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Fórum Direito à Cidade discute novas formas de desenvolvimento urbano e humano para Natal

Fonte: Victor Camilo/ Fotos Públicas
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Fórum Direito à Cidade*

Quando de sua criação, em 2018, o Fórum Direito à Cidade percebeu a necessidade de criar uma rede de apoio e construção de propostas para o processo de revisão do Plano Diretor de Natal (PDN) que já se desenhava na direção do desmonte dos pactos socioambientais, materializados e bem avaliados por diversos segmentos sociais no Plano de 2007. 

A partir das reflexões sobre alguns temas implicados no processo de revisão, o Fórum sintetizou suas principais proposições sobre o conteúdo do Plano, o qual traduz os resultados dos estudos e discussões desenvolvidas no âmbito de suas atividades na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em articulação com seus parceiros, sobretudo os movimentos sociais de base popular e as entidades de classe. Assim, explora-se a seguir alguns dos problemas detectados na construção do “novo” Plano Diretor de Natal diante do contexto urbano em que o município se insere e que foram elencados no documento original, disponibilizado nas redes do grupo. 

Os temas trabalhados dividiram-se em quatro pontos de discussão. O primeiro foi a capacidade de suporte da infraestrutura do município de Natal diante da proposta de aumento da densidade populacional e construtiva, no qual se discute essa estrutura, relacionando-a com o macrozoneamento existente e de seus Coeficientes de Aproveitamento. No documento original, também são discutidos os “combos de vitalidade urbana”, trazidos à tona por representantes de entidades da construção civil e que foram trazidos para a discussão do Fórum e reestruturados.

Também é possível analisar no documento completo as propostas trazidas pelo Fórum quanto os Instrumentos da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC), da Transferência do Potencial Construtivo (TPC) e da Operação Urbana Consorciada (OUC), além da proposta de não-alteração nos regramentos relativos ao controle de gabarito das edificações em algumas áreas e da permeabilidade do solo para a captação das águas pluviais em lotes privados. 

O segundo e o terceiro pontos versam sobre a proteção das Zonas de Proteção Ambiental (ZPA) e das Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS), respectivamente. Quanto a esses pontos, o texto completo também traz uma discussão quanto ao uso da TPC nas subzonas das ZPA regulamentadas, da necessidade de criar e delimitar as AEIS para os territórios onde ocorre concentração de imóveis não edificados, não utilizados ou subutilizados e da manutenção das AEIS de Segurança Alimentar, retiradas em meio ao processo de revisão, ampliando-a para os Territórios da Pesca Artesanal.

O último ponto discorre sobre as bases normativas necessárias a um planejamento de âmbito metropolitano, destacando a importância do mesmo para o município de Natal para uma gestão integrada do controle do uso e ocupação e da efetiva proteção ambiental dos territórios socialmente vulneráveis e ambientalmente frágeis.

Contexto e propostas para a revisão do Plano Diretor de Natal

Natal tem o privilégio de localizar-se em um ambiente natural, assentado sobre dunas, o qual mantém ainda protegido como parte de sua paisagem. Ao longo do tempo, a disponibilidade de água subterrânea tem garantido o seu acesso com boa qualidade a baixo custo, abastecendo boa parte dos domicílios situados ao sul do rio Potengi. No entanto, nos últimos anos, a infiltração de efluentes não tratados no solo tem provocado sérios problemas ambientais e exigido uma operação mais complexa da captação das águas subterrâneas. Um dos motivos é a precariedade do sistema de saneamento básico que atende cerca de 40% dos domicílios apenas.

Some-se isso à grande quantidade de ligações cruzadas entre as redes de águas pluviais e de esgotos e à existência de redes antigas e subdimensionadas, o que ocasiona vazamentos que atingem e afetam as condições de balneabilidade das praias urbanas. Sendo assim, fica claro que não existe capacidade de suporte, em termos de saneamento básico, para um crescimento expressivo da área construída e densidade populacional de Natal, tal como a proposta prevista na minuta de revisão do novo PDN incentiva, com Coeficientes de Aproveitamento (CA) variáveis de 1,5 a 5,0. 

As ampliações previstas nas redes de esgotamento sanitário e abastecimento de água, elaboradas em seus respectivos planos e projetos, dão conta de um aumento progressivo da população local de maneira uniforme, mas não de aumentos potenciais em setores específicos da cidade, na ordem de cinco vezes por exemplo, o que possibilitaria densidades de 1500 hab./ha. Um índice atraente para os produtores imobiliários, mas extremamente alto quando se pensa na oferta dos serviços públicos, um valor dezenas de vezes superior àquele que foi planejado. É fundamental desestimular e conter temporariamente as novas construções até que as novas estruturas de esgotamento sanitário estejam em operação e que seja assegurada a manutenção do abastecimento de água potável.

Considera-se estratégico que a política urbana propicie um crescimento policêntrico, com o estímulo ao adensamento construtivo onde há melhor oferta de estruturas de saneamento e transporte e de equipamentos públicos essenciais, como escolas, hospitais e centros comerciais, utilizando a concessão do direito de construir nesses bairros como ferramenta. Nesse sentido, entende-se que a OODC é um instrumento de gestão importante para promoção do padrão de adensamento pretendido, permitindo um Coeficiente de Aproveitamento Básico (CABásico) para todos os lotes do município equivalente a 1,0, como já incorporado. Além disso, seu cálculo não pode resultar apenas de um valor simbólico, como vem sendo praticado, mas deve ser proporcional ao valor venal do terreno, sendo utilizado para alimentar os fundos ligados à política urbana.

Para isso, propõe-se a manutenção do macrozoneamento atual: dividido na Zona de Proteção Ambiental (ZPA), com suas regulamentações específicas; na Zona de Adensamento Básico, onde deve incidir o CABásico de 1,0; e na Zona Adensável, onde são possíveis CA máximos superiores ao básico, conforme cada bairro, mediante o pagamento da OODC. Por sua vez, a Zona Adensável deve ter seus limites revistos, excluindo-se os bairros cujas condições de infraestrutura, traçado e parcelamento do solo não sejam capazes de absorver grandes densidades populacionais de forma sustentável, tais como: Quintas, Nordeste, Rocas, Santos Reis e Praia do Meio.

Fonte: Fórum Direito à Cidade (2020)

Outra questão importante é a proteção das águas superficiais e subterrâneas, que depende essencialmente da afirmação e regulamentação das ZPA, que ocupam cerca de 37% da superfície do município. Diante desse quadro, o Fórum destaca a necessidade da finalização da regulamentação das ZPA restantes, em curso desde 2010, e em adiantado estágio de discussão no âmbito dos conselhos setoriais e no Conselho da Cidade de Natal (Concidade).

É importante que o PDN reconheça o esforço desenvolvido pela gestão e estabeleça novos prazos para conclusão desses processos. Outro ponto que se destaca é a possibilidade da aplicação da TPC nas ZPA, mesmo com processo de regulamentação em andamento, desde que se estabeleça parâmetros distintos àqueles aplicados nos imóveis situados nas outras zonas do município. 

Quanto à política de proteção das AEIS do município, introduzidas no PDN desde a década de 1990, é notória a sua importância diante da permanência de famílias em situação de vulnerabilidade socioambiental em áreas onde há oferta de trabalho e renda. Bairros como Mãe Luíza, Praia do Meio, Rocas, Santos Reis, dentre outros, abrigam um contingente populacional expressivo, da ordem de 34 mil pessoas.

Apesar da importância dessas áreas, nota-se a morosidade para a sua regulamentação, além do ataque frontal a essas políticas no âmbito da atual revisão. Fica claro, assim, a necessidade de criar mecanismos e procedimentos de gestão para acelerar a delimitação (participativa!), regulamentação, urbanização e regularização fundiária de todas as categorias previstas no PD de 2007. 

Para além das ZPA e das AEIS, é necessário também fortalecer a política metropolitana do município de Natal e dos seus vizinhos. O município já compõe um núcleo metropolitano expressivo e seu planejamento hoje é fortemente condicionado pelo que acontece nos municípios vizinhos, exigindo, por isso, ações articuladas, sem fronteiras político-administrativas, com vistas à análise e formulação de propostas de ordenamento territorial. Alguns municípios do entorno imediato de Natal estão revisando seus Planos Diretores e seria estratégico que levassem em conta a articulação metropolitana que as une. Infelizmente, ao que consta, nenhum dos gestores iniciou qualquer tipo de interlocução. 

Vale ressaltar o papel do Concidade, posicionado como articulador do sistema de gestão, nessas iniciativas de articulação metropolitana, o que não vem ocorrendo. Esse tipo de atuação poderia garantir a provisão e gestão articulada dos serviços coletivos referidos, incluindo a realização de consórcios públicos para execução de ações de interesse comum, assim como na elaboração do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI).

Finalmente, o município de Natal encontra-se num momento estratégico de seu planejamento. A pandemia do COVID-19 traz lições importantes sobre a necessidade de pensar a forma de estruturação e configuração das nossas cidades e considera-se que o PDN precisa traduzir as estratégias de planejamento para esse novo cenário. Faz-se necessário, portanto, considerar as limitações e fragilidades do ambiente físico e natural do município, a perspectiva das mudanças climáticas e a necessidade de novas formas de desenvolvimento urbano e humano, que não podem ser reduzidas a estratégias de crescimento econômico.

*Este artigo é uma produção coletiva do Fórum Direito à Cidade em parceria com a Rede BrCidades.

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