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As mãos de Deus são as nossas mãos a serviço da humanidade

O papa Francisco nos mostra que estão nas mãos dos homens as ações necessárias para que vivamos em paz e harmonia em nossa casa comum

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Ao longo da semana, a Paróquia São Francisco de Assis de Ermelino Matarazzo, Zona Leste da cidade de São Paulo, está sediando a 24ª Semana Teológica daquele setor pastoral. Realizado duas vezes ao ano – fevereiro e julho -, o evento já se tornou tradicional na região. Sua principal característica reside na abordagem de questões teológico-sociais contemporâneas. Dentre os temas desta edição, o Sínodo para a Amazônia convocado pelo Papa Francisco, que tem por tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e por uma ecologia integral”, foi tratado por Dom Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo e presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam).

No início do mês, o mundo pode contemplar um gesto concreto já em sintonia com o Sínodo: o início das operações do barco-hospital de Papa Francisco na Amazônia. Num ato de amor, a Igreja de Francisco se põe a caminho, sai de suas estruturas materiais cômodas e protetoras para ir ao encontro dos que sofrem com o abandono que lhes é legado por aqueles que lhes deveria garantir condições dignas de vida. Mais uma vez, a religião da solidariedade, dos marginalizados, dos abandonados nas periferias da vida e do mundo, se lança em missão numa nova jornada ao encontro de irmãos e irmãs, homens e mulheres “imagem e semelhança de Deus”.

Interessante observar o quanto as atitudes de Francisco têm incomodado determinadas castas da sociedade neoliberal – inclusive membros da própria Igreja. As ações do Papa são de um verdadeiro cristão comprometido e preocupado com a natureza, com a mãe terra, com a humanidade e com o amor ao próximo, tão esquecido em nossos dias.

Para quem buscar conhecer a história do cristianismo e da Igreja Católica, verá que desde o princípio era inaceitável que um cristão pudesse chamar de irmão a alguém que estivesse passando necessidade, sem socorre-lo. Foi no Concílio de Nicéia em 325 que a Igreja estabeleceu que todo bispo presidisse a caridade em sua região por meio da criação de centros de acolhida para peregrinos, pobres, viúvas e crianças abandonadas. Acolher aos marginalizados e abandonados, é, há muito tempo, palavra de ordem.

Cabe aqui uma questão: por que a defesa da dignidade das pessoas defendida por Francisco tem causado tanta estranheza e incomodado tanta gente? Ele só tem falado e agido em defesa dos mais necessitados. Ele tem sido simplesmente um cristão coerente com os princípios e mandamentos de sua religião.

Francisco não está preocupado com as legislações internacionais, com o controle portuário, com os limites fronteiriços estabelecidos em uma terra que não tinha muros quando foi dada aos homens e demais criaturas. Ele está, isto sim, sofrendo com o descaso das autoridades e de grande parte de “cristãos” para com as atrocidades cometidas contra os mais pobres.

Papa Francisco: ele só tem falado e agido em defesa dos mais necessitados (Foto: Alberto Pizzoli/AFP)

Nós estamos vivendo num mundo dominado pelo mercado de valores que em nada se preocupa com o bem-estar da humanidade. Ao contrário, está sempre buscando meios para aumentar ainda mais o capital dos mais ricos e a miséria dos mais pobres. São aterradoras as consequências que este “deus do capital neoliberal” tem produzido.

De acordo com a Oxfam, os 36 indivíduos mais ricos do mundo acumulam uma fortuna igual à renda das 4,7 bilhões de pessoas mais pobres da humanidade. A cada cinco segundos, uma criança com menos de dez anos morre de fome ou de suas consequências imediatas.

Para os fatalistas, que adoram dizer que a terra não pode produzir alimento suficiente para toda a humanidade – e por isso há fome em crescimento -, o relatória da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) revela: em seu atual estado de desenvolvimento, a agricultura mundial poderia alimentar, normalmente, 12 bilhões de seres humanos. Hoje somos 7,7 bilhões de pessoas na terra. Isto significa que a fome é causada pelas mãos dos homens e por eles pode ser eliminada. Deixar uma criança morrer de fome, é cometer assassinato, disse o sociólogo suíço Jean Ziegler em entrevista ao jornalista Jamil Chade.

Aplicar multas pesadas, a quem socorrer um imigrante em alto-mar; obrigar um navio de refugiados a mudar sua rota, ciente de que esta determinação pode ser fatal para aqueles que há dias enfrentam a fome e um mar traiçoeiro, também são ações tomadas pelos homens. A humanidade está desumanizada.

Diante desta realidade, o chamado de Francisco ecoa nos ouvidos e corações de homens e mulheres de boa vontade, compromissados com a verdade do Evangelho de Cristo e com sua obra, como uma lufada de esperança. Seu olhar cristão não se limita à um ponto geográfico no mundo ou recai apenas sobre um ou outro povo. Francisco clama em defesa da humanidade.

Não importa a proporção dos gestos de Francisco: o Sínodo da Amazônia; sua viagem a ilha italiana de Lampedusa para “chorar os mortos dos naufrágios de embarcações que transportam migrantes do Oriente Médio e norte da África, os mortos que ninguém chora; da construção de banheiros, barbearia, lavanderia para os moradores de rua de Roma; a construção de um Navio Hospital para a Amazônia dentre outras tantas, para que os homens voltem suas atenções a ele.

Muitos se espantam e o criticam; outros se incomodam; outros tantos o apoiam e aplaudem. O que Francisco está fazendo é mostrar à toda a humanidade que estão nas mãos dos homens as ações necessárias para que vivamos em paz e harmonia em nossa casa comum.

Coloquemos nossas mãos a serviço juntamente com Francisco, pois, como afirmou o escritor e jornalista francês George Bernanos (1888-1948), “Deus não tem outra mão que seja a nossa”.

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