Desabafo Social

Militância não é a minha profissão

Luto para não viver sob a demanda do racismo e dos racistas

Luto para não viver sob a demanda da militância (Foto: Paulo Pinto)
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Acredito que ninguém tenha dúvidas que as pessoas podem ser contraditórias, ainda mais da minha geração, cheia de certezas e instantaneidades. Mas claro que todos podem mudar de opinião.

Recentemente vi em algum lugar a seguinte mensagem: “É meu aliado quem ganha dinheiro falando de racismo?”

Fiquei pensando o quanto as pessoas são equivocadas e jogam baixo, talvez até sujo. Vou trabalhar com exemplos. Gabi Oliveira é formada em Relações Públicas pela UFRJ e criou o canal no Youtube durante o seu trabalho de conclusão de curso. Para quem (ainda) não sabe, o Youtube é também uma plataforma de negócios.

Consequentemente os temas que ela aborda em seu canal, por vivência e estudos, é sobre relações étnico-raciais. Djamila Ribeiro é mestra em Filosofia pela UNIFESP e tudo que ela conseguiu de visibilidade se sustentou por conta da sua credibilidade, pautada nos seus estudos.

Logo, ganhar dinheiro é consequência do trabalho que elas desenvolvem com a profissão delas. A militância é uma parte da vida dessas pessoas. E por serem mulheres negras, falarão de questões raciais de forma consciente ou não.

A temática racial é transversal a qualquer outro tema: negócios, cultura, gênero, educação, comunicação e afins. Eu, por exemplo, enquanto mulher negra e ativista, tenho o meu lugar de fala e racializo o debate.

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No entanto, sou formada em Política e Gestão da Cultura, empreendedora e criadora de conteúdo. Não sou apenas Monique Evelle, a militante. Militância não é minha profissão, não é meu emprego.

A romantização da pobreza me deixa um tanto angustiada. Não estou falando da camisa da Osklen escrita “Favela”, e sim da necessidade gigantesca que os movimentos têm de querer continuar enxergando a periferia como único território possível pra nós. E olha com estranheza qualquer negro que romper com isso.

Lázaro Ramos falou algo que levo pra vida. Disse que luta “para não viver sob a demanda do racismo e dos racistas.” E acrescento que luto para não viver sob a demanda da militância.

Sabemos que nascer mulher negra já é sinônimo de resistência. Eu resisto!

E parafraseando Jéssica Ipólito, não estou disposta a ser a carne machucada, desgastada e morta viva.

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Quero poder exercer minha individualidade sem precisar pedir permissão, porque sei exatamente da minha responsabilidade ancestral e o compromisso que tenho com as coisas que tenho desenvolvido e com a comunidade negra.

A parte boa é que não existe apenas um tipo de militância. Uns vão pela estética, outros criando coletivos de debates, outros pagando o boleto do ENEM de uma irmã, indicando alguém para um emprego, divulgando o trabalho da galera e etc. E voltando a pergunta: “É meu aliado quem ganha dinheiro falando de racismo?”

Quem questiona dessa forma acredita piamente que militância é profissão, militância é emprego. E acredite, quem fatura através do racismo não são os negros.

Mas como nem todo preto é irmão, nem toda mulher te apoia e nem todo branco é seu inimigo, discordar faz parte. O problema é quando as certezas alheias anulam e apagam existência e o histórico de estudos, trabalho e caminhada de outra pessoa, sobretudo negra.

O pior de tudo é que esses tipos de comentários são sempre dirigidos para mulheres negras. Homens negros são isentos. E reforço: precisamos continuar dando nomes as coisas: racismo não é bullying, relacionamento abusivo não é prova de amor, inveja não é crítica.

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