Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

A Lagoinha e a radicalização política como estratégia de mercado

Para o pastor, sofrer consequências legais dos seus discursos extremistas – ou eventualmente ser preso – pode não ser um desastre, mas sim um grande impulsionador

André Valadão é devoto do bolsonarismo – Imagem: Redes sociais
Apoie Siga-nos no

Na contemporaneidade, as igrejas são muitas coisas. São lugares em que pessoas vão para depositar sua fé, exercer sua espiritualidade e ter contato com o sagrado. Mas são lugares também em que as pessoas vão para encontrar outras pessoas, para formar uma rede de apoio ou fazer contatos para negócios. Do ponto de vista dos líderes, são também instituições pagadoras de salários, lugares para se planejar uma carreira, caminho para acumular prestígio, reconhecimento e poder. Basta um um olhar sociológico, que encara as instituições religiosas como instituições também deste mundo, para notar isso.

Faço essa introdução para pensar o caso da igreja Batista da Lagoinha. Recentemente, seu principal líder, André Valadão, em meio a uma pregação, em que falava sobre o pecado das práticas LGBTQIA+, disse o seguinte:

“Mas essa porta foi aberta quando nós tratamos como normal aquilo que a Bíblia já condena. Então, agora, é hora de tomar as cordas de volta e dizer nananananão, pode parar, reseta. Aí Deus fala: ‘Não posso mais, já meti esse arco-íris aí, se eu pudesse eu matava tudo e começava tudo de novo, mas já prometi pra mim mesmo que não posso, então, agora, tá com vocês.’ Você não pegou o que que eu disse: tá com você. Vou falar de novo, tá com você!”

O discurso de Valadão faz referência à história de Noé, presente no livro de Gênesis, na Bíblia. Há uma ambiguidade, com a insinuação que Deus “resetaria” o mundo novamente e mataria a população LGBTQIA, se não tivesse feito um pacto com a humanidade. E ao mesmo tempo faz um chamado para aqueles que os ouvem, como se agora a missão divina estivesse com eles (qual missão, a de matar?).

O antropólogo Juliano Spyer lembrou, em artigo na Folha de S. Paulo, que a Igreja Lagoinha possuía um grupo LGBT, chamado Cores. Isso nos faz indagar o que aconteceu para que, recentemente, a questão da sexualidade – e mais especificamente, sua condenação explícita þ se tornasse o centro das pregações e reflexões nessa Igreja. Por que a intolerância cresceu e tomou esse formato tão agressivo e excludente?

Vale lembrar que recentemente, no meio da campanha eleitoral de 2022, André Valadão publicou um vídeo em suas redes, no qual encenava uma “retratação ao TSE”. O objetivo da peça era insinuar que sua igreja teria recebido uma notificação judicial que a “censurava”. Vale dizer que a notificação nunca veio e que sua igreja não foi censurada, nem nenhum de seus líderes foi obrigado a se retratar de nenhum discurso. A peça, porém, alimentava um contexto em que se diziam nas igrejas e em correntes de WhatsApp que a fé cristã estaria ameaçada caso Lula vencesse as eleições.

Ou seja: já faz algum tempo que podemos ver Valadão posicionar sua atuação ( bem como a atuação da Igreja da Lagoinha) junto aos discursos do campo bolsonarista. A insistência  nessa estratégia – e com a agressividade e contundência que temos visto – indica que Valadão acredita que se especializar no “nicho” bolsonarista é um bom negócio para sua instituição.

Em outras palavras, a radicalização política parece ser vista como um ativo no mercado da fé. Se Valadão estiver certo, sofrer consequências legais dos seus discursos extremistas ou eventualmente ser preso não seria um desastre, mas sim, ao contrário, um grande impulsionador para seu negócio.

O extremismo religioso como estratégia no mercado da fé é mais um sinal do estado lastimável do nosso tecido social.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo