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Gato por lebre: o que há por trás do Plano de Desestatização de SP

Fica cada vez mais evidente seu real sentido: o lucro de poucos

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“Haverá a melhora da qualidade de serviços para a população sem onerá-la, com bons serviços nas áreas da saúde, educação, habitação popular, transporte coletivo e segurança pública, além de assistência social, com prioridade para as pessoas em situação de rua e usuários de drogas. […] Estamos dando um passo muito importante com esse programa de desestatização.” Assim o então prefeito de São Paulo, João Dória, apresentou para os paulistanos seu plano de venda de bens públicos da cidade. Colocado como um dos pilares fundamentais da estrutura que sustentava a imagem de prefeito-gestor moderno, o Plano Municipal de Desestatização (PMD) foi reduzido a mera alegoria institucional após dois anos de seu lançamento, e deixou de ser uma bandeira de seu substituto, Bruno Covas. Porém, mesmo sem ser tirado do papel as consequências do pacote de privatizações e concessões são danosas para o futuro da cidade, e fica cada vez mais evidente seu real sentido: o lucro de poucos.

Inicialmente, o Plano previa a desestatização de 55 serviços e ativos municipais, dentre eles estavam o Autódromo de Interlagos, o Pacaembu, o Complexo do Anhembi, o sistema de Bilhete Único, os Mercados Municipais, praças e parques, terrenos públicos, terminais de ônibus, serviços funerários, entre outras coisas.

Vista à noite do Parque Ibirapuera, um dos cartões-postais de São Paulo

Para analisar a trajetória do Plano Municipal de Desestatização é preciso separá-lo em três momentos: o primeiro foi em 2017, quando o pacote de privatizações e concessões praticamente dominou a pauta da Câmara Municipal, e dezenas de reuniões, acordos e articulações foram feitas entre os poderes executivo e legislativo para aprovar o conjunto de leis necessárias para a viabilidade da proposta. Esse período foi marcado por intensos debates entre os vereadores. Alegando urgência na tramitação, não foram poucas as manobras e atrocidades regimentais promovidas por lideranças do parlamento municipal para que toda a legislação pudesse ser aprovada em tempo recorde.

Entretanto, houve resistência. Na época, as vereadoras Patrícia Bezerra (PSDB) e Sâmia Bonfim (PSOL) apresentaram pedidos de plebiscito para que a população pudesse decidir sobre o rumo das privatizações. E, ainda, diversos grupos e movimentos sociais ocuparam o plenário da Câmara Municipal denunciando os descalabros do Plano Municipal de Desestatização e pedindo o fim de sua tramitação. Nada disso adiantou. A legislação foi aprovada.

O segundo momento foi dentro do próprio governo. Mesmo criticado por especialistas por sua completa ausência de transparência e controle social, o modelo institucional adotado para a execução do plano de concessões compreendia três itens: uma nova pasta, a Secretaria Municipal de Desestatização, o Conselho Municipal de Desestatização e um fundo específico, o Fundo Municipal de Desenvolvimento Social. Na prática, a estrutura garantia completa autonomia à Prefeitura para avançar com as concessões e privatizações, sem que fosse preciso dar nenhuma satisfação à Câmara Municipal e à sociedade.

O terceiro momento é o da implementação. Nele, chama a atenção a dificuldade da Prefeitura em executar o Plano. Somente ao final do ano de 2018 os projetos começaram a se viabilizar de fato. Nesse sentido, cabe destacar também a redução da expectativa de arrecadação com o pacote de desestatização. Inicialmente a meta do governo era arrecadar 7 bilhões de reais. Algum tempo depois esse valor foi reduzido para 5 bilhões de reais. E, no início desse ano, nenhum representante da Prefeitura se arrisca mais a dar um valor de arrecadação. Dizem apenas que enxugarão a máquina e ponto final.

Somado a isso, o próprio número de itens a serem desestatizados também definhou. O primeiro anúncio dava conta de 55 itens. O que na sequência passou para cerca de 20 itens. E hoje a própria Prefeitura tem como meta implantar apenas 10 projetos do Plano Municipal de Desestatização.

Uma análise do orçamento municipal deixa ainda mais clara essa dificuldade. O Fundo Municipal de Desenvolvimento Social, criado para gerir os recursos oriundos das desestatizações, não investiu sequer um real na cidade, e o montante de R$ 1 bilhão estimado para 2019 encontra-se 100% congelado.

Vale lembrar, também, que o Tribunal de Contas do Município, o Tribunal de Justiça e o Ministério Público de São Paulo encontraram problemas e fizeram questionamentos em todos os itens do Plano Municipal de Desestatização anunciado por João Dória, sem exceção, de forma que se fizéssemos uma lista de todos os entraves apontados, esse texto se tornaria infindável para o leitor. Os órgãos acima citados observaram falhas relacionadas a direcionamentos de licitação, falta de transparência e mecanismos de participação social, desrespeito a outras legislações municipais – como, por exemplo, a ambiental e a patrimonial –, ausência de dados e mecanismos de controle e, por fim, falta de regulamentação dos mecanismos de acompanhamento e monitoramento dos contratos.

Dessa forma, é patente que nos três momentos destacados aqui sobram demonstrações de irregularidades e inefetividade, e faltam elementos que demonstrem resultados concretos do Plano Municipal de Desestatização, em especial no que diz respeito à ampliação de investimento público e redução dos gastos municipais. No entanto, não é por isso que o PMD não representa um risco para a cidade.

Por mais que o Plano pouco tenha andado, já é possível medir seus efeitos, em especial nas alterações que ele estimulou na legislação urbana. Nos casos da privatização do Anhembi e da concessão do Pacaembu, o que se viu foi um aumento significativo do potencial construtivo dessas áreas, somado à possibilidade desse mesmo potencial ser comercializado pela empresa que vencer o certame, o que deve se traduzir em mais verticalização e adensamento na cidade, piora no transito, e a continuação do desvirtuamento do Plano Diretor.

No caso do Autódromo de Interlagos deve acontecer o mesmo. No caso dos terminais de ônibus, quem ganhar a licitação leva junto a possibilidade de construir tanto no espaço aéreo do terminal quanto num raio de 600 metros em seu entorno. E no caso do Ibirapuera a elaboração do planejamento do parque será a partir de seu potencial de lucro.

Sem detalhar melhor cada caso, o que merece um alerta é o fato de que se torna cada dia mais evidente que o Plano Municipal de Desestatização é, na realidade, uma grande narrativa simplória e difusa que serve como o prumo a justificar absurdas medidas que estão sendo tomadas na legislação urbana da cidade. Não fosse o Plano, certamente não haveria como conquistar a opinião pública, mas sob o manto da desestatização justifica-se qualquer medida. Verdade seja dita, o governo municipal anunciou um pacote de privatizações e concessões, com ampliação da arrecadação e aumento de investimento público, mas está entregando um embuste de desregulamentação da legislação urbana para benefício único do setor privado.

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