Diálogos da Fé
Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões
Diálogos da Fé
Aborto não deveria ser fardo ou condição para virar alvo de arbítrios religiosos
Infelizmente, no país do alto índice de mortalidade materna, é assim que funciona
“Venham a mim todas que estão cansadas e sobrecarregadas, e eu as aliviarei!” (MT 11:28)
Cristãs abortam? Sim. A maioria das mulheres que interrompem gestações no Brasil é cristã. A questão é: elas são menos cristãs por isso? E ainda: merecem ser presas ou mortas?
Ao classificar o ato do aborto como “pecado”, as igrejas cristãs desconsideram que milhares de mulheres que se sentam em seus bancos e praticam o aborto o fazem sem pedir permissão para quem quer que seja. Nem por isso deixam de praticar a justiça, o amor ao próximo e a compaixão, valores necessários a qualquer pessoa que se declare cristã. Afirmar que o aborto é um ato de “pecado” é desacreditar e invalidar a capacidade moral e o direito de decisão das fiéis que constroem o dia a dia das nossas comunidades, ministérios e pastorais.
Quando vemos uma irmã diante da decisão de interromper uma gestação, tendemos a julgar sem mesmo antes conhecer. “É pecado, é pecado!” – evocamos antes de ouvir o clamor desesperado daquela irmã, condenando-a ao calvário do estigma e da culpa.
A decisão de fazer um aborto não deveria ser fardo ou condição para virar alvo de arbítrios religiosos. Infelizmente, no país do alto índice de mortalidade materna, é assim que funciona. Há uma via sacra-moral inflamada por líderes religiosos de diferentes religiões quando se trata do aborto. As denúncias contrárias partem majoritariamente das alas cristãs, essas, aqui, questionadas por nós.
Uma mulher morre a cada dois dias vítima de aborto inseguro no Brasil. Declarar que a Igreja Católica ou as igrejas evangélicas, nas suas múltiplas expressões de fé, não são e nunca serão a favor do aborto não diz nada para as milhares de mulheres cristãs que se veem diante da necessidade de interromper uma gestação.
Tal declaração, além de não ser fiel à verdade histórica, não serve para reduzir as desigualdades do mundo. Serve, única e exclusivamente, para reforçar a teologia punitivista e culposa sobre a vida de mulheres que, em sua maioria, já se encontram em situação de extrema vulnerabilidade.
Em fato, as palavras vazias expressam a vontade maligna das instituições eclesiais de seguir castigando essas mulheres e evidenciam o afastamento vocacional das lideranças de seu compromisso com Deus de cuidado e pastoreio, presas em suas batinas e ternos revestidos de ouro e hipocrisia. São líderes religiosos descolados da realidade da vida das mulheres, que carregam a responsabilidade do cuidado sobre seus filhos que, muitas vezes, não possuem nas certidões o nome do pai.
Enquanto mulheres cristãs, compreendemos que o nosso compromisso ético com o Evangelho reconhece a defesa inegociável da vida, a promoção da graça e da misericórdia, e a defesa de uma política que seja capaz de reduzir o número de abortamentos realizados todos os anos. Defendemos, ainda, o fim da mortalidade materna, o combate à violência obstétrica e a apuração das denúncias de inúmeros abusos que ocorrem dentro das igrejas.
Em tempos de crescimento do fascismo e do questionamento à soberania popular, reafirmamos nosso compromisso com a laicidade do Estado e com a democracia. Nosso compromisso é desfundamentalizar e laicizar as decisões e rumos das políticas públicas do país. Isto inclui defender uma agenda digna para as pessoas que gestam e que desejam interromper uma gestação sem serem criminalizadas. Agenda, esta, pautada na ciência, nos Direitos Humanos e na defesa inegociável do Estado Laico.
Não somos a favor da destruição das famílias, promovida por aqueles que defendem que essas mães sejam encarceradas, apartadas de suas crianças e punidas em um dos momentos onde elas mais carecem de cuidado pastoral, psicológico, econômico e social. Enquanto evangélicas(os) e católicas(os) que apostam na justiça reprodutiva como valor ético dos nossos sagrados, continuaremos a denunciar os fundamentalismos religiosos que, pautados no pânico e no horror, tentam criminalizar o debate e manter, desesperadamente, o tema do aborto como está.
Frente Evangélica pela Legalização do Aborto
Católicas pelo Direito de Decidir
Mulheres EIG – Evangélicas pela Igualdade de Gênero
José Barbosa Junior – Pastor – Campina Grande/PB
Lívia Martins de Carvalho – Bispa/Episcopisa da IADLA Brasil
Pra. Lusmarina Campos
Ivone Gebara – Filósofa e Teóloga Católica
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