Daniel Camargos
Repórter especial na 'Repórter Brasil', venceu diversos prêmios por reportagens, entre eles o Vladimir Herzog. Dirigiu o documentário 'Relatos de um correspondente da guerra na Amazônia' e participou da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center.
Daniel Camargos
Helder Barbalho, entre a motosserra e a floresta
Às vésperas da COP30, o governador do Pará tenta equilibrar o discurso verde com a pressão do agronegócio diante de avanços da Funai e do Ibama contra o desmatamento e invasões


Às vésperas da COP30, ações do governo federal colocaram o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), no centro de uma crise. De um lado, o discurso ambiental com o qual tenta se projetar nacionalmente. Do outro, os interesses do agronegócio, base histórica de seu apoio político no estado.
Anfitrião da conferência climática da ONU, marcada para novembro em Belém, Helder tenta emplacar a imagem de um gestor verde. Nos bastidores, trabalha para ser vice na chapa de Lula (PT) em 2026. Mas enfrenta resistência local e contradições que enfraquecem o plano.
A mais recente pressão surgiu com o maior embargo ambiental remoto da história do Ibama. Publicado no Diário Oficial da União no dia 6 de maio, o chamado “embargão” interditou 544 propriedades em Altamira, no sudoeste do Pará, após a constatação de desmatamento ilegal com base em imagens de satélite e dados fundiários. Os proprietários têm 30 dias para retirar gado e outros animais das áreas bloqueadas.
A resposta do governador foi imediata. No dia seguinte, viajou a Brasília para se reunir com a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), acompanhado de parlamentares e lideranças do agronegócio, inclusive da base aliada do governo federal.
Helder criticou o formato da operação e defendeu que fossem adotados ‘critérios individualizados’ para evitar, segundo ele, punições a produtores em processo de regularização fundiária. “Todos vieram aqui para apresentar e pedir solução a respeito de áreas produtivas no estado do Pará”, disse, em vídeo gravado após a reunião, ao lado de apoiadores e em frente a uma bandeira do Pará.
O embargo segue o modelo de fiscalização remota, usado pelo Ibama para acelerar a resposta a crimes ambientais, especialmente antes da temporada de queimadas, que começa com a estiagem em junho. Segundo o órgão, prazos maiores para contestação abririam espaço para fraudes e destruição de provas.
Enquanto o embargão atingiu grandes propriedades, outra frente mobilizou pequenos e médios produtores: a Funai publicou manifestações de interesse sobre glebas públicas federais no Pará. A fundação sustenta serem apenas estudos preliminares para possível demarcação de terras indígenas e que nenhuma propriedade privada foi incluída.
Ainda assim, o anúncio provocou pânico em regiões palco de conflitos fundiários. Em Altamira, uma audiência pública reuniu cerca de 2 mil pessoas no dia 9 de maio.
Rival de Barbalho, o senador Zequinha Marinho (Podemos) tem percorrido cidades do interior distribuindo um panfleto com a lista de 46 áreas sob análise da Funai em 33 municípios paraenses. Ex-vice-governador do estado, Marinho se elegeu senador e é hoje um dos principais nomes da nova direita ruralista na Amazônia. Atua para flexibilizar a proteção a terras indígenas e abrir espaço para atividades econômicas, como o garimpo. Preside a Comissão de Agricultura do Senado e mantém forte ligação com grileiros, garimpeiros e madeireiros. É, ainda, pastor da Igreja Assembleia de Deus.
Durante a audiência em Altamira, uma fiel da mesma igreja do senador subiu ao palco e fez um discurso inflamado contra as demarcações, além de elogiar o senador. A plateia reagiu com aplausos, e vários parlamentares se levantaram para apoiá-lo. “O governo tem uma conta conosco na Apyterewa para acertar”, disse Marcilene Frutuoso, retirada de uma área invadida dentro da terra indígena do povo Parakanã.
Ela se refere às operações de desintrusão que vêm sendo conduzidas pelo governo federal. Desde o início do atual mandato de Lula, oito ações desse tipo ocorreram, sendo cinco no Pará — incluindo as terras Ituna-Itatá, Trincheira Bacajá, Munduruku, Kayapó e Apyterewa. As ações também ocorreram no Maranhão, em Rondônia e em Roraima, onde o processo foi iniciado na TI Yanomami.
A desintrusão é a retirada de não-indígenas de áreas demarcadas, como prevê a Constituição. São medidas respaldadas por decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal.
A operação mais tensa foi justamente na Terra Indígena Apyterewa, em outubro de 2023. Participaram Força Nacional, Exército, Ibama, Funai e Polícia Federal. Cerca de 2 mil ocupantes foram removidos. Durante a ação, um invasor foi morto por um agente da Força Nacional. Mensagens interceptadas revelaram planos de emboscadas armadas, com compra de fuzis nos EUA, por parte de integrantes de um grupo que se autodenomina “Máfia da Tora”.
Mesmo após a desintrusão, os conflitos continuaram. Lideranças Parakanã denunciaram ataques de pistoleiros e querem o reflorestamento da área desmatada, que era usada como pasto para cerca de 60 mil bois, muitos deles vendidos para grandes frigoríficos baseados no Sul do Pará.
Outro opositor de Helder, o deputado federal Éder Mauro (PL), também criticou os embargos e as ações da Funai. Derrotado na última eleição para a prefeitura de Belém por um primo do governador, o ex-delegado foi à audiência e gravou vários vídeos nas redes sociais acusando o governo de perseguir produtores.
O desconforto, porém, não se limita à oposição. O deputado Airton Faleiro (PT-PA) esteve na audiência em Altamira. Nas redes, escreveu que “o campo pede socorro” e defendeu medidas para evitar um “colapso produtivo”.
A pressão política tem levado Helder a se mover em várias frentes. Além da visita a Brasília, o governador também tem feito alianças locais para reforçar sua base. Uma delas foi com o deputado estadual Wescley Tomaz (Avante), ex-vereador de Itaituba que se apresenta como “deputado dos garimpeiros”.
Wescley garantiu a nomeação de aliados em cargos estratégicos, incluindo Fernando Brandão, advogado de cooperativas de garimpeiros e caçador de javalis, que assumiu um núcleo da Secretaria de Meio Ambiente do governo de Helder. A aliança também garantiu cargos à esposa de Wescley e a aliados políticos.
Essa movimentação local ocorre em paralelo a outra ofensiva organizada por setores do agronegócio. Em outubro, um mês antes da COP30, lideranças ruralistas pretendem realizar em Marabá a chamada “COP do Agro”. A proposta do evento é apresentar uma agenda própria para a Amazônia com viés negacionista climático.
A “COP do Agro” tem apoio de parlamentares da bancada ruralista e de governadores como Romeu Zema (MG) e Ronaldo Caiado (GO), e conta com o envolvimento engajado de Zequinha Marinho.
Hélder se apresenta como líder ambiental sob os olhos do mundo. Mas, em casa, diante das pressões, parece governar com prioridades de um pecuarista — como ele próprio, dono de um rebanho com 6 mil cabeças de gado.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
Leia também

O que está em jogo na COP30?
Por Paulo Artaxo
Amazônia: alerta de desmatamento cresce e mobiliza governo
Por Agência Brasil
Nova carta do presidente da COP30 detalha papel dos ‘Círculos de Liderança’ da Conferência do Clima
Por CartaCapital