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Em tramitação no Congresso, Estatuto pode revolucionar a condição da vítima no Brasil

Para evitar desqualificação a todo momento, projeto de lei visa lançar o Estatuto da Vítima no País

Mulheres vítimas de violência depõem em audiências na Câmara em prol do PL. Foto: Billy Boss/Câmara dos Deputados
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“A vítima é revitimizada toda vez, toda hora”, desabafa a estilista, escritora e fundadora do grupo Vítimas Unidas, Vana Lopes, ao comentar a necessidade de o Brasil ter uma lei para proteger, garantir e preservar os direitos. Em tramitação na Câmara dos Deputados, o Estatuto da Vítima pode ser votado ainda neste mês, revolucionando o modo como as vítimas são tratadas durante e após um processo ou ocorrência.

Vítima do ex-médico Roger Abdelmassih, Vana vê com otimismo a chance de o País, finalmente, aprimorar e “atualizar para este século” sua legislação, a partir da aprovação do PL 3890/2020. Um levantamento feito pelo promotor Pedro Ivo De Sousa, presidente da Associação Espírito-Santense do Ministério Público, revelou que, em duas décadas, o Poder Legislativo deixou de tirar do papel 34 projetos que garantiriam direitos às vítimas. 

A fim de reforçar o clamor pela aprovação do PL, bem como sensibilizar os parlamentares que analisarão e votarão a proposta, o grupo Vítimas Unidas e o Projeto Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos, do Ministério Público do Estado de São Paulo, encabeçam um abaixo-assinado. A petição está hospedada na plataforma Change.org e já reúne 7,2 mil assinaturas.

“O conteúdo dessa legislação é proteger vítimas”, destaca Vana. “Eu fico muito feliz com isso, porque as vítimas nunca tiveram nada. Como disse [a deputada federal] Tia Eron, nós éramos um rodapé no sistema jurídico. Agora, não. Nós vamos ser ouvidas durante todo o processo, quando o réu for preso e quando ele estiver para sair, e isso é muito bom.”

Mulheres e outras vítimas vulneráveis, como crianças e pessoas com deficiência, serão especialmente beneficiadas pela medida. Ao prever, por exemplo, que agentes de delegacias e de outros órgãos passem por treinamento de humanização no atendimento, o Estatuto pode impedir que vítimas de violência doméstica ou sexual enfrentem constrangimentos e tentativas de desqualificação, como ocorreu com a jovem influenciadora Mariana Ferrer

A promotora de Justiça e gestora do Projeto Avarc, Celeste Leite dos Santos, mencionou o caso da influencer para explicar como o Estatuto da Vítima possibilitará o acolhimento das mulheres. “Nós criamos comandos proibitivos à formulação de perguntas absolutamente discriminatórias e vexatórias, como o que vivenciamos em todo o Brasil ao assistir o caso da Mariana Ferrer, em que, por absoluta falta de capacitação dos agentes públicos e da advocacia privada, tivemos um dos marcos históricos de revitimização judicial.”

Para Celeste, esse tipo de “vitimização secundária” deve ser combatido a partir de legislações eficientes que, ao lado do eixo do ofensor, também levem em conta a vítima. A promotora aponta que, atualmente, vítimas são tolhidas em sua existência no processo penal e têm negados direitos básicos, como à vida, à saúde e à integridade física e psíquica. Segundo ela, o Estatuto da Vítima será, portanto, uma forma de combater a violência.  

“Você não vai acabar com a violência, principalmente a violência contra as mulheres, sem que haja um trato efetivo do eixo da vitimização, com a sua prevenção, com a sua capacitação e com o reconhecimento de direitos – para dizer o mínimo, o seu reconhecimento à dignidade enquanto pessoa, enquanto ser social que atua em nossa sociedade”, diz Celeste. 

Debate e tramitação 

Vítima de violência doméstica, a atriz Luiz Brunet participou de audiência na Câmara (Foto: Reprodução/YouTube Câmara dos Deputados)

Foi a partir da iniciativa de Celeste, junto a um grupo de promotores que integram o Projeto Avarc, que o Estatuto começou a ser idealizado, em 2017. Fruto de muito estudo, a proposta foi inicialmente abraçada pelo deputado Rui Falcão (PT-SP), ganhando depois coautoria de mais de 30 deputados. Atualmente, o PL é amplamente debatido na Câmara por meio de audiências públicas em que vítimas e familiares são ouvidos.

Nas últimas semanas, Vana e a ativista em Direitos Humanos Maria do Carmo dos Santos, presidente do grupo Vítimas Unidas, participaram das reuniões do grupo de trabalho que, coordenado pela deputada Tia Eron (Republicanos-BA), analisa a proposta. Discursaram, entre outras, a atriz Luiza Brunet, a jornalista e atriz Cristiane Machado – que denunciou o ex-marido, o ex-diplomata Sérgio Schiller Thompson-Flores -, e Sônia Fátima Moura, mãe de Eliza Samudio.

“Quando eu me debrucei para ler o Estatuto da Vítima, me deu muita esperança de que a mudança chegue, e ela chegou completa, porque eu imagino as famílias de Brumadinho, eu imagino as famílias, recentemente, de Petrópolis, como elas se viram perdendo toda a sua história, a sua vida e o seu legado”, disse Brunet em seu depoimento. Outro aspecto do PL é que ele abrange todo tipo de vítima, inclusive aquelas de desastres naturais e epidemias.   

“Vocês conseguiram juntar tudo nesse Estatuto todas as violências que a gente sofre, sem perceber, muitas vezes”, destacou Brunet. “Eu espero que a gente possa, realmente, usufruir dele [o Estatuto] muito prontamente.”

O projeto de lei aguarda, agora, a formação de Comissão Temporária pela Mesa.

Outros pontos do Estatuto

Uma medida importante da proposta é aquela que obriga o Estado a acolher e prestar atendimento social e de saúde. Vana Lopes lembra que muitas vezes as vítimas são inquiridas nas delegacias como se fossem criminosas. “Atualmente, há uma inversão de valores no Brasil, onde parece existir mais proteção aos criminosos do que a nós, as vítimas”, destaca o coletivo no texto do abaixo-assinado.  

Em relação às mulheres, por exemplo, outros pontos da proposta são especialmente relevantes, como aquele que determina o sigilo de dados pessoais da vítima no Boletim de Ocorrência. Também há o que prevê que os depoimentos nas delegacias sejam gravados e usados posteriormente pela Justiça, evitando que as vítimas tenham de repetir diversas vezes o relato e reviver o drama pelo qual passaram. 

Entre outros aspectos, há ainda um que trata do direito à indenização por danos morais e materiais causados pelo agente do crime ou pela omissão do poder público. 

#AprovaEstatudoDaVítima

A campanha pela aprovação do Estatuto da Vítima segue ativa e em crescimento na plataforma Change.org. Vana analisa que o abaixo-assinado permite reforçar a luta e que ele foi criado para dar mais agilidade à tramitação e à votação do projeto no Congresso. 

“A cada dia, há milhares de mulheres violentadas. Então, a gente tem de ter agilidade com isso, não adianta só ficar na discussão. Tem de aprovar e depois tem de aplicar”, chama a atenção a fundadora do grupo Vítimas Unidas. “Nós. vítimas… As nossas dores são muito grandes, então, nós queremos que o Estatuto da Vítima, além de aprovado, seja aplicado com eficiência.”

A promotora Celeste Leite dos Santos apela para que a sociedade se una à campanha: “A fim de que nós possamos pressionar os parlamentares, principalmente os homens, da necessidade de que haja uma política nacional protetiva às vítimas em nosso País.”

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