Daniel Camargos

Repórter especial na 'Repórter Brasil', venceu diversos prêmios por reportagens, entre eles o Vladimir Herzog. Dirigiu o documentário 'Relatos de um correspondente da guerra na Amazônia' e participou da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center.

Daniel Camargos

10 razões para Lula vetar o PL da Devastação

O projeto aprovado pelo Congresso reduz proteções ambientais, ameaça direitos constitucionais e coloca em risco a imagem do Brasil às vésperas da COP30

10 razões para Lula vetar o PL da Devastação
10 razões para Lula vetar o PL da Devastação
O presidente Lula, o cacique Kayapó Raoni Metuktire e a ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Proteção da floresta e dos povos originários está em jogo com o PL que muda o licenciamento ambiental. Foto: Ricardo Stuckert/PR
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Enquanto o noticiário se concentra na prisão de Jair Bolsonaro (PL) e no tarifaço anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o Brasil se aproxima de uma decisão que pode marcar o maior retrocesso ambiental em quatro décadas.

O presidente Lula (PT) tem até a próxima sexta-feira 8 para sancionar ou vetar o Projeto de Lei 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação”. Se sancionado, o projeto compromete a imagem do país às vésperas da COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que será realizada em Belém (PA).

A seguir, dez motivos para o presidente Lula barrar integralmente o PL da Devastação:

1. Mãe de todas as boiadas

O PL amplia o uso da LAC (Licença por Adesão e Compromisso), permitindo que empreendedores obtenham autorização automática por autodeclaração online, sem análise prévia de órgãos técnicos como Ibama ou secretarias estaduais. Estimativas indicam que até 90% dos processos de licenciamento poderiam se tornar automáticos. O STF (Supremo Tribunal Federal) já considerou inconstitucional a aplicação da LAC a empreendimentos de médio impacto.

2. Atalho para interesses políticos

Incluída de última hora pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), a LAE (Licença Ambiental Especial) permite aprovar, em até 12 meses e em fase única, projetos classificados como “estratégicos” pelo governo, mesmo que a classificação não altere o potencial de dano. Isso abre caminho para acelerar obras de alto impacto, como a exploração de petróleo na foz do Amazonas ou o asfaltamento da BR-319. Críticos apontam que a LAE cria uma “via expressa” para interesses políticos e econômicos, reduzindo o cuidado técnico.

3. Enfraquecimento dos órgãos ambientais

O texto reduz a atuação de órgãos federais como Ibama, ICMBio e Funai, e dispensa a manifestação prévia do ICMBio em licenciamentos em unidades de conservação. Em caso de conflito entre fiscalização federal e estadual, prevalecerá a decisão do órgão estadual — que poderá inclusive anular multas. Na prática, retira a fiscalização federal e transfere a decisão a instâncias locais, mais suscetíveis a pressões econômicas e políticas.

4. Vulnerabilidade de terras indígenas e quilombolas

O artigo 39 limita a participação da Funai e de outros órgãos a terras já homologadas ou tituladas. Levantamentos indicam que isso deixaria desprotegidos 18 milhões de hectares, incluindo 259 terras indígenas e 1.553 territórios quilombolas em processo de reconhecimento. A medida viola a Convenção 169 da OIT, que garante o direito de consulta prévia, livre e informada, e abre espaço para mineração e avanço do agronegócio sem consentimento das comunidades.

5. Isenção para atividades agropecuárias

Diversas atividades agropecuárias ficam dispensadas de licenciamento, exigindo apenas formulário autodeclaratório, sem qualquer exigência de estudo prévio de impacto ambiental. Isso se aplica inclusive à pecuária intensiva de pequeno porte, setor já responsável por parte significativa do desmatamento no país. Sem verificação técnica caso a caso, aumentam os riscos de derrubada de vegetação nativa.

6. Silêncio sobre a crise climática

O texto não menciona “clima” nem exige que licenciamentos considerem impactos ou medidas de adaptação às mudanças climáticas. Especialistas consideram a omissão incompatível com a emergência climática atual. O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima já alertou que a ausência compromete a segurança de obras diante de enchentes, secas e elevação do nível do mar.

7. Risco de novas tragédias

Ao simplificar licenças e reduzir a fiscalização, o projeto aumenta a probabilidade de desastres como o rompimento da barragem de Brumadinho, que matou 270 pessoas. Classificada como de médio impacto, uma estrutura similar poderia ser autolicenciada sob as novas regras.

8. Prejuízo à imagem internacional

A aprovação às vésperas da COP30 enfraqueceria o discurso do Brasil como líder climático e afeta diretamente negociações comerciais, como o acordo Mercosul-União Europeia. A Human Rights Watch e relatores da ONU alertaram que sancionar o PL enviaria “uma mensagem terrível” ao mundo. Também facilitaria retaliações comerciais, como tarifas adicionais impostas por outros países.

9. Insegurança jurídica e judicialização

Juristas e o Ministério do Meio Ambiente apontam que o PL contém dispositivos inconstitucionais, como a violação ao artigo 225 da Constituição, que veda o retrocesso ambiental, e ao artigo 231, que garante direitos aos povos indígenas. A previsão é de aumento da judicialização e de ações no Supremo Tribunal Federal, gerando instabilidade para empreendimentos.

10. Menos participação social

O texto reduz audiências públicas, enfraquece conselhos ambientais e transfere ao poder público responsabilidades por impactos indiretos, como desmatamento, migração populacional e sobrecarga de serviços. Com menos transparência e participação, comunidades afetadas têm reduzida a possibilidade de influir nas decisões sobre seus territórios.

Vetar o PL da Devastação não é apenas coerência com o discurso ambiental de Lula. É preservar direitos constitucionais, proteger vidas e evitar que o Brasil chegue à COP30 com a credibilidade destruída. Cabe a Lula barrar a “mãe de todas as boiadas”.

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