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#PasseLivre: “Ou pago passagem ou como”, diz aluna de cursinho popular

94 mil se juntam a mobilizações por redução das tarifas dos ônibus ou passe livre para alunos de baixa renda em mais de 20 cidades do País

Alunos de cursinhos populares em São Paulo participam de votação, na Câmara Municipal, pelo passe livre (Foto: Divulgação)
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A falta de condições financeiras para arcar com o alto custo das tarifas do transporte público é uma realidade no Brasil e um importante fator de evasão estudantil de jovens frequentadores de cursinhos populares e universidades públicas. O problema é de tamanha proporção que 93,8 mil pessoas se juntaram a quase 30 campanhas na internet para pressionar prefeitos e governadores a reduzirem o valor das passagens ou ampliarem o benefício do passe livre a todos os estudantes.  

As mobilizações se concentram em torno de abaixo-assinados abertos na plataforma Change.org e visam sensibilizar as autoridades a criarem ou aprovarem projetos de lei que implementem ou ampliem a concessão do passe livre para estudantes de cursinhos populares, institutos federais ou universidades públicas em cidades como São Paulo (SP), Curitiba (PR), Cabo Frio (RJ) e Águas Lindas (GO). Já as manifestações em prol da redução dos valores das tarifas atingem municípios como Porto Alegre (RS), Palmas (TO), Feira de Santana (BA) e Ibirité (MG). 

Alunos de baixa renda de instituições formais, como escolas, cursos técnicos e universidades, têm ao menos o direito de pagar metade do valor da passagem ou, em algumas cidades, o benefício da gratuidade. O mesmo não acontece, entretanto, para jovens que já terminaram o Ensino Médio e tentam dar continuidade aos estudos em cursinhos populares pré-vestibular, almejando o acesso a universidades públicas ou bolsas em faculdades privadas concedidas por programas sociais. 

A dificuldade de perseverar nos estudos devido a um fator alheio aos próprios esforços e determinação faz com que alunos tenham que escolher até mesmo entre usar o dinheiro para se alimentar ou pagar o transporte até o local onde estudam. Este é o caso de Giovana Ventura, de 18 anos, que mora no bairro São Mateus, periferia da zona leste de São Paulo, e aos sábados precisa desembolsar o valor da passagem para chegar ao cursinho popular Laudelina, no Alto do Ipiranga, zona sul da capital paulista. A jovem demora de 1h30 a 2 horas no percurso de casa até o projeto. 

“Tinha sábados que eu ficava sem comer, porque eu usava esse dinheiro para poder pagar a passagem para ir e vir. Eu tinha que decidir pelos meus estudos ou por comer”, comenta Giovana, que faz o cursinho pré-vestibular gratuitamente e deseja cursar Letras. Para Emanuel Dias, de 19 anos, que estuda no mesmo projeto comunitário, a dificuldade financeira para arcar com os gastos do transporte coletivo foi responsável pela interrupção temporária dos estudos e de seus sonhos.  

Emanuel, que mora no mesmo bairro de Giovana, precisou abandonar as aulas no cursinho em agosto. Os planos de prosseguir nos estudos e ingressar na faculdade só não foi definitivamente interrompido porque o próprio cursinho se mobilizou para arcar com os custos do transporte. “Minha meta é cursar gastronomia e o cursinho popular vinha me ajudando na preparação. Infelizmente, precisei interromper meus estudos momentaneamente por conta da falta de dinheiro para a passagem do ônibus, que acabou sendo um grande obstáculo para que eu pudesse continuar estudando”, lembra o jovem, que conseguiu retomar as aulas recentemente.  

Em sua imensa maioria, esses projetos comunitários são oferecidos de forma inteiramente gratuita, graças ao trabalho voluntário de professores. Os cursinhos populares são como uma “porta aberta” na vida dos jovens de baixa renda, que muitas vezes cursaram um Ensino Médio de qualidade ruim nas escolas públicas, e precisam, de alguma forma, contornar a defasagem de ensino para disputar vagas em universidades públicas ou bolsas em instituições privadas, já que não teriam condições financeiras de bancar o valor das mensalidades de uma faculdade. 

PL do passe livre aguarda sanção em São Paulo

Histórias como a de Giovana e Emanuel podem não mais se repetir em São Paulo se o prefeito Bruno Covas (PSDB) sancionar uma lei que institui o benefício do passe livre para estudantes de cursinhos populares no transporte coletivo da cidade. O projeto de lei (PL) 508/2016 foi aprovado em segunda votação na Câmara Municipal na semana passada e agora depende da aprovação do prefeito para entrar em vigor e beneficiar cerca de 15 mil estudantes de 101 cursinhos comunitários.  

“O prefeito já disse em inúmeras oportunidades que tem compromisso com a educação. Na medida em que os cursinhos populares representam, muitas vezes, a única referência para milhares de jovens de baixa renda para acessar o ensino superior, é mais do que esperado que o prefeito sancione esse PL, pelo qual tanto lutamos, e assim mantenha-se coerente com suas palavras”, comenta Juliana Aragão, educadora do cursinho Heleny Guariba, que fica na zona oeste da cidade. 

Estudante de cursinho comunitário pede que prefeito de São Paulo aprove passe livre (Foto: Divulgação)

Para sensibilizar Covas a sancionar a norma, integrantes da Frente de Cursinhos Populares lançaram um abaixo-assinado na plataforma Change.org e já conseguiram o apoio de mais de 5,4 mil pessoas pela causa. O coletivo fez, ainda, um estudo de impacto econômico da medida para mostrar que a verba que seria utilizada pela prefeitura para conceder o benefício representaria 0,02% da receita total do município e 0,33% do orçamento da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes.

O cálculo, que mostra um custo entre 11 e 14 milhões de reais para os cofres do município, foi feito a partir do estabelecimento de três possíveis cenários e levou em consideração os dias letivos dos cursinhos e o número de viagens de ônibus necessárias, além de fatores utilizados pela SPTrans para estimar a taxa de uso do passe livre e o montante a ser arcado pela prefeitura por viagem. A análise revela, ainda, que o valor do benefício seria pouco mais de 10% de tudo o que a Secretaria do Governo Municipal gastou com propaganda no ano passado: 100,289 milhões reais.

“Esse dinheiro existe e é super digno e fundamental que o prefeito sancione esse projeto de lei, que é uma luta bastante antiga dos cursinhos populares”, comenta o jornalista, coordenador do cursinho Construção e membro da Frente de Cursinhos Populares, João Ricardo. 

Segundo fontes do meio político, Bruno Covas tem a intenção de vetar o PL. A equipe da Change.org entrou em contato com a assessoria de imprensa da Prefeitura de São Paulo para saber qual será a decisão do prefeito. O órgão enviou uma fala de Covas dizendo que o projeto ainda está sendo analisado. Nesta sexta-feira (25), alunos dos projetos comunitários e integrantes da Frente de Cursinhos Populares farão um ato, em frente à prefeitura, para sensibilizar Covas a sancionar o PL. 

Gasto com passagem é mais da metade do salário mínimo 

A falta de dinheiro para arcar com o custo do transporte público de casa até a instituição de ensino é um problema que pode limitar o jovem e impedir que ele mude sua condição de vida por impossibilidade de dar continuidade aos estudos. Depois de passar 14 anos tentando entrar na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), este final infeliz quase fez parte da história de luta de Danulzia Gonçalves da Silva Vitorino, que mora na cidade de Nova Iguaçu (RJ) – a 28 km da capital.

Danulzia, de 36 anos, começou a cursar Letras-Português-Árabe na UFRJ no início do ano. Desempregada e com obstáculos para arranjar um trabalho, já que o curso é feito em período integral, logo veio a dificuldade de continuar as aulas por não poder arcar com os mais de R$ 500 necessários ao deslocamento até a faculdade. A universitária precisa pegar um ônibus para Belford Roxo, que custa  R$ 3,80, e mais um que faz o trajeto Barra/Fundão, com tarifa de R$ 8,55. O total desembolsado por mês seria mais da metade de um salário mínimo, que está em R$ 998. 

Danulzia lutou 14 anos para entrar na universidade e quase abandonou por falta de dinheiro para transporte público (Foto: Arquivo pessoal)

“Foi uma sensação de impotência, de ver o meu sonho indo pelo ralo por causa da situação financeira”, conta Danulzia sobre o momento em que percebeu que teria que abandonar a faculdade. A universitária mora com o filho de 12 anos, a sogra e o marido, porém, apenas o esposo está empregado, e o salário dele às vezes é insuficiente para cobrir até as despesas básicas.

Para continuar lutando pelo sonho antigo de ter uma formação de nível superior, Danulzia decidiu lançar um abaixo-assinado pedindo que o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), liberasse o passe livre para estudantes técnicos e universitários das instituições públicas no Estado. A petição lançada pela aluna da UFRJ alcançou o apoio de 6,3 mil pessoas via Change.org.

O direito à gratuidade para universitários no transporte intermunicipal do Rio sofreu diversas idas e vindas. Aprovada pela Assembleia Legislativa do RJ (Alerj) em agosto do ano passado, a medida foi vetada pelo então governador Luiz Fernando Pezão. No final de 2018, entretanto, os deputados revogaram 55 vetos de Pezão, entre eles o que concedia o benefício. Já neste ano, o caso foi parar no Tribunal de Justiça do RJ (TJ-RJ), que suspendeu o direito por considerar inconstitucional a lei que o garantia. A Alerj, então, anunciou que recorreria ao Supremo Tribunal Federal (STF).   

“Essas idas e vindas só demonstram que para o governo se um universitário tem como arcar com sua passagem ou não, isso não é importante, pois se alguém quer entrar na universidade não pode ser pobre, tem que ter como arcar com suas despesas sem precisar da ajuda do governo e de utilizar de seus direitos”, indigna-se Danulzia. Sem direito ao benefício, a universitária só pôde dar continuidade ao curso graças a uma bolsa que recebeu da UFRJ para o pagamento de passagem.

“Com essa bolsa eu recebo um valor de R$ 380,00 mensais e carrego o bilhete único para que a passagem diminua e consiga ir em todas as aulas”, explica a estudante. Danulzia demorou 14 anos para conseguir entrar na universidade porque não tinha condições de pagar outros estudos para se preparar melhor e disputar uma vaga na Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Esse ano, com a cota por etnia e financeira, mesmo estudando sozinha em casa eu consegui, tirei uma nota boa e a concorrência não foi desleal como nos outros anos que só entrava quem pagava cursinho”, conclui.  

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