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A luta de Silvana para distribuir calcinhas a mulheres trans no SUS

Pela necessidade de esconder a genitália, muitas transexuais acabam colocando a vida em risco; campanha tenta sensibilizar autoridades de saúde

A empreendedora realiza sonhos através de seu negócio. Foto: Arquivo pessoal
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Silvana Bento, de 45 anos, inventou uma calcinha especial para mulheres trans e conseguiu mudar a vida de quem sofria com problemas de saúde decorrentes da prática de usar fita adesiva ou cola super para esconder a genitália. Agora, a empreendedora busca apoio em uma petição online para conseguir distribuir o produto via Sistema Único de Saúde.

De Guaianases, na periferia de São Paulo, Silvana trabalhava como técnica em hemoterapia em hospitais da cidade. Em sua rotina, constantemente se deparava com mulheres transexuais entre os pacientes que passavam por hemodiálise. Ao questionar médicos e enfermeiros sobre o motivo, descobriu que elas perdiam os rins por causa de graves infecções no trato urinário ocasionadas pela necessidade de “aquendar” (esconder) a genitália. 

Do drama de presenciar uma dessas pacientes falecer na sua frente, Silvana tirou o desejo de fazer alguma coisa para que essas histórias não se repetissem. Assim, inventou a “trucss”, uma lingerie especial que possui um funil entre as pernas e proporciona que as mulheres trans que desejam ou precisam esconder a genitália o façam com segurança. 

“Eu estava infundindo uma bolsa de sangue nela [na paciente] enquanto ela estava fazendo hemodiálise. Aí ela olhou para mim, fez um sinal de ‘beleza’ com as mãos e acabou falecendo porque não conseguiu esperar um transplante de rim, mesmo já estando na fila há um mês”, lembra a empreendedora.

Segundo Silvana, oferecer essa segurança às mulheres trans é uma questão de saúde e, por isso, precisa da devida atenção do SUS. Quando estão “aquendadas”, as mulheres transexuais chegam a passar o dia inteiro prendendo a urina por não conseguirem usar o banheiro. A recorrência dessa prática pode levar a infecção urinária e, posteriormente, a comprometimento dos rins, cirurgias, hemodiálise e até mesmo espera na fila de transplante.

Para tentar sensibilizar as autoridades de saúde, a empreendedora lançou uma campanha na internet. Em forma de petição, Silvana apela: “Pela Saúde das Mulheres Trans! Queremos a calcinha especial disponibilizada pelo SUS”. Hospedada na plataforma Change.org, a campanha já recebeu o apoio de mais de duas mil pessoas e segue aberta. 

“Eu decidi colocar minhas peças no SUS devido ao valor. As peças têm um valor um pouco alto e não são tão acessíveis para as meninas trans, tendo em vista que 90% delas não têm um emprego fixo e trabalham com prostituição”, diz a empreendedora. Com patente desde 2016, Silvana tenta agora conseguir um selo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária para, em seguida, levar a demanda de distribuição gratuita ao Ministério da Saúde.

Invenção de utilidade pública

Com formação na área de educação e saúde, Silvana conta que não sabe pregar um botão, não entende nada de vendas, marketing ou confecção. Foi a empatia pelas pacientes trans que atendia que a motivou a encarar esse novo universo. Atualmente, ela se dedica exclusivamente ao negócio que criou, incentivada pelos feedbacks que recebe das clientes.

“Meu produto é de utilidade pública. Eu venho da área da saúde, e foi por esse motivo que criei essa peça”, comenta. “Eu criei essa peça única e exclusivamente para ajudar as meninas trans. A receptividade é muito boa, quem compra uma vez não fica sem nunca mais. E o feedback é sempre positivo.”

Para criar a lingerie especial, a empreendedora perguntou às pacientes como elas faziam para esconder a genitália com a fita adesiva. A partir dos relatos, se uniu a uma designer de moda e desenvolveu a calcinha, que possui elástico na cintura, um funil entre as pernas e um fecho por colchetes localizado na altura do cóccix. A lingerie parte do mesmo método da fita, mas deixa a pessoa livre para usar o banheiro quando necessário.   

Desde a escolha de qual nome daria à lingerie especial até qual seria a cor de sua marca, Silvana dedicou amor à causa. “Quando eu inventei essa marca, foi bem na época em que estavam surgindo na mídia: ‘meninos vestem azul e meninos vestem rosa’. A junção dessas duas cores dá lilás, a cor que eu escolhi para minha marca.”

No logo, a empreendedora usa duas letras “s”, sendo uma delas invertida para formar um coração. “Eu sou bem coração, eu costumo brincar que eu sou mãe das meninas. E o nome ‘trucss’, com esse coração, está todo em minúsculo já para mostrar que, apesar de diferentes, somos todos iguais”, explica Silvana, defendendo, na petição, que as pessoas não precisam pertencer à comunidade LGBTQIA+ para ajudar na causa que está levantando.   

Serviço

Silvana não possui loja física e usa diferentes plataformas para as vendas, como um site fornecido pela empresária Cristiana Arcangeli, Instagram e WhatsApp. A peça mais básica custa em torno de 70 reais. “As minhas peças não têm no mercado, foi uma patente de invenção. Existem calcinhas similares para mulheres trans, porém, tem que se usar a fita adesiva por baixo. As outras calcinhas servem para tampar essa fita adesiva que a trans ou quem precisa ficar com a virilha sem volume vai colocar. As minhas não precisam do uso da fita.”

Para apoiar a causa de Silvana e das mulheres trans que dependem da distribuição gratuita das calcinhas especiais, via SUS, acesse: http://change.org/SaudeDasMulheresTrans 

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