Brasil Debate

A polarização política de mentira no Brasil e o seu fim

Pelo acordo a favor do impeachment, não é possível ter ao mesmo tempo o ajuste econômico da elite do 1% e o combate à corrupção

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A crise pela qual o Brasil passa e a consequente polarização política é o resultado de dois fatores. O primeiro está vinculado com a diminuição da atividade econômica mundial. O segundo se refere ao aproveitamento das brechas criadas no processo de superação da crise por uma oposição torpe montada às pressas para conduzir o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

O objetivo dessa trupe é resolver um grande problema que poderia atormentar os grupos minoritários do 1% no Brasil, caso o governo ambíguo e conciliatório do PT tivesse continuidade. Enquanto o primeiro fator deu o pontapé inicial para a polarização política, foi o segundo, associado ao circo midiático em torno da Lava Jato, que exacerbou a normalidade da luta de classes aos níveis dantescos de rixas e brigas que dificultavam a comunicação entre concidadãos.

Estes dois fatores não devem ser tratados como, de um lado, o fator externo e do outro, o fator interno. Os dois estão intimamente relacionados e a compreensão desse fato é crucial para entender por que o impeachment, as reformas econômicas no quadro da PEC 55 e as manobras de acobertamento seletivo da Lava Jato são expressões de um mesmo e único fato: o movimento desses grupos minoritários do 1% para resolver a seu favor a disputa distributiva agudíssima que se abriu com o fim do crescimento econômico.

Não que esses grupos não estivessem do lado dos governos petistas nos anos de bonança. É que o perfil do corte e dos ajustes econômicos não seriam nem rápidos, nem profundos o suficiente caso os impasses da crise fossem tratados de forma democrática. Na verdade, o motivo real do fim do apoio dos bancos ao governo anterior não tem a ver apenas com a grandeza do ajuste, mas com sua direção. Sobre o lombo de quem ele iria recair? A superação da primeira grande crise capitalista do século XXI poderia ter uma direção do corte nada agradável para os seculares donos do Brasil, amigos dos milenares donos do mundo.

Havia o risco de um ajuste econômico mais balanceado, com distribuição mais adequada dos famigerados sacrifícios impostos por toda crise capitalista. Para alguns, que nunca tiveram que levar sua própria pele para o abate, é evidente que isto seria um tormento. A solução buscada pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy ficou espremida, porém, por pressões da direita e da esquerda ao longo de 2015. O cai-não-cai do ministro durou meses e mostrou não ter sido possível chegar a um acordo sobre a divisão da conta da crise.

A proposta de volta da CPMF foi demais para a banca nacional. Partidos variados se alinharam para se curvar ao movimento “Não Vou Pagar o Pato” liderado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e seu presidente, Paulo Skaf, que colocou argutamente os trabalhadores diante do falso dilema entre estar do lado das empresas ou do governo. Essas forças antipopulares variadas de todo espectro do centro à direita também conseguiram se unir na homogeneidade necessária para apoiar a ideia pelo impeachment de Dilma.

Devido ao impasse e à pressa dos financistas, como alternativa nasceu um grande acordo legitimando a mudança de governo para matar dois coelhos com um só golpe. De um lado, abria-se o caminho para a aprovação do ajuste fiscal antipovo e, do outro, as investigações de corrupção seriam enquadradas para que a política pudesse ser salva. Assim, resolveriam-se ambos os problemas: o dos peixes grandes pelo congelamento que garante todo centavo de crescimento econômico da economia brasileira pelos próximos 20 anos para o pagamento de seus rentáveis títulos da dívida pública. E o dos peixes pequenos, pelo empacotamento da pizza em caixas de até quatro variações: 1, 2, do bem e do mal.

Qual o significado disso? Deputados e senadores aceitaram votar contra o povo as medidas do ajuste fiscal dos financistas em troca de serem salvos na Lava Jato. Isso revelou que a bifurcação atual é entre a continuidade da apuração das amarras corruptas que envolvem a democracia brasileira e a aprovação das reformas econômicas.

Na atual conjuntura, não se pode ter ao mesmo tempo o ajuste econômico dos exploradores e o combate à corrupção. Essa é justamente a tese difundida por Celso de Barros em sua interpretação de desentendimentos recentes dentro da direita: estamos diante da bifurcação entre continuar as investigações e punições à corrupção ou aprovar as reforma econômicas liberais. Não se pode ter as duas coisas. O mesmo raciocínio havia sido exposto por Marcus Melo no esquema que ele intitulou de “trilema brasileiro”. É uma espécie de dilema de três possibilidades, em que, para a permanência de duas delas, é obrigatório abrir mão de uma. E as possibilidades são o governo Temer, a Lava Jato e as reformas econômicas. Existe alguma dúvida de que o governo atual prefere as reformas à Lava Jato?

Agora não é mais possível olhar para trás e repetir uma única versão das origens e dos culpados pela crise. Não há como continuar a acreditar naquela ponte-arco-íris mágica sem dimensão alguma de tempo, o que dirá de futuro. Não se pode esperar nada dessa saída desenhada nos castelos onde habitam os poderosos que se seguiu à palavra de ordem “primeiro a gente tira ela, depois a gente vê no que dá…”

Para além desse projeto-fábula cheio de “fadas da confiança” e de todos os escândalos do governo Temer, há ainda um esforço oficial tremendo em enganar a população para fazer aprovar a reforma da previdência, a PEC 287. É um clima de fim dos tempos, reforçado diariamente nos jornais para que a população trabalhadora aceite passivamente os projetos milagrosos de saída de uma crise criada pelos próprios donos do dinheiro.

O cenário futuro não é, porém, de desolação. As manifestações contra a reforma da previdência de 15 de março evidenciam uma virada importantíssima. Estamos em uma nova fase. É o começo do fim da polarização política de mentira no Brasil.

Parte da classe média, que apoiou justamente o plano da elite financeira sem se dar conta de que fazia parte dos 99% prejudicados, começa a entender o que ocorreu. Se o gigante acordou em 2013, em 2017 ele se senta à mesa sonolento para tomar os primeiros goles de café. Estamos no meio de um processo maciço de tomada de consciência de que o caminho adotado em todas as bifurcações desde as jornadas de junho de 2013 foi errado. Os cidadãos começam a perceber que o discurso de combate à corrupção foi um mero pretexto para viabilizar mudanças essenciais na estrutura de poder do País a favor dos “profissionais” e seus contratantes. É uma janela de oportunidade para informar a população trabalhadora sobre o ataque em curso.

Em um futuro muito breve, as interpretações sobre o duplo sentido da operação Lava Jato irão atingir as consciências dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. Sua necessidade deverá ser separada daquilo no que ela se transformou. Uma dessas leituras destacará que o esquema de desvio do dinheiro público por meio das empreiteiras atreladas à Petrobras era a normalidade de atuação de todos os partidos dentro do quadro legal de doação privada a candidatos, enfatizando a necessidade de definição das regras sobre o papel do dinheiro nas eleições.

Outra vai ressaltar que o movimento autodefensivo dos políticos subjuga-se à cobertura midiática de que o mais importante é passar as reformas econômicas, pauta, aliás, em linha com as forças desinteressadas no fortalecimento do Brasil no cenário geopolítico mundial do primeiro quarto do século XXI. Mais uma terceira interpretação vai admitir que a operação foi fundamental para engrossar a insatisfação popular, ingrediente essencial para que os limites jurídicos das pedaladas se dissolvessem na sopa do impeachment.

E todas irão convergir no entendimento de que aquele projeto político de soberania nacional, com todas as suas contradições, defeitos e limitações, foi o único perdedor de uma luta de mentira.

* É economista pela Goethe Universitat Frankfurt a.M., Alemanha, professor da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas da Universidade Federal de Goiás (UFG) e coordenador da Formação do Núcleo Goiás da Auditoria da Dívida Pública

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