BrCidades
A reconstrução democrática no Brasil vai exigir a produção de cidades socialmente justas e ambientalmente viáveis. Este o escopo do Projeto Brasil Cidades.
BrCidades
Visibilidade para TRANSformar o Brasil
Lutamos por uma justiça social real e completa, que deve, necessariamente, incluir justiça econômica, racial e de gênero


Historicamente, as experiências de pessoas trans e travestis são marcadas pela exclusão, pela marginalização e pela negação de direitos. O Brasil segue sendo um país que, sistematicamente, nega oportunidades de acesso a direitos básicos como saúde inclusiva e trabalho digno. Vivemos em um país altamente perigoso para pessoas trans, afinal, é aqui onde mais se matam travestis e transexuais em todo o mundo.
Mas, apesar de esses dados serem fundamentais para a reflexão que quero trazer hoje, neste Dia da Visibilidade Trans, não quero falar apenas sobre as violências que sofremos. Essa é, com certeza, parte da experiência que temos ao vivermos nossas identidades e expressões de gênero com plenitude. Mas ela não nos define por completo.
Embora a história de luta de pessoas trans seja constantemente apagada e silenciada, a verdade é que temos resistido historicamente às violências impetradas à nossa identidade, aos nossos corpos, à nossa cultura e ao nosso modo de ser e agir no mundo. Mas não só. Temos sido protagonistas das lutas mais amplas por justiça social em um Brasil forjado no racismo e na exploração social e econômica.
Xica Manicongo, por exemplo, que é considerada a primeira travesti do Brasil, ao lutar pelo seu próprio direito de ser quem era, questionou as estruturas mais rígidas que sustentavam não apenas a opressão que ela sofria por conta de sua identidade de gênero. O que ela questionava era o sistema colonial e escravocrata que estabeleceu como norma padrões de gênero e sexualidade que desumanizavam pessoas negras e trans.
Trago Xica como um exemplo, mas certamente a nossa história é marcada pelas trajetórias políticas e de vida de pessoas trans e travestis. Não posso deixar de mencionar aqui outro exemplo, desta vez do presente. Érika Hilton, a primeira travesti eleita vereadora da cidade de São Paulo e também como a mulher mais votada do País, e a primeira travesti negra eleita para a Câmara Federal, é uma expressão viva das lutas que nós, pessoas trans e travestis, temos travado no Brasil.
A forma de fazer política de Érika é alicerçada no modo de fazer política de mulheres negras e mulheres trans: um compromisso irredutível com os direitos de todas as pessoas, um trabalho alicerçado na solidariedade entre os oprimidos e, especialmente, um horizonte político de transformação real das estruturas da sociedade. Peço licença para emprestar de Ângela Davis sua famosa frase em que diz que quando uma mulher negra se movimenta, toda a sociedade se movimenta junto. Complemento esta dizendo que lado a lado das mulheres negras estão as pessoas trans.
Nossa ação política está inerentemente conectada com um compromisso radical que temos com a transformação da realidade do nosso País e do mundo. Principalmente porque não há justiça social possível no Brasil sem que haja uma mudança estrutural nas experiências de vida de quem é mais precarizado pelo capitalismo: as pessoas trans, travestis, pessoas negras, mulheres e LGBTs. Para concretizar essas mudanças estruturais devemos dar visibilidade e vazão às demandas específicas de pessoas trans e, ao mesmo tempo, conectá-las com medidas globais que melhorem as vidas de todas as pessoas. Por isso, o programa que defendemos é radicalmente interseccional.
Para nós, pensar essa transformação passa necessariamente pela agenda e pelo programa que temos defendido coletivamente. O futuro imaginado por nós é um futuro com garantia plena de direitos e com igualdade. Isso passa por políticas que promovam o trabalho digno, o fim da violência, a garantia de direitos sexuais e reprodutivos, a democracia, a igualdade e, em especial, o direito à vida. Lutamos por uma justiça social real e completa, que deve, necessariamente, incluir justiça econômica, racial e de gênero.
Defendemos um programa que contemple a totalidade e a diversidade. Inclusive, é isso que nos diferencia daqueles que usam espaços de poder para promover a desigualdade social, a violência policial, a transfobia e o machismo. A extrema-direita, que está mais preocupada com banheiros, se esconde no seu ódio para mascarar o seu descompromisso com as transformações que o Brasil e o mundo precisam.
Quanto a mim, como uma travesti eleita a vereadora de esquerda mais votada do Brasil em 2024, seguirei sendo uma das vozes em defesa de uma realidade em que nós, pessoas trans, vivamos com dignidade. E essa é a realidade que defendo para todas as pessoas!
Que este 29 de janeiro nos lembre da importância de celebrarmos nossas vidas e existências. E de seguirmos em marcha contra o retrocesso e o ódio, honrando as lutas de Xica Manicongo, João Nery, Érika Hilton, Bruna Benevides e de todas as pessoas trans, travestis, homens trans, transmasculinidades e pessoas não-binárias que resistem, constroem e lutam por dignidade e justiça!
Sigamos resistindo lado a lado e conectando nossas lutas! A luta contra a transfobia não é apenas de pessoas trans, mas de toda a sociedade que sonha viver em dignidade. Viva o dia da visibilidade trans!
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.
Leia também

Trump assina decreto para restringir transição de gênero em menores
Por CartaCapital
Trump assina decreto para banir pessoas trans das Forças Armadas nos EUA
Por Caio César
Com políticas inclusivas e educação corporativa, Pernambucanas busca ambiente seguro para funcionários trans
Por CartaCapital