Change.org

Abaixo-assinado pelo adiamento do Enem reúne 200 mil apoiadores

Postura irredutível do MEC fez petição online crescer quase 670% na última semana

Ministro da Educação, Abraham Weintraub, está irredutível ao apelo (Foto: Walterson Rosa/MEC)
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Um abaixo-assinado criado por uma estudante que irá prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) reuniu, até o momento, quase 200 mil pessoas pedindo que a data das provas seja adiada. A petição, aberta na plataforma Change.org, multiplicou 7,6 vezes de tamanho em uma semana – na última sexta-feira (8), reunia 26 mil apoiadores. O crescimento da campanha coincide com as sinalizações de que o governo não mudará o cronograma do exame. 

A mobilização foi criada pela estudante de Belo Horizonte (MG) Elisa Teixeira, de 20 anos, que disse ter ficado “abismada” com a proporção que a mobilização está ganhando. Segundo a jovem, que sonha cursar Engenharia Aeroespacial, esses milhares de apoiadores passam uma mensagem clara de que os vestibulandos estão se sentindo “prejudicados e insatisfeitos” com o posicionamento do Ministério da Educação (MEC) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) em não aceitar alteração nas datas do exame.

“O abaixo-assinado nos permitiu causar um impacto estrondoso, uma vez que revelou tamanha força e grandeza do movimento estudantil nesse momento tão delicado, incerto e doloroso que, infelizmente, parece não ser reconhecido pelo MEC”, comenta Elisa. A estudante diz que se sentiu motivada a “lutar contra essa injustiça” depois que viu um vídeo do ministro da Educação Abraham Weintraub e do presidente do Inep, Alexandre Lopes, afirmando que manteriam as provas digitais para 11 e 18 de outubro e as impressas para 1 e 8 de novembro. 

“Além da paralisação do nosso sistema de ensino, sem previsão de retorno, tanto público quanto privado, outros fatores foram fundamentais para a criação [da mobilização], como a situação em que nos encontramos: por um lado, vestibulandos, sem EAD [ensino a distância], sem acesso a internet ou modos alternativos de estudos em casa e, por outro lado, vestibulandos, mesmo tendo EAD, sendo prejudicados pela precariedade do ensino”, afirma. 

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), retirados da pesquisa PNAD Contínua TIC 2017, um total de 39% dos domicílios brasileiros ainda não têm nenhuma forma de acesso à internet. O levantamento mostra também que apenas 48% dos jovens das classes D e E têm acesso à internet no país, porém, deste total, 85% acessam a rede exclusivamente pelo celular, o que dificulta a qualidade da aprendizagem.

Elisa, que antes da quarentena passava o dia inteiro estudando no cursinho preparatório para o vestibular, acredita que o esquema de aulas a distância, elaborado às pressas, prejudica o aprendizado. “Fere o princípio da isonomia educacional, visto que muitos estudantes não possuem acesso aos meios tecnológicos necessários para usufruir destas aulas”, opina. “Com as aulas online, o nível entre os alunos do país se desequipara ainda mais”, completa. 

Na semana passada, em entrevista sobre o embate em torno data do Enem, o professor universitário Juan Colonna, que criou um abaixo-assinado pedindo que governo e operadoras de telefonia liberem internet gratuita aos portais educativos, contou como o modelo de EAD, sem um formato efetivo que alcance a todos e que conte com ferramentas para interação, discussão de dúvidas, disponibilização de material didático e acompanhamento do aprendizado, pode causar um impacto negativo na formação dos estudantes que irão prestar o Enem. 

“Não podemos ser ingênuos e pensar que educação a distância de qualidade se faz simplesmente gravando videoaulas com uma câmera web”, disse o docente na ocasião. 

Privilégio x desigualdade

Elisa teve acesso ao sistema particular de ensino e tem a chance de estudar em um cursinho preparatório para o vestibular. Mesmo com os privilégios, dos quais têm ciência, decidiu lançar a campanha acreditando que todos os alunos merecem ter igualdade de ensino e preparação para realizar a prova. Por isso, iniciou a mobilização em grupos de WhatsApp e nas redes sociais, recebendo imediatamente apoio de entidades estudantis, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). 

A jovem sabe que para muitos estudantes brasileiros a realidade é diferente da sua. Engajada na campanha #AdiaEnem, passou a receber depoimentos de outros alunos que escancaram a desigualdade no acesso ao ensino no Brasil. Juliana Zélia, de 16 anos, estudante de escola pública e também moradora de Belo Horizonte (MG), narrou suas condições. 

Elisa levou quase 1 mês para se adequar à nova rotina de estudos (Foto: Arquivo pessoal)

“Estudo em escola pública e não estamos tendo EAD, o que me afeta na aprendizagem, isso porque o ensino público no Brasil já é defasado em relação ao ensino particular. Com a falta de aula presencial, não há como aprender o restante da matéria, equivalente ao 3º ano do Ensino Médio, para realizar a prova do Enem”, desabafou a jovem no relato. O mesmo acontece com Júlia Augusto, Beatriz Brandão e tantos outros que deixam depoimentos semelhantes.  

O contraste pode ser notado na fala de Cinthia Sales Lima, 17 anos, moradora de Rio Claro (SP), que estuda em escola particular e está tendo aulas a distância. “Se está sendo difícil para pessoas como eu, que tem privilégio de ter o EAD, imagina para pessoas que não tem o mesmo…”, pondera a jovem na declaração, destacando dificuldades na falta de contato presencial com o professor, o que torna as matérias mais difíceis de serem compreendidas. 

Além do problema no acesso a condições satisfatórias de ensino, a autora do abaixo-assinado levanta, ainda, outra questão que pode atrapalhar os jovens a prestarem o exame em outubro e novembro deste ano: o fator psicológico e emocional. Barreira que normalmente já precisam enfrentar quando vão prestar uma prova, a condição psíquica dos vestibulandos está, devido à pandemia do novo coronavírus, agravada de forma inédita.

“Um dos problemas que identifiquei entre colegas e vestibulandos com quem convivo foi a falta de motivação e foco e a exaustão de não estar conseguindo produzir durante a quarentena”, ressalta Elisa. “Nossa saúde mental foi afetada, tanto pelo isolamento quanto pela pressão do Enem e incerteza sobre nosso futuro estudantil, e isso resultou em mais frustrações por não conseguirmos medir os resultados dos nossos esforços”, acrescenta a jovem. 

Governo irredutível 

Na semana passada, a equipe da Change.org entrou em contato com o Ministério da Educação para saber se o ministro iria se sensibilizar pelo apelo dos jovens que se juntaram ao abaixo-assinado. Na ocasião, a assessoria de imprensa da pasta informou, por telefone, que as datas das provas do Exame Nacional do Ensino Médio seriam mantidas. 

Devido ao forte crescimento da campanha, novamente a Change.org contatou o MEC para perguntar se o órgão iria repensar a posição. Entretanto, a assessoria de imprensa do ministério não respondeu e encaminhou o questionamento ao Inep, que não enviou qualquer posicionamento até o fechamento desta matéria. O órgão foi procurado por e-mail e telefone. 

Diante da postura irredutível do governo, Elisa se diz, no mínimo, “frustrada”. “Ao nascermos em uma democracia, crescemos com a consciência de que as pessoas em cargos políticos representam a população”, afirma a estudante. “Então quando vemos um ministro, responsável pelo futuro de milhares de jovens – ricos e pobres, pretos, pardos e brancos, moradores de zonas rurais ou urbanas – tratar um exame de nível nacional como uma forma de selecionar os que possuem melhores condições de vida, é, no mínimo, frustrante”, desabafa. 

Elisa segue o sonho de passar no vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para o curso de Engenharia Espacial, sem perder as esperanças de que o Enem aconteça em condições mais satisfatórias e igualitárias para todos os estudantes. “Escolhi Engenharia Espacial porque me descobri apaixonada por exatas e sou extremamente criativa. Gosto muito da área astronômica e espacial. Também, no Brasil, não há muitos profissionais, principalmente mulheres, em aeroespacial, há mais na área aeronáutica”, conclui. 

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