Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)

Novidades na França um ano depois de Macron

Com pauta econômica liberal pró-mercado, seu lado progressista está nas questões relacionadas a costumes, como na defesa dos direitos de mulheres e gays

Mais que um candidato de centro, Macron foi a síntese dos dois polos: esquerda e direita. E incorporou isso ao discurso
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Por Giorgio Romano Schutte

Faz um ano que Emmanuel Macron ganhou as eleições na França para se tornar o presidente mais jovem da história do país, com 39 anos. Decidido, hábil e ousado, ele conseguiu projetar-se sobre um duplo mal estar generalizado na França.

De um lado, a sensação de decadência do país no cenário mundial, acompanhada de uma falta de dinamismo econômico, social e cultural. De outro, um cansaço que levou a uma forte rejeição dos políticos tradicionais.

As eleições de 2017 foram as mais surpreendentes da V República, que se iniciou com De Gaulle, em 1959. Há quem sustente que a eleição de Macron seria o marco de uma nova era. A disputa foi realizada sob o impacto da vitória do Brexit do Reino Unido e o estado de emergência vigente na França desde os atentados de 13 de novembro de 2015, que deixaram 130 mortos.

Desgastes que vieram de muitos anos provocaram um enfraquecimento dos dois polos principais que marcaram a história política da 5ª República. Os partidos Socialista e os Republicanos juntos obtiveram somente 26,4% dos votos, sendo que pela primeira vez nenhum deles ficou no segundo turno. Macron aproveitou as fragilidades dos partidos tradicionais e se apresentou como a grande novidade.

O absenteísmo no primeiro turno ficou em 22,23% e só aumentou para 25,44% no segundo turno por causa das abstenções da esquerda. Ao final Macron pegou 24% no primeiro turno e 66,1% no segundo.

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Observe-se que o Partido Socialista ficou com uma votação extremamente baixa, 6,4%. Seu eleitorado foi em parte absorvido por Macron e em parte pelo candidato da esquerda, La France Insoumise (A França Insubmissa), Jean-Luc Mélenchon.

Este último, embora da velha guarda, conseguiu uma surpreendente revitalização da esquerda, com mobilizações de jovens, e ameaçava inclusive chegar ao segundo turno contra Macron. O atentado à véspera das eleições ajudou, sem dúvida, a estancar seu crescimento na reta final. Por 1,73% ele não foi para o segundo turno. Seja como for, Mélenchon saiu com força política das eleições dando voz ao que sobrou da esquerda e aos movimentos sociais que enfrentam hoje nas ruas as reformas do governo Macron.

De onde veio Macron? Em 2008, ele entrou no braço francês do tradicional Banco Rothschild. No ano seguinte, desfiliou-se do partido socialista. A crise global estimulou fusões e aquisições, justamente uma especialidade do banco, Macron faz uma espetacular carreira ganhando o apelido do “Mozart das Finanças”.

Nesse período criou uma rede de contatos que lhe seria muito útil. Ele colaborou com a campanha do Hollande e assumiu o Ministério de Economia. Em agosto 2016 sai do governo para se preparar para sua campanha. Assim, criou seu próprio movimento usando as mesmas iniciais de seu nome: Em Marche (EM – Em Movimento).

A novidade estaria em apresentar-se como superação da tradicional clivagem entre esquerda e direita. Mais que um candidato de centro, ele seria a síntese dos dois polos: esquerda e direita. E incorporou isso aos seus discursos e comentários, ao utilizar com frequência o que já se tornou um marco da sua personalidade: “…ao mesmo tempo…” (en même temps).

Assumiu o desfio de transformar o sistema político francês e prometeu com isso dar nova vitalidade à França para recuperar seu lugar de um líder no cenário internacional, na liderança de uma nova Europa, superando o euroceticismo não pelo afastamento, mas com um novo projeto.

No sistema político francês as eleições para o Legislativo são organizadas alguns meses depois das eleições presidenciais, em um clima de pouca mobilização e sob uma sensação que o jogo já está definido. Houve alto índice de absenteísmo (51,3%) e a votação para os candidatos do lado do presidente eleito, no caso Macron, tiveram o seguinte resultado: o EM ganhou 308 dos 577 deputados.

Com esse controle firme sobre o Congresso, Macron iniciou um ciclo de reformas. No campo econômico elas não trazem exatamente uma pauta nova, nem representam uma síntese de esquerda/direita, mas seguem o receituário neoliberal de reforma trabalhista, universitária (restringindo a entrada), ataques aos sindicatos – em particular no caso da empresa ferroviária estatal SNCF que provocou uma onda de protestos – e uma reforma tributária regressiva (por exemplo, o fim do imposto sobre as grandes fortunas) e flexibiliza as possibilidades de evasão fiscal.

Ao vender essa pauta como sendo inovadora para superar a dicotomia esquerda/direita, ele mostra sua capacidade de marketing e faz inclusive com que setores da centro-direita liberal no Brasil sonhem com um Macron brasileiro.

Na arena internacional, ele tentou projetar novamente a França como um ator central, parte de seu esforço para aumentar a auto-estima da população. Realizou sua primeira viagem para a Alemanha no intuito de reconstruir o eixo França-Alemanha para revitalizar a União Europeia, reatando as relações com Putin, recebendo-o no Palácio de Versalhes e fazendo a primeira visita de Estado de um líder europeu aos Estados Unidos de Trump.

Nesse esforço, está respaldado por uma longa tradição da diplomacia francesa, a partir de De Gaulle, embora com pouco sucesso até agora. A tradição de independência da política externa francesa ficou evidente no discurso que fez no Congresso americano defendendo posições contrárias às de Trump, não obstante os beijos e abraços do dia anterior. 

Conhecido pela sua capacidade de dissuasão, encontrou no presidente estadunidense um parceiro complicado: não conseguiu nenhuma concessão na questão do clima (mesmo oferecendo para Trump o slogan “Lets make the planet great again”), embora tenha participado dos bombardeios à Síria para demonstrar sua vontade de coordenação com os EUA.

Da mesma forma Merkel ainda está cética com relação às propostas de avançar na institucionalização da Europa, inclusive explorando fusões de empresas em setores chaves para fazer face à concorrência chinesa e americana.

E a população? Como é de tradição, houve uma grande queda, no caso de 20%, entre a votação no segundo turno e a avaliação positiva nos meses seguintes. Com a postura de firmeza e sua habilidade no debate público, ele recuperou alguns pontos e ficou um ano depois das eleições com 45% de aprovação, muito adiante de seus dois antecessores: Hollande (29%) e Sarkozy (35%), mas bem atrás, por exemplo, de Chirac em 2003 (58%) ou De Gaulle (62%). Pesquisa da Sciences Po realizada no início de maio perguntou a respeito da previsão do estado das coisas em 2022, ou seja, o final do mandato de Macron: 39% avaliaram que vai melhorar, para 29% vai piorar e para 32% vai ficar igual. Ou seja, um resultado medíocre, embora superior ao fracasso pelo qual passou Hollande. Aqui temos que considerar duas grandes vantagens para Macron.

O seu primeiro ano do mandato coincidiu com uma retomada generalizada na zona do Euro, que teve um crescimento médio anual em 2017 de 2,5%, o maior desde 2007. Assim também a França teve um crescimento (2%). Esse moderado novo dinamismo na economia francesa não reflete, como não poderia, as reformas liberais de Macron, e talvez, nem a restauração da tal da confiança do mercado que estava em baixa no governo de Hollande. 

Com o crescimento, aumentaram também as receitas, em 4%,  e isso fez o déficit público cair ao menor nível desde a crise global, para 2,7% do PIB, pela primeira vez em dez anos, dentro da norma de Maastricht (3%). Não foi, portanto, por cortes nas despesas públicas, que, ao contrário aumentaram 2,5% com relação a 2016, representando 56,5% do PIB. Na verdade, o déficit público já vinha diminuindo desde seu pico de 7,2% em 2009, ano a ano.

Contudo pode-se caracterizar o governo Macron como sendo de centro-direita com uma pauta econômica liberal pró-mercado e pró finanças. Seu lado progressista pode ser identificado nas questões relacionadas a costumes, por exemplo, em sua defesa das dos direitos das mulheres e gays.

Talvez a maior vantagem que ele tenha no campo político, além de um controle firme sobre o Congresso, seja a falta de alternativas à esquerda com capacidade de mobilizar mentes e corações como ele conseguiu com seu movimento. Por enquanto, o que se pode afirmar é que a mudança e o novo se deu, sobretudo, na superfície, na forma e nos discursos.

Prof. Dr. Giorgio Romano Schutte (UFABC), membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)

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