Daniel Camargos

Repórter especial na 'Repórter Brasil', venceu diversos prêmios por reportagens, entre eles o Vladimir Herzog. Dirigiu o documentário 'Relatos de um correspondente da guerra na Amazônia' e participou da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center.

Daniel Camargos

Você tem alguns minutos para ouvir a esquerda radical?

Bombardeado pelos discursos de Jair Bolsonaro, Nikolas Ferreira, Silas Malafaia e outros, decidi escutar o polo mais radical do outro lado do espectro

Você tem alguns minutos para ouvir a esquerda radical?
Você tem alguns minutos para ouvir a esquerda radical?
O líder do Unidade Popular, Leonardo Péricles. Foto: Manu Coelho
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Na noite de segunda-feira, 22, passei mais de duas horas ouvindo os integrantes da Unidade Popular discutirem o futuro da esquerda após o primeiro turno das eleições. Jovens lotaram o auditório no centro de Belo Horizonte (MG). Ao lado dos dirigentes da legenda, Leonardo Péricles e Indira Xavier, também participou do debate Ian Neves, historiador e influenciador marxista-leninista, com mais de um milhão de seguidores somados nas redes sociais.

“Quem disse que não pode anular o voto? E se você não concorda com nenhum dos dois?”, provocou Péricles ao falar do segundo turno entre o atual prefeito Fuad Noman (PSD) e o deputado estadual Bruno Engler (PL). Em tom contundente, completou: “Não vai ser um prefeitinho de merda que vai definir a luta de classes”.

A UP defende o voto nulo, recusando o apoio a Noman, ao contrário de PT e PSOL, que se uniram contra Engler. Para Péricles, apoiar o neoliberalismo para conter o fascismo é uma solução ilusória. Em São Paulo, a UP apoia Boulos (PSOL) contra Ricardo Nunes (MDB), destacando em nota: “Devemos acelerar a derrubada do fascismo para libertar o povo das opressões capitalistas.”

Segundo Péricles, que concorreu à presidência em 2022, recebendo 53 mil votos no primeiro turno e apoiando Lula no segundo, a grande imprensa é dominada por uma elite que promove a ideia de que não há alternativa à “direita fascista” além dos neoliberais. Ele ainda alertou que as “classes dominantes” alimentam o pânico na pequena burguesia: “A classe média que tem uma coisinha para perder”.

Principal nome da UP, partido criado em 2019, Péricles representa uma legenda originada do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), da União da Juventude Rebelião (UJR) e do Movimento de Mulheres Olga Benário, este último responsável por organizar a ocupação Carolina Maria de Jesus, onde vivem 80 famílias e que sediou o encontro.

Além de Ian Neves, a UP havia divulgado a participação de outro influenciador, Tiago Santineli (mais de 2 milhões de seguidores), que, no entanto, não conseguiu viajar para a capital mineira. Durante a tarde, o mesmo debate já havia ocorrido na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com cerca de 300 estudantes presentes.

Os influenciadores atuaram como chamariz para o debate. Na plateia, destacavam-se vários estudantes uniformizados de um dos colégios da elite belorizontina, o Bernoulli, misturando-se a outros jovens vestidos com camisetas militantes, uma delas estampada com a frase: “Bilionários não deveriam existir”.

Nas paredes azuis descascadas da ocupação, a bandeira preta do partido com punhos cerrados estava ao lado da bandeira vermelha do MLB e da Palestina. Durante as falas, um abaixo-assinado circulava entre os presentes com o objetivo de pressionar o Brasil a cortar relações com Israel.

Neves abriu sua fala dizendo aos jovens que ser chamado de radical é um elogio, pois, etimologicamente, a palavra significa “aquele que toma as coisas pela raiz”. Ele destacou que a derrota da esquerda nas urnas no primeiro turno não foi uma derrota da esquerda radical, como a UP, mas sim dos partidos da esquerda social-democrata, como o PT.

Em sua análise, argumentou que o governo Lula não rompeu com os governos anteriores de Jair Bolsonaro e Michel Temer e, em alguns casos, apenas renomeou práticas condenáveis. O teto de gastos virou arcabouço fiscal, e o orçamento secreto se transmutou em emendas pix.

De forma didática, Neves explicou como funciona o financiamento eleitoral, destacando as doações de empresários para candidaturas de direita, e concluiu que as eleições não são feitas para a esquerda vencer. Segundo ele, a única saída é a organização da classe trabalhadora. “O fascismo vai continuar avançando se não o frearmos com atividades de rua”, avalia.

“No caminho da conciliação e de votar no menos pior, a gente nunca chega a nossa vez”, acrescentou Indira Xavier, candidata da UP derrotada nas eleições para a prefeitura de Belo Horizonte, em tom similar ao de Neves.

Apesar da derrota nas urnas, Xavier considerou sua campanha vitoriosa. Na disputa pela prefeitura da capital mineira, além da UP, outros dois partidos não tiveram tempo de televisão nem foram convidados para os debates: o PSTU e o PCO. Indira obteve 2.712 votos, acima dos 667 votos de Wanderson Rocha (PSTU) e dos 231 de Lourdes Francisco (PCO).

Xavier manifestou alegria ao ver o auditório lotado, convocou todos a se filiarem à UP e conclamou: “Temos que preparar neste país uma grande insurreição popular, das massas, que vão passar por cima do processo eleitoral”.

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