Brasil Debate

Os prós e contras da jornada 12 x 36

O projeto prevê 12 horas de trabalho seguidas por 36 de descanso para todas as categorias, mesmo em ambientes insalubres

A reforma trabalhista, aprovada na Câmara dos Deputados, agora tramita no Senado
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Dentre as diversas modificações na legislação de proteção ao trabalho propostas pelo projeto de reforma trabalhista, atualmente em tramitação no Senado Federal sob o número PLC 38/2017, está a regulamentação do regime de jornada de trabalho 12×36. A proposta acrescenta o artigo 59-A à CLT para autorizar o labor em 12 horas de trabalho seguidas por 36 horas de descanso (12×36) a todas as categorias profissionais.

O projeto de lei reconhece a validade desta jornada especial independentemente do ambiente e das condições de trabalho, da autorização do Ministério do Trabalho em ambientes insalubres ou de previsão em acordo ou convenção coletiva de trabalho firmados pelos sindicatos. O projeto prevê, inclusive, a possibilidade de não concessão de intervalo para refeição e descanso, autorizando assim, o trabalho ininterrupto por 12 horas.

O governo e os defensores da reforma trabalhista argumentam que a jornada 12×36 é favorável aos trabalhadores. O relator de Comissão Especial da Câmara sobre a Reforma Trabalhista Rogério Marinho (PSDB-RN) afirmou em seu relatório final que:

“A jornada 12 x 36 é amplamente aceita no País e, inclusive, sumulada pelo TST, desde que seja acertada por convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. É basicamente usada em hospitais, portarias e empregos de vigilância. Para desburocratizar, a nova redação dada pelo Substitutivo reconhece a prática nacional e aponta a desnecessidade de autorização específica pelo Ministério do Trabalho para liberação do trabalho da 8ª a 12ª hora em ambientes insalubres, como no caso do trabalho de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem nos hospitais. Por mera conta matemática, chega-se à fácil conclusão de que a jornada 12×36 é mais benéfica ao trabalhador, que labora doze horas e descansa trinta e seis horas. Assim, o trabalhador labora mensalmente bem menos horas que aquele que trabalha oito horas por dia.”

Pelo cenário apontado pelo relator, a jornada 12×36 seria o melhor dos mundos: quem não gostaria de trabalhar menos?

Mas não é preciso ir longe para lembrar que, conhecidamente, a jornada de trabalho de profissionais da saúde – citados como exemplo pelo parlamentar – não é a mais tranquila ou menos extensa do Brasil. Na verdade, a realidade das condições de trabalho dos profissionais da saúde e também de vigilância que praticam este regime de trabalho, previsto em normas coletivas firmadas pelos sindicatos respectivos, demonstra que o regime especial, quando fixado sem contrapartidas ou garantias especiais, conduz a condições precárias de exploração da força de trabalho.

Sobre os trabalhadores da saúde, estudo publicado pela Organização Internacional do Trabalho sobre sua jornada de trabalho pode trazer luz quanto a essa questão. O estudo envolveu as cinco regiões do Brasil, realizando entrevistas com 164 trabalhadores, entre médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, em estabelecimentos públicos e privados de várias dimensões e demonstrou uma realidade diversa daquela que se afirma decorrente do regime de trabalho em jornada 12×36.

Uma das dificuldades em se medir a jornada dos profissionais da saúde, segundo o estudo, deve-se aos múltiplos vínculos, prática comum para tais profissionais. Tal prática dificulta não só as estatísticas, mas que até mesmo o próprio trabalhador tenha controle de quantas horas efetivamente ele/ela trabalha por semana.

Uma das entrevistadas menciona que o arranjo 12×36 facilitou o acúmulo de empregos, que, na prática, pode ser 12×12, combinando-se dois vínculos 12×36, ou ainda ser combinado a outros vínculos e outros regimes de jornada.

O estudo aponta, assim, que a carga horária dos trabalhadores da saúde é maior que a média dos trabalhadores brasileiros, com efeitos sem precedentes para a saúde física, mental e social dos trabalhadores.

Neste ponto, observa-se que os efeitos nefastos da jornada extenuante decorrentes da adoção do regime 12×36 afetam o ambiente de trabalho, em seu sentido mais amplo, contribuindo para ocorrência de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, afastamento do trabalhador, comprometimento da previdência social e aumento de demandas trabalhistas em busca de indenizações pelo prejuízo sofrido.

Por outro lado, a prestação de serviços por trabalhadores submetidos a jornadas extenuantes afeta toda a sociedade, que se submete a receber serviços prestados por trabalhadores exaustos, doentes física e mentalmente.

Os próprios trabalhadores entrevistados no estudo acima referido relataram como seu rendimento e atenção decaem após longas jornadas, fato que é corroborado por diversas pesquisas nacionais e internacionais: estudos mostram que os resultados de pacientes que procuram um serviço de saúde nas noites e fins de semana é estatisticamente pior que o dos pacientes que o fazem em horário comercial devido ao cansaço dos profissionais.

Assim, o regime de jornada 12×36 sem outros mecanismos de proteção (como a inviabilidade de combinação de diversas jornadas pela adoção de outros vínculos de emprego ou uma política consistente de valorização da renda do trabalho), ainda que previsto em acordo e convenções coletivas do trabalho e, sobretudo, como previsto no projeto de reforma trabalhista, que autoriza inclusive a não concessão de intervalo para descanso e refeição, representa a precarização extrema de condições de trabalho, com prejuízos incalculáveis sobre a saúde do trabalhador e repercussões em toda a sociedade.

O projeto de reforma afirma categoricamente que a jornada 12×36 é melhor para o trabalhador, mas não apresenta qualquer garantia, pela via da valorização da remuneração, que os trabalhadores sujeitos a este regime não precisarão buscar outros vínculos de emprego para complementação de renda, trabalhando exaustivamente em busca de condições mais dignas de vida.

*Ana Luíza Matos de Oliveira é economista (UFMG), mestra e doutoranda em Desenvolvimento Econômico (Unicamp) e integrante do GT sobre Reforma Trabalhista IE/Cesit/Unicamp; Ana Paula Alvarenga Martins, é juíza do Trabalho (TRT15), especialista em Direito e Processo do Trabalho, mestranda em Desenvolvimento Econômico – IE/UNICAMP e membro do GT Reforma Trabalhista CESIT/UNICAMP

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