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Na contramão das maiores cidades do mundo, São Paulo tomou uma decisão que poderá aumentar o seu número de acidentes. A recente decisão do prefeito João Dória de elevar os limites da velocidade em suas principais vias arteriais, marginais Tietê e Pinheiros, de 50 para 70 quilômetros por hora, na pista local, e de 70 para 90 quilômetros por hora, na expressa, fere recomendação da Organização Mundial da Saúde de limites de 50 quilômetros em vias arteriais e 30 quilômetros para áreas pavimentadas de circulação de pedestres e ciclistas.
A política chama a atenção da sociedade quando os maiores centros urbanos do planeta estão debruçados no desenvolvimento de formas eficientes para o deslocamento urbano com segurança, ou seja, que reduzam os congestionamentos e acidentes a partir da redução dos limites de velocidade. A atual gestão paulistana parece regredir em relação à tendência global de uma gestão do tráfego viário mais eficiente.
A mudança atual da gestão viária da cidade traz grande preocupação local e nacional, pois em última instância São Paulo é um farol para outros grandes centros urbanos do País e o seu modelo de gestão tende a ser copiado pela grande maioria dos municípios. Um exemplo foi a abertura das avenidas aos pedestres aos domingos, política reproduzida por quase todas as capitais. Dessa forma, a cidade de São Paulo é um grande parâmetro para as demais grandes cidades.
Segundo a organização internacional World Resources Institute, o Brasil é o quarto no ranking entre os países que mais matam no trânsito e uma das principais causas para essa colocação é o limite da velocidade estabelecido nas regiões. Na América Latina, o Brasil é um dos países que apresentam um dos maiores limites de velocidade do continente, ao lado da Colômbia, México e Guatemala.
Para se ter uma ideia, no ano 2000, a Austrália reduziu em 10 quilômetros por hora a sua velocidade, de 60 para 50, e o impacto estadual (South Austrália) foi de 100 vidas salvas e uma economia de mais de 1 bilhão de dólares com despesas decorrentes dos acidentes de trânsito, entre os anos de 2003 e 2013, o que representou queda de 40% do número de fatalidades.
Outro caso a ser destacado foi o de Nova York. O projeto “Green Light for Midtown” trouxe mudanças do desenho viário e redução das velocidades nos bairros adjacentes da Broadway, e os resultados foram: redução do tempo de viagem de 15%, queda de 63% dos feridos na modalidade condutores e passageiros e redução de 35% feridos na modalidade pedestre. Com o sucesso das medidas, em 2014, a proposta foi ampliada para toda a cidade, reduzindo o limite “padrão de velocidade urbana em 30 milhas por hora (48 km/h) para 25 milhas, o equivalente a 40 km/h”.
Em São Paulo, em média, após o acidente, 94% das vítimas necessitam de ajuda de terceiros para realizar suas atividades diárias e 18% param de trabalhar em decorrência das lesões, além daqueles que buscam indenizações por invalidez, segundo relatório do WRI de 2015.
Hoje, é mais do que nítido que o limite de velocidade tem forte associação com os custos em saúde, pois um acidente de trânsito provocado a uma velocidade entre 60 e 90 quilômetros por hora exige cuidados em Pronto Socorro com custo mais elevado, enquanto a ocorrência na faixa dos 10 a 50 quilômetros tende a acarretar atendimento mais básico por Unidade Básica de Saúde e custos/danos menores. O perfil da demanda hospitalar dos acidentados no trânsito irá depender do padrão do limite de velocidade viário adotado.
É temerário o regresso aos limites anteriores de velocidade da cidade, ainda mais sob o slogan “Acelera São Paulo”. Além dos efeitos sociais (segurança social no trânsito) e econômicos (custos trabalhistas e de saúde), a mudança de trajetória tem fortes impactos no padrão educacional e político da gestão das cidades. As contradições da democracia permitem a vitória de agendas diversas no campo político, todavia, os cidadãos esperam do novo gestor avanços em relação à gestão precedente, alcançar níveis melhores em políticas exitosas e desenvolver áreas nas quais não se obteve resultado satisfatório. Independentemente do partido, existe uma expectativa da gestão municipal focada na cidade e, principalmente, para quem vive nela, dela e para ela.
* É economista e doutorando em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp.
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