Change.org

Milhares se unem na web contra violência obstétrica no Brasil

Tema polêmico encontra espaço para debate em plataforma de mobilização online, que reúne 45 mil apoiadores em petições em favor da gestante

Foto: Imagem de Wendy Corniquet por Pixabay
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Mãe de três, Juliana Borges Victoria Eberhardt teve os dois primeiros filhos por cesariana e o terceiro por parto normal. Depois de descobrir que as duas cirurgias invasivas tinham sido desnecessárias, a mulher buscou informações sobre o parto humanizado e, em 2016, deu à luz seu terceiro filho de forma natural, contradizendo o mito de que mães não conseguem ter bebês por procedimento vaginal se já tiverem passado por cesárea. 

No mesmo ano de nascimento de seu terceiro filho, Juliana passou a liderar campanhas em defesa do parto humanizado. Em 2018, tornou-se doula (assistente de gestante) e desde então já acompanhou cerca de 15 nascimentos, sendo apenas dois com indicação real de cesárea. Estudante de filosofia e servidora pública, Juliana foi autora de uma mobilização que reuniu mais de 13 mil assinaturas, na plataforma Change.org, pela aprovação de um projeto de lei sobre parto humanizado e violência obstétrica na cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul.

Depois de ter sido aprovado por unanimidade na Câmara Municipal, o PL 1195/2019 foi vetado pela prefeita Paula Mascarenhas, retornando para nova votação dos vereadores, que o engavetaram no mês passado. Segundo Juliana, que chegou a se reunir com a prefeita para entregar as milhares de assinaturas da petição que representava a vontade popular, Paula sofreu forte pressão do sindicato médico. A doula explica o motivo: “O tema de violência obstétrica gerou muita polêmica a partir dos médicos, que se sentem ofendidos quando as mulheres dizem que sofrem violência obstétrica porque eles associam diretamente à profissão deles”, diz. 

Também por pressão da classe médica, o Ministério da Saúde emitiu despacho orientando que o termo “violência obstétrica” fosse abolido de documentos do governo. No mês passado, após recomendação do Ministério Público Federal, voltou atrás reconhecendo como direito legítimo das mulheres usarem o termo que melhor represente suas experiências no parto. “As mulheres se sentem violentadas, então é um termo legítimo, é uma violência, por que quem mais do que a vítima para dizer como ela se sentiu na hora do parto?”, questiona Juliana enfatizando que essas vítimas podem ter o mesmo tipo de sequelas que as mulheres que sofrem violência sexual.       

Ainda de acordo com a doula, a desumanização do parto é uma cultura que vem se arrastando por conta de um excesso de intervenções hospitalares. “Claro que a medicina evoluiu muito. Com a cesariana, quando não há outra alternativa, tem como salvar uma mãe e um bebê que se a gente deixasse ali para ter um parto normal morreria um dos dois ou até ambos, mas o que a gente fala é contra o excesso de medicalização de um processo natural que é o parto”, explica. “Ao longo do tempo foi ocorrendo um abuso de intervenções, medicalização, de hospitalização, como se o corpo da mulher tivesse um defeito e tivesse que ser corrigido a todo momento”. 

Juliana é vice-presidente do Grupo Nascer Sorrindo, que desde 2014 funciona como uma rede de apoio às gestantes da cidade de Pelotas, lutando em defesa do parto humanizado. O coletivo foi fundado e é presidido pela advogada Laura Cardoso, especialista em violência obstétrica que atuou na primeira causa de dano em decorrência desse tipo de violência no Rio Grande do Sul. “A gente atua nessa frente de levar informação às mulheres, de possibilitar que elas consigam ir atrás de um parto humanizado, de se informarem, terem um plano de parto, contratarem uma doula e poderem ter um parto o mais respeitoso possível”, detalha a servidora pública.

“O código de ética médico diz que só podem ser feitos procedimentos no paciente depois de explicados os riscos e benefícios”, destaca a doula Juliana (Foto: Arquivo pessoal)

Mobilizações juntam 45 mil apoiadores 

A doula lembra que a mobilização em defesa do parto humanizado e discussões sobre os riscos de intervenções cirúrgicas desnecessárias se intensificaram no início de 2019, depois que uma mulher morreu em Pelotas por complicações decorrentes de uma cesárea. Com o veto do projeto de lei, o grupo formou uma frente parlamentar com alguns vereadores da cidade para ampliar o debate e levar ações para Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e informações a gestantes que vivem em comunidades periféricas e dependem do Sistema Único de Saúde (SUS). 

Apesar de não ter conseguido a aprovação do projeto sobre parto humanizado, a militância comemora a sanção de outra lei municipal (6.681/2019) que cria a “Semana de Conscientização dos Direitos das Gestantes para combater a violência obstétrica e defesa do pré-natal e o parto humanizado”, com realização prevista para agosto. “Foi uma grande vitória para nós, porque a partir dessa semana de conscientização dos direitos da gestante a gente vai ampliar ainda mais o debate acerca do parto humanizado e violência obstétrica”, comenta a servidora pública. 

Como ação para a primeira semana de conscientização, o grupo se prepara para apresentar um novo projeto de lei, que irá tratar especificamente sobre a entrada de doulas nas maternidades para assistência à mulher parturiente. A Change.org hospeda seis petições, que somam 25 mil assinaturas, em favor da liberação das doulas nas maternidades. As mobilizações pedem pela aprovação de leis em diversos municípios, como Bauru (SP), Curitiba (PR) e Rio de Janeiro (RJ), sendo que essas duas últimas cidades já conquistaram vitória junto às respectivas prefeituras. 

A plataforma de abaixo-assinados também reúne outras campanhas que se posicionam em defesa do parto humanizado. Duas delas, por exemplo, juntaram mais de 4 mil apoiadores contra o veto do termo “violência obstétrica”, então determinado pelo Ministério da Saúde. No total, as mobilizações em favor das gestantes contam com um volume de mais de 45 mil assinaturas. 

SP discute projeto de lei para liberação desenfreada de cesáreas 

Deputada Janaina Paschoal ouve críticas ao PL de sua autoria em audiência pública na Alesp (Foto: Reprodução FB Mandato Beth Sahão)

Segundo dados de 2016 da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o segundo país com a maior taxa de cesáreas no mundo: 55,6%. Ocupando mais da metade dos partos do país, a maioria dessas intervenções ainda acontecem em casos de baixo risco. Para reduzir a quantidade de procedimentos desnecessários e que não contribuem para a redução da mortalidade materna, perinatal ou neonatal, o órgão recomendou entre 25% e 30% como taxa de referência para o Brasil, de acordo com as características da nação. 

“A gente sabe que a cesárea é muito mais prática para quem está assistindo do que esperar horas uma evolução de um trabalho de parto. Então o médico acaba por preferir fazer uma cesariana, e também por causa da sensação de controle que tem com o excesso do abuso da tecnologia existente”, declara Juliana. A servidora pública e doula destaca que uma abordagem importante da humanização é a individualização da gestante. “A gente precisa entender que nem todas as mulheres vão ter um trabalho de parto de horas ‘x’”, comenta. “E isso precisa ser levado em conta e precisa ser respeitado porque é a fisiologia de cada parto”, acrescenta.

Em São Paulo, a deputada estadual Janaina Paschoal apresentou um projeto de lei (435/2019), que permite às gestantes da rede pública optarem pela cesariana mesmo sem indicação médica, a partir da 39ª semana de gravidez. Discutido em audiência pública, o PL gerou polêmica e forte oposição, inclusive de profissionais da saúde, tendo votação adiada para agosto.

Adriana Matos Pereira, coordenadora do Fórum de Saúde da Zona Sul de São Paulo, que reúne representantes de seis distritos da cidade, se posiciona contra o projeto da deputada. Como ferramenta de oposição, Adriana criou um abaixo-assinado na Change.org pedindo que o PL seja barrado. Em um mês, a autora da petição, que também integra o Movimento Popular de Saúde de Cidade Ademar e Pedreira, conseguiu coletar 2,8 mil apoios. 

“Já temos uma extinção de serviços de saúde no Estado de São Paulo, com recursos congelados”, comenta Adriana explicando que a falta de verba impossibilitaria o atendimento a uma demanda desenfreada do parto cesariana no Estado. “Sabemos que muitas mulheres sofrem violência na hora do parto e que a cesariana aumenta mais o risco da mulher”, completa.

Adriana participou da audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) que discutiu o projeto polêmico. A reunião também contou com a presença de doulas e mulheres integrantes de movimentos feministas. “Tivemos dois dias de discussão junto com a deputada Janaina, que não deu braço a torcer. Porém, conquistamos uma trégua para que [o PL] não fosse votado no dia e transferido para agosto, depois do recesso [parlamentar], conta.

A coordenadora do fórum, que também faz parte da Comissão de Saúde da Mulher e já atuou em conselhos gestores de saúde e na Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres de São Paulo, diz que em agosto retornará às discussões na Alesp para que o projeto não passe. 

A assessoria de imprensa da Change.org entrou em contato com o gabinete da deputada Janaina Paschoal para que ela pudesse se posicionar quanto à existência do abaixo-assinado e em relação às críticas feitas ao projeto de sua autoria. A deputada respondeu: “O direito à manifestação é sagrado, mas eu seguirei lutando pelo que entendo que defende a vida”.

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