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Bem aventurados os profissionais da saúde

O Brasil está doente, não só pela covid-19, mas pelo vírus do ódio, da violação dos direitos humanos e do autoritarismo

Profissionais da saúde no combate ao coronavírus. Foto: Kenzo Tribouillard/AFP
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Tenho ficado bem impressionado – e imagino que a maioria dos(as) leitores(as) também – com relatos de amigos(as) profissionais da saúde (médicos(as), enfermeiros(as) e auxiliares) sobre os dramas que têm vivido durante essa pandemia. Quem não lembra da enfermeira que recebeu uma marmitada na cabeça porque estava de roupa branca dentro do metrô? Ou das carreatas da morte em frente aos hospitais?

Uma querida amiga, que é médica, relatou que nunca viu algo tão devastador e triste: “Algumas pessoas entram andando, conversando, respirando com dificuldade e saem em um saco plástico preto. A gente tem feito tudo o que pode. O mais triste é ver essas pessoas não podendo se despedir de suas famílias. Morrem sufocadas e sozinhas”.

 

Outro amigo médico tem relatado suas angústias nas redes sociais, como forma de sensibilizar outras pessoas. Por vezes ele tem postado vídeos ou fotos chorando, pedindo para que as pessoas fiquem em casa, pois o sistema de saúde está em colapso. É de cortar o coração de quem tem o mínimo de decência, empatia e respeito pela vida.

Todas essas histórias são muito desoladoras, mas a cena animalesca de seguidores bolsonaristas fanatizados – um deles se diz cristão, mas faz o contrário do que o próprio Cristo recomendou – atacando enfermeiras que protestavam em Brasília, pacificamente e em silêncio, por melhores condições de trabalho em meio a uma doença cruel e desconhecida que já matou mais de 150 profissionais da saúde, 7.288 pessoas ao todo no país.

Trabalhei na Febem e via como os garotos tratavam os profissionais de saúde. Ninguém mexia com eles. O mesmo é relatado pelo dr. Drauzio Varela, renomado médico e que também tem sido alvo do ódio de “cidadãos de bem”. Drauzio conta, em suas entrevistas e seus vários livros, como é respeitado nas cadeias em que atua e como os prisioneiros/as são gratos pela sua colaboração.

Mesmo a guerra tem limites: há relatos de cessar fogo durante o transporte de pacientes feridos ou durante o abastecimento de remédios, protegendo profissionais e estabelecimentos de saúde. O Brasil está doente, não só pela covid-19, mas pelo vírus do ódio, da violação dos direitos humanos e do autoritarismo.

Devemos nossas vidas aos profissionais de saúde, que têm tentado “achatar a curva” de transmissão, mesmo lutando diariamente contra um presidente que diz não ser coveiro e responde “e daí?” quando indagado sobre as mortes.

“Achatar a curva” significa desacelerar a disseminação do vírus para que o número de casos se espalhe ao longo do tempo, evitando picos de contágio. No Brasil, a estratégia visa também manter o surto sob controle até o desenvolvimento de uma vacina (algo que vai levar pelo menos mais um ano) e o fim do inverno, época em que infecções respiratórias como a gripe se espalham mais facilmente.

Para nós, cristãos, cada gesto de misericórdia – miseratio (compaixão) + cordis (coração) = coração compadecido – desses profissionais, cada corpo cuidado (li sobre uma enfermeira que, mesmo sem nenhuma condição, prepara os corpos dos mortos, perfumando-os), cada visita a um corpo com dor e sofrimento, representa o corpo do próprio Cristo e as suas mãos representam um lugar de Betesda, sem a pretensão de ser proselitista, sabendo que os profissionais de saúde pertencem a várias comunidades de fé ou a nenhuma.

O Tanque de Betesda era um reservatório de água em Jerusalém e ficou conhecido na Bíblia por ter sido o lugar onde um paralítico foi curado por Jesus. O Evangelho de João diz que o homem doente aguardava ali alguém que pudesse ajudá-lo a entrar no tanque. Segundo o texto bíblico, o Tanque era um local visitado por muitas pessoas enfermas. Essas pessoas se reuniam naquele local com a esperança de serem curadas quando as águas do tanque fossem agitadas (João 5:3).

O texto dessa semana é uma homenagem a esses profissionais, mas também para denunciar maus tratos, sucessivas violações e exposições que estão sujeitos diariamente e as baixas remunerações, em especial, maqueiros, atendentes e auxiliares de enfermagem.

A Câmara dos Deputados analisa mais de 10 projetos de lei que visam conceder pensão especial e indenização para familiares de profissionais de saúde e de outras atividades essenciais que morram de covid-19.

O projeto de lei 2007/20 é um dos que prevê a criação de um auxílio especial de um salário mínimo a ser pago mensalmente para os dependentes econômicos dos trabalhadores que venham a falecer em decorrência da exposição ao coronavírus no exercício de suas funções profissionais. Se você concorda, pode fazer pressão por meio da campanha Auxílio Para Saúde, que será votada nos próximos dias.

Que esses profissionais continuem sendo misericordiosos com nossos doentes, que continuem sendo sensíveis com a dor alheia e que continuem sendo bons samaritanos, ajudando a quem precisa, sem nenhuma distinção. À esses profissionais, minha eterna gratidão.

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