Daniel Camargos

Repórter especial na 'Repórter Brasil', venceu diversos prêmios por reportagens, entre eles o Vladimir Herzog. Dirigiu o documentário 'Relatos de um correspondente da guerra na Amazônia' e participou da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center.

Daniel Camargos

Vitória de Trump ameaça também o futuro da Amazônia

O nagacionismo climático do presidente eleito nos EUA ameaça o Fundo Amazônia e deve consolidar a ilegalidade na floresta

Vitória de Trump ameaça também o futuro da Amazônia
Vitória de Trump ameaça também o futuro da Amazônia
(Foto: Reprodução/Instagram)
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A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos prejudica diretamente o futuro da Amazônia e o combate às mudanças climáticas no mundo. A conexão pode parecer distante para muitos. Termos como Fundo Amazônia e acordos climáticos internacionais frequentemente surgem nos discursos e manchetes, mas ainda soam abstratos – cifras soltas no ar, para quem vive longe da floresta e, como a maioria dos brasileiros, de costas para a Amazônia.

Mas não são. Em uma viagem ao Pará, sentado às margens do rio Fresco, próximo ao encontro com o majestoso rio Xingu, em São Félix do Xingu, vi de perto como o Fundo Amazônia transforma realidades.

Na porta de uma cooperativa local, um caminhão carregado de castanhas exibia um adesivo que informava: o veículo havia sido adquirido com recursos do fundo. O caminhão estava estacionado na porta da Camppax, a Cooperativa Alternativa Mista dos Pequenos Produtores do Alto Xingu, formada por 200 famílias que exploram os recursos da floresta Amazônica sem destruí-la.

Criado em 2008, o Fundo Amazônia recebeu mais de 3 bilhões de reais em doações, principalmente da Noruega e da Alemanha e beneficiou 239 mil pessoas com atividades produtivas sustentáveis, além de abranger 75 milhões de hectares com áreas de manejo sustentável, apoiando 652 instituições.

Esses números revelam um instrumento poderoso e indispensável para proteger a Amazônia e, em última instância, assegurar o futuro da humanidade.

No ano passado, o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou que contribuiria com cerca de 2,5 bilhões de reais para o fundo. O gesto foi importante, pois contrastava com a postura negacionista do governo Trump, que havia retirado os EUA do Acordo de Paris (tratado internacional assinado em 2015 por 195 países com o objetivo de combater as mudanças climáticas através da redução das emissões de carbono) e suspendido as doações para o fundo.

Com a vitória de Donald Trump, esses recursos não chegarão mais.  “Um retrocesso na responsabilidade ambiental mundial”, escreveu o professor Marcos Colon, da Arizona State University, em um artigo publicado na revista Harvard Review of Latin America dias antes da eleição, conjecturando sobre a possibilidade de vitória de Trump.

No artigo, Colon argumenta que as políticas antiambientais de Trump, incluindo a saída dos EUA do Acordo de Paris e o enfraquecimento de leis de proteção ambiental, terão consequências globais devastadoras, impactando diretamente a Amazônia.

Para Colon, a vitória de Trump fortalece o modelo destrutivo e o negacionismo climático, dando ainda mais poder aos atores que operam na ilegalidade. A aliança de Trump com Bolsonaro, cujas políticas intensificaram a exploração da floresta, é, defende o professor, um fator agravante nesse cenário.

Recém-eleita vereadora em Redenção (PA), Mariza Almeida (PL) celebrou a vitória de Trump com uma dancinha triunfante (Foto: Reprodução/Instagram)

Um exemplo dessa aliança entre bolsonarismo e trumpismo materializou-se em outra cidade próxima a São Félix do Xingu, também no Pará.

Em Xinguara, poucos minutos após a vitória de Trump ser oficializada, o vereador recém eleito Ricardo Pereira Cunha (PL) postou uma imagem dele si vestido de camisa amarela e chapéu preto, com a imagem de Trump, a bandeira dos EUA e a frase: “Somos Trump”.

Ricardo é sócio de uma empresa de mineração e dono de uma loja que foi usada para arrecadar verbas para os atos antidemocráticos. O nome dele foi apontado pela CPMI de 8 de Janeiro como um dos financiadores da tentativa de golpe de 8 de janeiro. O vereador bolsonarista-trumpista também foi citado pelo terrorista George Washington de Oliveira Souza como um contato pessoal.

Vale lembrar: foi George Washington que tentou explodir um caminhão de combustível no aeroporto de Brasília, em dezembro de 2022.

O terrorista e o vereador são alguns dos personagens que encontrei durante uma longa investigação jornalística que fiz para a Repórter Brasil, publicada em uma série de oito reportagens e um podcast com o título: Ogronegócio: milícia e golpismo na Amazônia.

Ter mergulhado nas relações da extrema-direita com as milícias e fazendeiros que destruíram e seguem destruindo a Amazônia me permitiu constatar que a ideologia defendida por Trump e Bolsonaro é inconciliável com a preservação da floresta e da vida.

“A vitória de Trump é uma grande e perigosa derrota não só para a democracia, mas também para o clima”, escreveu a deputada federal Célia Xacriabá (PSOL-MG), logo após a confirmação da vitória. “Tempos difíceis estão por vir.”

Quem também prevê o pior é uma das maiores autoridades em Amazônia do planeta, o cientista Philip Martin Fearnside. Em sua coluna no site Amazônia Real, o pesquisador do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), explica que o aquecimento global está muito perto de escapar ao controle humano e que mais quatro anos de Trump podem ser catastróficos.

“Um efeito-estufa descontrolado eliminaria a floresta amazônica. O inverso também é verdadeiro e faz parte do problema: se a floresta amazônica entrar em colapso, o clima global seria empurrado para além de um ponto de não retorno e o aquecimento global prosseguiria irreversivelmente para uma ‘Terra estufa’”, escreveu o cientista, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007.

Com a eleição de Trump, o futuro da Amazônia, assim como da democracia e do clima, está mais ameaçado do que nunca. Recém-eleita vereadora em Redenção (PA), Mariza Almeida (PL) fez uma dançinha triunfante para celebrar a vitória, antes postou foto com material de campanha do republicano. A cena é cômica, mas a tragédia para o futuro da Amazônia não tem nada de engraçado.

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