Diálogos da Fé

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Diálogos da Fé

A maldição da Braskem em Maceió

A mineradora tem extraído sal-gema há quatro décadas embaixo de um território urbano, de modo extremamente irresponsável

O alto das casas abandonadas. Foto: Reprodução
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Durante dez dias, fiz um trabalho de campo no Nordeste brasileiro para minha pesquisa de doutorado. Fui para Maceió com intuito de conversar com a pastora Odja Barros e com todas as mulheres do grupo Flor de Manacá, da Igreja Batista do Pinheiro (experiência sobre a qual escreverei mais adiante, tendo em vista a importância desse coletivo que lê a Bíblia na perspectiva de gênero). Porém, eu não tinha ideia do que eu viveria nos quatro dias que permaneci na capital alagoana. Na Antropologia, temos uma máxima que diz que “devemos nos deixar afetar pelo campo”. Neste caso, não tinha como não me deixar afetar.

Assim que uma querida irmã da igreja me pegou no aeroporto, fomos ao bairro do Pinheiro, demos uma volta na região e eu fiquei em choque com o que vi ali. Acredito que com palavras eu não saiba como traduzir o que presenciei e senti naquele pequeno passeio pelo bairro.

Eu vi com meus próprios olhos a ação demoníaca do “capetalismo”. São cerca de 60 mil pessoas desalojadas de suas casas, três quilômetros de orla lagunar (do complexo de lagoas do Mundaú e Manguaba) e 78 hectares de terra que englobam os bairros de Pinheiro, Bom Parto, Mutange, Bebedouro e parte do Farol que estão totalmente desabitados.

A mineradora Braskem tem extraído sal-gema há quatro décadas embaixo de um território urbano, de modo extremamente irresponsável. A fiscalização do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) de Alagoas fez vistas grossas às imensas crateras abertas que chegam ao tamanho de um campo de futebol. Pois bem, devido às ações da petroquímicas, em 3 de março de 2018, após um desabamento de uma das minas, houve um tremor na região, que fez com que fendas se abrissem nas ruas e nas casas. O chão de muitas casas cedeu e os moradores ficaram em pânico.

O que se tornou a maior tragédia causada por mineração em território urbano do Brasil, para a Braskem foi a oportunidade de se tornar dona de grande parte da cidade de Maceió. A empresa fez um acordo com o Ministério Público Federal, que em nada agrada a maioria da população que foi expulsa da região. O acordo permite que a empresa, ao invés de indenizar as perdas da população, compre os imóveis da região. Retomo aqui que são três quilômetros de orla lagunar em uma das regiões mais bem localizadas de Maceió.

A ação demoníaca desse sistema econômico que mói gente todos os dias é que a Braskem está se tornando dona de boa parte da capital alagoana, enquanto paga preço de miséria como indenização para as famílias que moravam no Pinheiro e região. Ela está comprando desde áreas que são de risco, por conta da ação criminosa da mineradora, até regiões que não oferecem risco, mas que são extremamente valorizadas do ponto de vista da mobilidade urbana. O que a Braskem fará ali? Um condomínio de alto luxo, com vista para as lagoas? É para se pensar…

A ação da empresa teve impacto nas vilas de pescadores, na atividade das marisqueiras que vivem da venda de sururu (um marisco local). Impactou na cultura dos bairros de Bebedouro e Mutange, históricos na cidade. Acabou com as relações sociais e afetivas de milhares de pessoas com seu território. Famílias, amizades e vizinhança foram separadas e espalhadas pela cidade. Microempresas e comércios populares perderam suas fontes de renda. Quase cinco mil trabalhadoras e trabalhadores perderam seus empregos. Quando percorri os bairros, vi uma cena de guerra. Se eu não soubesse que estava no Pinheiro, eu acreditaria facilmente que estava em uma área atingida por uma bomba. Casas sem portas, janelas e telhados. Cinco bairros abandonados, desertos, sem vida, cheirando a morte, a enxofre que exala das ações da Braskem. É um crime ambiental que tem sido escondido pelo poder econômico da Braskem e pelo silêncio do poder público e dos meios de comunicação hegemônicos.

Entretanto, você deve estar me perguntando porque um espaço que versa sobre diálogos em torno de evangélicos no Brasil está escrevendo sobre a situação do Pinheiro. Pois bem, o silêncio da mídia brasileira sobre o caso foi um dos motivos para eu usar este espaço para denunciar esse crime contra a sociedade maceioense. Contudo, a principal razão para eu escrever sobre foi para expor o quanto a ação da Igreja Batista do Pinheiro é exemplar para nós, pessoas evangélicas, e para pessoas de fé, de modo geral.

A comunidade da Igreja Batista do Pinheiro tem protagonizado um lugar de denúncia do crime. Seu templo tem sido aberto para reuniões de moradoras e moradores dos bairros atingidos, tornando-se um espaço de articulação contra as investidas da Braskem. Pude passar longas horas conversando com o pastor Wellington Santos e com a pastora Odja Barros. Eles me contaram como os efeitos das ações da Braskem são os mais terríveis possíveis.

Contam-se onze suicídios de pessoas que adoeceram no processo em que foi instaurado pela ação da empresa. Medo de acordarem em meio a um desabamento, da morte e do desastre. Em segundo lugar, muitos adoeceram ao deixarem suas casas e não darem conta de viver em outros lugares. História de pessoas que enfartaram no dia da mudança, que logo após se mudarem de suas casas adoeceram e definharam até a morte.

O pânico que se instaurou na cidade de Maceió fez com que pessoas abandonassem suas moradias, mesmo que não estivessem em área de risco. O desespero dos moradores favoreceu a Braskem quando comprou todo o território oferecendo valores miseráveis. E como o “capitalismo” não é para iniciantes, houve o aquecimento do mercado imobiliário da cidade. A procura por casas e apartamentos aumentou, e muito. Nunca se vendeu tanto apartamento e casa, nunca se alugou tanto, como agora. E como denuncio sempre neste espaço, o capitalismo é isso: lucro às custas do sofrimento de pessoas que têm suas vidas movidas em um jogo, no qual enriquecer é o objetivo. Os sentimentos, as afetividades e a história de parte importante da cidade de Maceió são totalmente descartados.

A Igreja Batista do Pinheiro, agora, é patrimônio histórico da cidade de Maceió, logo seu prédio não pode ser demolido. A comunidade de fé continua resistindo às investidas da Braskem, que detém em passivos um montante que pode fazê-la lucrar em até 40 bilhões de reais se vender essa área em alguns anos. Ou melhor, fará lucrar quem comprar a Braskem. Isso mesmo, a mineradora que há quatro décadas extrai sal-gema da região urbana de Maceió está prestes a ser vendida e quem comprar receberá juntamente com ela a posse de boa parte da cidade de Maceió.

“Éramos felizes, aqui!” , foi a frase pichada, dentre tantas que li nas paredes abandonadas do Pinheiro, que mais me afetou. As pessoas tiveram suas vidas reviradas, saíram compulsoriamente de seus lares, choram e rangem seus dentes perante o desastre ambiental, social e financeiro causado pela mineradora, em suas vidas.

Para mim, não há outra saída para a humanidade, senão a queda do capitalismo. O que está acontecendo em Maceió é o exemplo de que não há escrúpulos para esse sistema econômico. Mesmo ciente que essa exploração em território urbano poderia uma hora fazer com que pessoas perdessem suas casas e corressem risco de morte, a exploração continuou.

Hoje, a Braskem aniquilou parte da cultura popular, ribeirinha e dos brincantes maceioenses. Expulsou pessoas de suas casas. Quem poderá pagar o mal feito pela Braskem? Os moradores da região do Pinheiro seguem em luta e na denúncia. Para quem quiser saber mais sobre a maior tragédia ambiental em território urbano do mundo, indico o documentário do Carlos Pronzato, “A Braskem passou por aqui”.

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