Diálogos da Fé
Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões
Diálogos da Fé
A tiazinha legal do passe apoia o reaça. E agora?
Para vencer a onda, utilize passagens do evangelho, ouça, reflita, indague, rebata mentiras, mas sem perder o afeto e a compaixão


Ontem, após a apuração dos resultados das eleições, saímos com um grupo de amigoss para comemorar – esse lampejo de esperança – e sentimos a ascensão do espírito fascistóide de perto.
O grupo era majoritariamente branco, classe média e em uma região também de classe média de São Paulo. Alguns passavam de carro e nos ofendiam. Um motoqueiro, lançando a moto bem próxima ao grupo, nos ameaçou.
Havíamos ouvido relatos sobre gente apanhando nas ruas, LGBTs partilhando nas redes sociais as violências sofridas e as humilhações. Negros vítimas de racismo, retirados de aviões e de shows. Mulheres ameaçadas.
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Nessa noite, um militante negro baiano, Moa do Katendê, foi assassinado por um eleitor de Jair Bolsonaro, após uma discussão política. No metrô de São Paulo, uma torcida organizada entoava um hino do horror: “Tome cuidado, o Bolsonaro vai matar viado”.
Em outro canto do País, um homem apertou as teclas da urna eletrônica com uma arma de fogo. Outro quebrou a urna a marretadas, pois suspeitou de fraude. Não é exagero, é fato. E eu não partilharia informações como essas se não tivesse plena certeza de sua veracidade.
Nem Bolsonaro controla mais o bolsonarismo. Ele alimentou as feras e agora não tem mais ascensão sobre a multidão empoderada pela violência, pela desesperança, pela insegurança, pelo racismo, pelo machismo, pelo ódio decorrente da orientação sexual e identidade de gênero.
O que mais dói ver é gente próxima encampando esse discurso excludente, individualista e tirano.
Dói ver religiosos tentando justificar, por meio de escrituras sagradas, teorias divinas e elementos da fé, o apoio ao ódio e à violência.
Dói profundamente ver companheiros espíritos, que em tese sabem – ou deveriam saber, se estudassem as obras fundamentais de Allan Kardec e vivenciassem os preceitos espiritas – que essa não é nossa única existência, portanto podemos, lá na frente, ser impactados por nossas próprias escolhas.
Que o mal utiliza elementos sórdidos e mentirosos, que devemos ter piedade com os criminosos, que atravessamos um período de transição planetária, de provas e expiações, para um período de regeneração, onde reinará o amor, a paz e a justiça e age, assim como defendeu Kardec, no Evangelho Segundo o Espiritismo, como um verdadeiro ser humano de bem:
“O verdadeiro ser humano de bem é aquele que pratica a lei de justiça, de amor e caridade, na sua maior pureza. Se interroga a sua consciência sobre os próprios atos, pergunta se não violou essa lei, se não cometeu o mal, se fez todo o bem que podia, se não deixou escapar voluntariamente uma ocasião de ser útil, se ninguém tem do que se queixar dele, enfim, se fez aos outros aquilo que queria que os outros fizessem por ele.”
Se não foi nada fácil para o Cristo, que pagou com a vida a ousadia de ter enfrentado um sistema corrupto, hegemônico e totalitarista, mas mesmo assim nos deixou um exemplo amorosamente didático e firme, que dirá para nós?
Nunca foi fácil para os sonhadores. Mas quem prometeu que seria?
Não se trata mais de uma eleição como as outras, de direita contra esquerda, de um projeto liberal de país contra um projeto emancipatório e popular. Trata-se da democracia contra a barbárie e o fascismo.
Muitos tombaram antes de nós para garantir alguns valores democráticos inegociáveis: a defesa intransigente dos direitos humanos, de direitos sociais básicos como alimentação, saúde, educação e saneamento, de leis justas, de uma economia sólida e de trabalho decente e seguro.
Que fazer ao constatarmos que a tiazinha do passe, aquela senhora doce e caridosa, que levava torta nas festas de confraternização do centro, que sempre tinha uma mensagem amorosa e de incentivo, aderiu ao discurso do desamor?
Paciência e amorosidade em dobro. Ela, diferentemente daqueles que sempre pensaram assim e esperavam uma oportunidade para saírem dos armários das trevas, das catacumbas da escuridão e das cavernas do ódio, consegue dialogar, consegue ter empatia e consegue entender que a violência não é uma ferramenta potente para combater a corrupção, restabelecer a concórdia e fazer o Brasil voltar a crescer ética, moral e economicamente.
Utilize passagens do evangelho, fale por parábolas assim como Jesus, seja simples, ouça, reflita, indague, rebata mentiras, com afeto e compaixão, do mesmo jeito que você gostaria que fizessem com você se estivesse naquela posição.
Há (r)existência e ela brota de todos os lados: das mulheres, das universidades, das igrejas, dos templos, dos centros, do movimento negros, dos LGBT+, dos estudantes secundaristas, dos movimentos sociais, dos educadores, das donas de casa, dos democratas, dos progressistas.
Independentemente dos resultados das eleições – e eu espero que os fascistóides não triunfem – o estrago foi feito, mas podemos minimizar os seus efeitos.
Lembremos, assim como cantou Chico Buarque: “Amanhã vai ser outro dia”.
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