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A ideia de verticalização da orla de Natal angustia e faz sofrer

Infelizmente, o conceito de embelezamento é o de sempre: tirar o pobre da paisagem

Orla de Natal (Foto: Divulgação/Ministério do Turismo)
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Assim que foram iniciadas as discussões sobre o Plano Diretor de Natal, o Executivo municipal da capital potiguar, que conduz o processo de discussões através do Concidade, declarou sua posição: verticalizar a orla para “embelezar as praias”.

Essa intenção da Prefeitura vem provocando dois fenômenos: por um lado uma verdadeira corrida do ouro por um capital imobiliário que já farejou que pode comprar barato – e de gente pobre – seus pequenos terrenos e casas com grande possibilidade de ter lucros estratosféricos; por outro, uma expressiva angústia vital das comunidades que serão alvo dessa política e que sabem que o seu destino é ir morar longe de tudo, detalhe que talvez converta para uns humildade em pobreza e para outros, pobreza em miséria.

Todos sabem que não terão força para enfrentar a “pressão de compra” do mercado, que não se dá, para dizer o mínimo, em termos desinteressados. Infelizmente, o conceito de embelezamento é o de sempre: tirar o pobre da paisagem.

As praias centrais de Natal, abandonadas por um Poder Público ausente há décadas, são o trampolim perfeito para o grande salto, supostamente modernizador, do capital imobiliário.

(Foto: Wikimedia Commons)

No discurso, os responsáveis pelo subdesenvolvimento e fealdade das praias são suas vítimas: os moradores da região que devem ser removidos pelo sacrossanto instrumento de compra e venda e não esse Poder Público que nunca teve um projeto estruturante para tão bonita região.

Essa corrida do ouro esbarra apenas num obstáculo: as comunidades praieiras que contam quase cem mil moradores, dos cerca de 900.000 de Natal. Elas têm peso político e começaram a acordar. Algumas dessas populações estão implantadas na orla há mais de um século.

Em abril passado, já assediadas pelo discurso da verticalização, que remonta a fevereiro, as comunidades realizaram seminários populares para discutir propostas para um turismo includente e para um desenvolvimento socioeconômico e participativo da orla, além de propostas de uso para o Hotel Reis Magos.

No que toca à orla, a ideia-chave das comunidades não é a de verticalizar e nesses seminários se exprimiram contrárias à ideia que as ameaça. É de conhecimento público que os preços “de mercado” dos pequenos imóveis da orla não permitiriam a compra de outra casa na região leste da cidade.

Nos seminários, a ideia chave das comunidades para o desenvolvimento da região é tornar as praias atrativas em primeiro lugar para o próprio natalense, sendo essa condição considerada estruturante para o turismo. Além disso, o abandono do Poder Público deveria ser revertido para que viabilizasse ativamente as políticas públicas de incremento ao turismo nas praias, o que é uma obrigação de governo, aliás.

As praias devem ser saneadas, limpas, policiadas, iluminadas, contar com bons banheiros públicos, coleta de lixo e lixeiras, e devem ter uma agenda contínua de eventos desportivos, culturais e de lazer. As atividades que mais empregam na região, como o artesanato, o comércio, a hospitalidade e a restauração deveriam ser apoiadas fortemente pela prefeitura com um projeto de educação permanente e de investimentos, bancados por um fundo financiado pela própria atividade turística que, retornando a ela com benefícios e mais qualidade, alcançaria provável sustentabilidade.

Além disso, uma infraestrutura específica seria necessária para dar suporte ao vôlei de praia, ao surf, à instalação de salva-vidas, ao passeio das famílias, idosos e cadeirantes e ao “lual” que atrai a juventude e a cultura. Alguém num dos seminários considerou que as praias deveriam ser como uma festa!

Ora, todo esse ideário, simples e eficiente, que asseguraria um turismo saudável, dinâmico e crescente da região praieira de Natal, não pode ser substituído por uma ideia pobre e unidimensional de verticalização como se isso fosse ser a solução para todos os males. A verticalização não resolve nem o turismo, nem o desenvolvimento da cidade e suas consequências danosas são bem conhecidas de outras experiências urbanas similares.

Para além do debate e dos limites éticos que qualquer instrumento de gestão urbana deve respeitar, cabe aqui também uma reflexão sobre a lisura de termos no comando desse processo um Executivo Municipal: (a) que oficializou um conceito de beleza das praias que exclui seu principal beneficiário: o povo da cidade, pois somente poucos terão dinheiro para ter acesso a essa praia verticalizada e (b) que não optou por uma neutralidade de magistrado na condução de um processo de tomada de decisões que envolve não somente o interesse do capital imobiliário em verticalizar a Orla, mas sobretudo a vida das pessoas e o que elas podem considerar de mais sagrado: sua casa, sua comunidade, sua identidade, sua história e sua dignidade.

O processo está em curso e esse Executivo Municipal poderia voltar atrás e dar às centenárias, sofridas e abandonadas comunidades das praias de Natal a tranquilidade e o sossego que elas fazem por merecer.

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