas trazidas ao debate popular pela emergência climática que enfrentamos.

O planeta tem gritado, mas poucos têm ouvido efetivamente. O descaso e o mau uso de seus bens, que vão além de “recursos” naturais e são parte de uma intrincada rede da vida da qual fazemos parte, estão degenerando em situações extremas, com impactos severos sobre a vida de todos e todas. Diante da emergência climática e das eleições, o cuidado com o meio ambiente precisa ser alvo da nossa observação criteriosa, especialmente entre os evangélicos, pois faz parte dos ensinamentos de Cristo o cuidado com toda forma de vida. Ao escolher a candidatura que receberá nosso voto, precisamos considerar se votaremos em quem entende que a emergência climática na qual estamos imersos é uma condição essencial para o bem-estar de todo o corpo social.

Após ler as propostas dos candidatos do Rio de Janeiro, percebi que alguns sequer mencionam projetos para políticas públicas efetivas nesse quesito, um absurdo diante das consequências ambientais alarmantes que vivemos no capitalismo tardio. Não apenas a cidade do Rio de Janeiro, mas todo o estado tem convivido com catástrofes ambientais cada vez mais sérias nos últimos anos. Podemos contabilizar inúmeros deslizamentos de terra causados pela urbanização inadequada de áreas de risco, inundações após chuvas torrenciais devido à drenagem e assoreamento ineficiente de rios, além de um número crescente de mortes em decorrência das ondas de calor cada vez mais severas, ligadas diretamente à falta de arborização.

Essas catástrofes atingem majoritariamente a parcela da população que já se encontra em situação de vulnerabilidade social. Os pobres pagam, de forma desproporcional, pelos efeitos do caos climático. Por isso, é urgente expor candidatos que apresentam apenas planos genéricos, desenvolvidos por seus partidos com pseudo-soluções uniformes para todas as candidaturas. Não devemos votar em quem não trata diretamente das questões ambientais locais, ou que as aborda apenas pelo viés do lucro e não da preservação em si.

Promessas genéricas não bastam. São muitas as particularidades de cada bioma do país que demandam atenção urgente. Se assim não for, não teremos condições mínimas de vida. Vivemos na era do Capitaloceno, um termo cunhado em 2009 por Andreas Malm como alternativa ao Antropoceno. Essa ideia critica a noção de ‘Era do Humano’ e propõe a ‘Era do Capital’, ao considerar que a ação humana é indiscutivelmente afetada pelas relações políticas e econômicas de poder e desigualdade no contexto do capitalismo global, que se mostra predatório. Sobreviver no Capitaloceno demanda ainda mais organização popular pela sobrevivência.

Há uma lista de iniciativas que os parlamentares eleitos no próximo mês precisam ter em seus radares. As temáticas vão desde a necessidade de projetos para a redução das emissões de gases de efeito estufa, até a extinção do uso de agrotóxicos nos plantios municipais, investimento em hortas comunitárias e na agroecologia familiar, melhoria do sistema de alarmes para riscos de inundações e deslizamentos, reflorestamento das áreas degradadas da Mata Atlântica e investimento consistente em educação ambiental nas escolas públicas.

Como evangélica que sou, o Salmo 1 me ajuda a enraizar minha espiritualidade e conectá-la à pauta climática, transformando essa luta em um ato urgente diante do capitalismo tardio que segue devorando territórios pelo lucro. Trago essas palavras sagradas porque, quando o salmista fala de árvore, água, fruto e folha, ele abre espaço para pensarmos nas árvores que queimam, nas águas envenenadas, nos frutos cheios de agrotóxicos e nas folhas secas, consequências do desequilíbrio que temos causado ao planeta. Essas palavras são também ferramentas para nos inspirar na defesa dos nossos biomas. A árvore que impulsionou essa reflexão nos provoca a considerar que, para que ela exista e seja referência de sabedoria, é preciso cuidar da Casa Comum através de boas escolhas parlamentares. As políticas públicas precisam focar na questão ambiental com urgência, e por isso estas eleições são decisivas. Que tenhamos a sabedoria da árvore, priorizando a vida e a diversidade, nas nossas escolhas eleitorais.

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