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O direito à liberdade religiosa também é parte importante do direito à cidade

Como em quase tudo no Brasil, a intolerância religiosa também tem viés racista

Ilê Opô Afonjá, na Bahia, é um dos terreiros de Candomblé mais tradicionais do Brasil. Foto: Amanda Oliveira/GOVBA
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A dissociação entre Estado e Religião e a liberdade religiosa são fundamentos da modernidade no mundo ocidental. Estado e sociedade que se pretendam modernos devem promover o respeito a tais preceitos em todas as suas dimensões. Contudo, no Brasil há um longo caminho a percorrer para derrubar mitos que nos condenam a um Estado de pré-modernidade. A intolerância religiosa é um ataque frontal a tais preceitos. Ela se impõe entre muitos fatores, mas principalmente pelo medo. Aqui, a liberdade religiosa é direito fundamental e a intolerância é crime. 

É inadmissível que qualquer pessoa sinta medo, ou constrangimento, por expressar sua fé. Não é tolerável que pessoas e instituições da sociedade imponham sua fé aos demais por meio do medo. A laicidade do Estado, por sua vez, exige a separação total deste de qualquer religião. 

Peguemos como exemplo o direito ao aborto. É direito das religiões e de seus praticantes condenar o aborto, contudo é dever do Estado garantir o direito às mulheres. Caso contrário, a imposição religiosa de alguns se sobrepõe ao direito de outras.

Deve ser legalmente condenável o uso espúrio da religiosidade para fins político partidários, como o que temos visto no Brasil nas últimas décadas, e mais fortemente nos últimos anos. Seria correto que um líder religioso, cujos rendimentos vêm diretamente de sua atuação como chefe de uma Igreja, possa adquirir concessões públicas de comunicação, sobretudo quando, flagrantemente, a utiliza para expressar sua fé?

Criado por lei federal em 2007, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, comemorado todo dia 21 de janeiro, marca a data de falecimento da Iialorixá Mãe Gilda, fundadora do Ilê Axé Abassá de Ogum, terreiro de Candomblé de Salvador. A Iyá teve sua imagem utilizada em jornal vinculado à Igreja Universal do Reino de Deus em 1999. A manchete acusava as religiões de matriz africana de “charlatanismo” e de “lesar o bolso e a vida das pessoas”. Mãe Gilda faleceu no dia 21 de janeiro de 2000, quando assinou procuração para advogados que viriam a processar a Igreja Universal. Condenada em primeira instância a pagar 1 milhão de reais, a bilionária igreja teve a pena reduzida a 150 mil reais pelo STF e a memória de Mãe Gilda segue vítima da intolerância religiosa até os dias de hoje. No último dia 15 de janeiro, o busto em sua homenagem, na Lagoa do Abaeté, em Salvador, foi vandalizado. Preso, o autor afirmou que apedrejou o busto “a mando de Deus .

Como em quase tudo no Brasil, a intolerância religiosa também tem viés racista, de caráter histórico, que insiste em fazer sobreviver um Brasil colonial que nos impede de constituir uma verdadeira república, algo que acontece desde os tempos em que os jesuítas impunham sua religião aos povos indígenas até os dias do sincretismo das religiões de matriz africana, o qual se deu por estratégia de resistência. Ao contrário do que busca fazer crer o mito da harmonia ou da democracia racial brasileira.

A violência religiosa praticada pela sociedade e mesmo pelo Estado se expressa de muitas formas e aquela contra terreiros e praticantes de religiões de matriz africana é uma das mais explícitas. Destroem-se terreiros, agredindo física e moralmente seus sacerdotes e praticantes. Há ainda outras formas de agressões que são invisíveis e toleráveis a alguns. A territorialidade é uma dimensão fundamental das tradições religiosas de matriz africanas e de povos originários e tradicionais.

Os terreiros são, em sua maioria, localizados nas próprias casas dos sacerdotes e os assentamentos de orixás têm relação direta com o solo, a terra, de modo que remoções e despejos por questões fundiárias, ambientais e por grandes projetos urbanos têm também uma dimensão de violência religiosa e, por consequência, o direito à cidade se relaciona ao direito à liberdade religiosa.

Invasões de terras indígenas e tradicionais para atividades ilegais de extração de madeira e minério são, além de crime ambiental, práticas de violência religiosa, uma vez que a cosmovisão dos povos indígenas é indissociável de suas dimensões territorial e ambiental.

O acesso à terra nesses dois casos têm uma dimensão simbólica fortemente ligada ao direito de liberdade religiosa. Sob essa mesma cosmovisão, a dimensão espiritual está diretamente ligada à saúde. Casos como o veiculado recentemente de subnutrição e contaminação por mercúrio em aldeia Yanomami em Roraima se impõe também como violência religiosa. 

Assim, o combate à intolerância religiosa exige uma atuação integrada, intersetorial e federativa. Deve ser promovido por meio de políticas de segurança pública, direitos humanos, meio ambiente, cultura, saúde, educação, urbana e territorial, além de igualdade racial. E já que tratamos aqui fundamentalmente de espiritualidade, por que não dizer que o assunto deve ser tratado sob uma perspectiva holística, ou seja, uma visão ampla, do todo, das relações das condições materiais com o acesso aos bens imateriais?

Que assim seja!

Axé!

Amém!

Aleluia!

Salam Aleikum

Shalom

Namastê!

Saravá!

Evoé!

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