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Menina de 8 anos luta para participar de campeonato de futebol no ES

#DeixemALaurinhaJogar: Federação não permite times mistos em torneio estadual; Laís Matias coletou 7 mil assinaturas em uma petição para expor o caso

Apaixonada por futebol, Laurinha joga desde os 4 anos. Foto: Arquivo Pessoal
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“A Laurinha fica o dia todo com a bola debaixo do braço. Ela chega da escola e a primeira coisa é pegar a bola dela e jogar. Se não é na rua, é na varanda da avó, mas é o dia todo, até a hora de ir para o treino à noite”, conta Laís Matias, mãe da jogadora-mirim de futsal Laura. “E quando a gente pergunta: ‘E aí, Laurinha, o que você vai ser quando você for maior?’ ‘Eu vou ser igual à Marta, eu quero jogar futebol’. Essa é a resposta dela”, destaca Laís. 

Se para os meninos o sonho de um dia tornar-se um jogador de futebol profissional, como Neymar, já é difícil, aos 8 anos Laurinha descobriu que para as meninas, que se espelham em Marta, o desafio é ainda maior. Jogadora do Cruzeiro da Ilha de Santa Maria, a criança foi impedida de participar do Campeonato Estadual Sub-09. 

Sem prever a formação de times mistos nas regras, o torneio não aceita que Laurinha dispute as partidas junto aos colegas de time, com os quais participa de campeonatos municipais. Chocada ao ver que, ainda tão pequena, a filha já teria de lidar com o preconceito, Laís decidiu expor a situação em um abaixo-assinado na internet. Na plataforma Change.org, a estudante de Engenharia lançou a campanha #DeixemALaurinhaJogar. 

“O que me motivou a criar o abaixo-assinado foi exatamente expor, porque é inadmissível nos dias de hoje acontecerem fatos como esse, uma criança querer jogar e ser impedida de participar”, indigna-se a mãe de Laurinha. “Foi chocante ver que ela, tão pequena, tinha que questionar a respeito de algo tão sério que é o preconceito, porque eu olho isso como preconceito, não tem outra definição para isso.”

Apesar da pouca idade, a paixão pelo futebol começou ainda mais cedo na vida de Laurinha, assim como os primeiros desafios por ser menina. Quando a filha tinha 4 anos, Laís teve dificuldades para achar uma escolinha que a aceitasse. Mesmo havendo uma escola a dois minutos de sua casa, Laurinha precisa se deslocar, nos dias de treino, a um bairro vizinho, que fica a cerca de meia hora, pois apenas lá meninas podem jogar com meninos.

Essa regra, que desestimula o desenvolvimento e funciona como uma “marcha à ré” no talento de futuras Martas e Formigas, é a mesma vigente no Campeonato Estadual de Futsal do Espírito Santo Sub-09. O torneio permite que meninas participem desde que haja quantidade suficiente de inscritas para formar times que possam disputar entre si. O que, segundo a mãe de Laurinha, é impossível, dada a realidade de desincentivo à participação feminina no futebol. 

“Não existem estímulos para meninas começarem a jogar desde muito novas”, ressalta a estudante. “Por que não se abre uma exceção de uma categoria mista para essa idade, já que a Fifa mesmo respalda que até os 12 anos é bacana estimular campeonatos mistos?”, questiona Laís, acrescentando que essa seria uma solução simples e óbvia para começar a quebrar a desigualdade de gênero no esporte.

Excluída do campeonato, Laurinha ajuda os meninos da equipe a chegarem até o torneio; depois, assiste aos colegas da arquibancada, sem entender o motivo. 

“O fato de não poder disputar o estadual a deixa bastante decepcionada, porque ela se pergunta por que não pode estar lá com os amigos. ‘Poxa, eu faço parte do time’. Ela sempre questiona. Se mostra bem decepcionada e não entende que, principalmente pelo fato de ser menina, não pode estar lá”, diz Laís. “Ela se mostra bem insatisfeita, chateada e fica se perguntando: ‘Eu tenho condições de estar lá ajudando os meus amigos, e não me deixam.’”

Saga para quebrar o preconceito

Em três meses, a estudante de Engenharia conseguiu reunir quase 7 mil assinaturas na petição que segue aberta na Change.org. O abaixo-assinado é direcionado à Federação Espírito Santense de Futebol de Salão, à Confederação Brasileira de Futsal (CBFS) e à Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Confira: http://change.org/DeixemALaurinhaJogar 

Fortalecida pelos milhares de apoios reunidos, Laís começou a buscar diretamente as entidades do futebol para entender e tentar mudar a situação. Segundo conta, os órgãos ficam apenas “jogando a bola um para o outro”, sem que nenhum abrace a causa e assuma quem é o responsável por alterar as regras e quebrar a estrutura machista que prevalece no meio.

Laurinha é a única menina no Cruzeiro da Ilha de Santa Maria (Foto: Arquivo pessoal)

“Mesmo diante de toda essa dificuldade, uma federação que deveria estar preocupada em estimular justamente essa questão se mostra desinteressada em fazer. Eu entrei em contato com a Confederação Brasileira de Futsal e com vários órgãos a respeito, para pelo menos entender”, comenta Laís.

“Até que eu tive esse retorno de que a Confederação Brasileira não tem nada a interferir em regras de campeonatos estaduais, eles só interferem em regras a nível nacional, e que justamente o fato de a Laurinha ser impedida foi por desinteresse da federação daqui [ES].”

De acordo com a estudante de Engenharia, a Federação Espírito Santense de Futebol de Salão deu a entender que, caso autorizasse a participação de Laurinha no campeonato, haveria uma quebra de regras e isso impediria a participação do clube em uma possível disputa nacional. Diante disso, Laís acredita que a solução mais simples seria mudar as regras em vez de manter uma estrutura que, na prática, freia o desenvolvimento de talentos femininos. 

“O estímulo tem que ser da infância, não tem que esperar. Não tem que esperar que tenha quantidade suficiente de meninas para começar a incentivar. Tem que incentivar o campeonato misto”, defende Laís. “Ela treina de igual para igual, o mesmo desenvolvimento dela é o desenvolvimento dos meninos, mas chega um campeonato importante e ela não pode participar, então isso, de certa forma, também desmotiva”, lamenta a mãe de Laurinha. 

Sonho de uma realidade livre

Apesar das dificuldades, Laurinha pode contar com o apoio da mãe e de toda a família, que torce, vibra e comemora com ela em cada partida que disputa ao lado dos meninos. A esperança de Laís é que, daqui a alguns anos, Laurinha e outras meninas da idade dela possam ter nas mãos a mesma liberdade de escolha que hoje os garotos têm: poder fazer o que gostam sem serem obrigadas a enfrentar julgamentos negativos e declarações que desmotivem.

Laurinha sonha em ser uma jogadora como Marta (Foto: Arquivo pessoal)

“O que hoje eu enxergo é que a Laurinha é uma criança muito decidida do que ela quer. Talvez ela não seja a jogadora profissional que a gente acha que ela vai ser, mas hoje eu tenho a convicção de que ela faz o que gosta”, destaca Laís. “Talvez daqui a algum tempo ela vá se descobrir gostando de outras coisas, de outros esportes, mas eu quero que ela viva esse momento do futebol em que ela está, com poder de escolha, fazendo o que ela gosta.”

A estudante espera que todas as meninas possam viver e ter a oportunidade da liberdade de escolha, independente do esporte ou do sonho que tenham. “O que eu vejo no olhinho da minha filha, hoje, é justamente o prazer de fazer isso”, ressalta a mãe de Laurinha. “Eu espero que todas as meninas possam ter esse brilhinho no olhar que a Laura tem quando está jogando: ‘Eu escolhi estar aqui, eu gosto de estar aqui, eu sou bem recebida onde estou’”. 

Jogo de empurra-empurra  

A equipe da Change.org procurou a Federação Espírito Santense de Futebol de Salão para saber se a entidade atenderá ao apelo da mãe de Laurinha e atualizará as regras do campeonato estadual a fim de combater a desigualdade de gênero. Por e-mail, a plataforma obteve uma resposta do presidente da federação, Arnaud Agostinho Cordeiro Filho. 

Cordeiro disse que a federação é subordinada a outras instituições, como a Confederação Brasileira de Futsal, a Confederação Brasileira de Futebol e a Federação Internacional de Futebol (FIFA) e, por isso, tem de obedecer os critérios estabelecidos por elas. O presidente explica que, apesar de todos os anos abrir inscrições para ambos os gêneros, não se forma o mínimo de quatro equipes para que seja homologada uma competição estadual feminina. Desta forma, apenas a partir do sub-15 é que há campeonatos de meninas. 

O presidente da federação afirmou, ainda, que a inclusão de Laurinha no time masculino inviabilizaria o campeonato, pois a CBFS e a FIFA não reconheceriam o torneio.

“Nós só podemos mudar esta postura caso haja mudanças nas instituições superiores, que são quem nos impedem de realizar competições mista de gênero. Não tratamos meninos e meninas com desigualdade, temos competições para meninas e meninos, o que não se tem e não se pode por normas superiores é mesclar os gêneros”, declarou o presidente. 

Cordeiro ressaltou que a federação apoia a luta de Laurinha, mas que o assunto “não é de competência da Federação e sim das Confederações e da FIFA”.

“Somos, na Federação, defensores incansáveis do futsal feminino”, disse. “Apoiamos a luta e até assinamos o abaixo-assinado para que isto venha a destituir o caráter machista da CBF e FIFA, nada temos contrário, só não podemos preterir outros 60 atletas por uma, tornando a competição inviabilizada e o campeão perder o direito de participar de uma Taça Brasil de Clubes”.

Diante do posicionamento da Federação Espírito Santense de Futebol de Salão, a equipe da Change.org também contatou a Confederação Brasileira de Futsal (CBFS). A Confederação informou que são de sua responsabilidade apenas os campeonatos nacionais, ficando a cargo das federações estaduais a organização e normatização dos seus campeonatos. A instituição disse, portanto, não ter qualquer ingerência sobre esses torneios. 

“A CBFS, assim como suas Federações, segue na organização dos seus campeonatos os mesmos critérios adotados pela FIFA, entidade máxima do futsal, que divide as categorias conforme idade e gênero, não pretendendo alterá-los para as disputas das suas competições”.  

Ainda na nota enviada, a Confederação Brasileira de Futsal se disse uma “grande fomentadora do futsal feminino nacional”, citando diversos campeonatos, como Supercopa, Copa do Brasil, Novo Futsal Feminino Brasil – NFFB e a Taça Brasil, “tendo grande orgulho de ter por oito vezes seguidas a atleta Amandinha como melhor jogadora de futsal do mundo”.

A Change.org também tentou contato com a FIFA, mas não obteve sucesso. Enquanto o jogo de empurra-empurra permanece, Laís segue com a campanha #DeixemALaurinhaJogar ativa na Change.org e nas redes sociais, na esperança de que o “fomento ao futebol feminino” seja uma realidade na vida de sua filha e de todas as meninas impedidas de viver esse sonho.

“A Laura não começou agora, ela começou há muitos anos, há 4 anos. Então, se ela já está no meio, por que eu vou impedir, por que eu vou desmotivar uma menina que já demonstrou o interesse de jogar? Não faz o menor sentido”, revolta-se a mãe da criança.

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